que leva alguém a se destacar no que faz? Paixão, talento, preparo, ou uma mistura de tudo? Qual a fórmula do sucesso? Essa mistura de tudo, na hora certa, no lugar certo? A questão vem intrigando a humanidade há séculos. Os gregos tinham o philotimo, uma mistura de honra, orgulho, racionalidade e empatia, gerando atos de generosidade e sacrifício. Os romanos tinham o estado de presença e participação, resumido no Veni, vidi, vici, de Julio César. O verso 104 da terceira Uria do Alcorão diz que o sucesso é definido pela capacidade de atrair os outros para a bondade, ao passo que os chineses da dinastia Zhou (1046-256 AC) referiam-se ao sucesso como tianxia, um estado de harmonia com um mundo.
A ciência ocidental perdeu muito desses sentidos, mas também ganhou diversos outros, cuja vantagem é serem testáveis. Assim, em vez de assumir que certo estado de espírito leva ao sucesso, hoje falamos em formas distintas do mesmo, a serem atingidas por rotas particulares, cuja relevância ponderamos usando o método experimental — o correlato moderno da fé.
Entre todos os fatores modernos descobertos dessa forma, nenhum é mais importante do que o acaso. Isso mesmo, o bom e velho acaso, cego, probabilístico, impessoal, conhecido como “os deuses” durante nosso longo passado politeísta.
Os deuses determinam se você irá nascer numa família rica ou pobre, em São Francisco ou Porto Príncipe. Eles também determinam se você viverá uma juventude mais ou menos farta de ensinamentos formais bem concebidos e ministrados, o que representa o fator prático mais importante para o sucesso, conforme pilhas de evidências atestam.
O filósofo liberal John Rawls descreveu essa manifestação suprema do acaso como um desafio social peculiar, de ares paradoxais: as pessoas de maior sucesso tendem a achar que este é exclusivamente fruto do seu mérito, o que justamente as torna menos afeitas a ser condescendentes com aqueles que tiveram menos sorte. Aí, como as pessoas de maior sorte concentram poder, os pesos e contrapesos tendem a desaparecer rapidamente.
A solução, segundo ele, era pensar as condições para o sucesso como advogados de clientes desconhecidos. Explico. Imagine que você é uma espécie de advogado do firmamento – um anjo bacharel – e seu trabalho é defender um cliente, que está prestes a nascer. Como bom profissional que é, você se prepara para pleitear as melhores condições para esta pessoa.
O problema é que você não sabe se é ele ou ela, nem se vai nascer em Porto Alegre ou Porto Velho. Tudo que você sabe é que se trata de alguém a caminho do Brasil. O que fazer? Rawls dizia que a única solução racional seria a max-mini, isto é, a maximização do mínimo, aliada à promoção de um ambiente de liberdade para cada um tentar ser o que quiser. Ao garantir que o poço não seja fundo demais — que o mínimo não seja ruim a ponto de se fazer incapacitante —, o anjo garantiria que seu cliente tivesse meios para brigar pelo melhor para si.
Aí é que entra a educação, a partir de um conjunto de ensinamentos bem concebidos e ministrados. Sua ausência é como uma forma tremenda de azar, que apenas um punhado de felizardos consegue superar. Até uns trinta anos atrás, achávamos que a janela temporal para ser acanhoado com o suprassumo da educação iria da primeira infância à entrada no mercado de trabalho. Estávamos na era do formalismo educacional.
Este envolvia mais do que a premissa acima; seu pano de fundo eram as dificuldades logísticas para o ensino fora do ambiente acadêmico convencional. A superação veio em fases. Primeiro surgiram os sites e blogs voltados ao ensino especializado, para adolescentes e adultos interessados nas mais variadas áreas. Depois apareceram os LMS e os cursos rápidos de grandes universidades, no modelo do Coursera.
Tudo indica que estamos entrando em uma fase nova de experiências de aprendizado corporativo e transformação grupal, que podem ser consumidas em ambientes imersivos, capazes de tornar o processo muito mais realista e eficiente. Chamo essa promessa de “o metaverso do conhecimento”.
A mudança em curso pode ser valiosíssima do ponto de vista do preenchimento do fundo do poço e as empresas brasileiras têm potencial para ações pioneiras. Para isso, é preciso que levem a formação complementar mais a sério, o que na prática depende da criação de condições para que seus colaboradores consigam identificar e tapar suas lacunas técnicas e conceituais. Não basta falar, é preciso oferecer-lhes assessments, uma cartela de treinamentos de qualidade e tempo.
Eu entendo quem pensa que não é obrigação do empregador fazer nada disso e que, no limite, o custo/benefício de demitir e contratar pessoas mais qualificadas é superior. Entendo, mas discordo. Pesquisas que nós, do Instituto Locomotiva, conduzimos nos últimos meses mostram que a pandemia elevou a valorização do crescimento pessoal e outros intangíveis. A tese de que a automação e a inteligência artificial estão avançando de maneira acelerada e que os profissionais menos qualificados irão sofrer tornou-se prevalente, mesmo entre quem estudou e ganha menos.
Promover a formação complementar desses quadros, além de representar uma das maiores contribuições que uma empresa pode fazer pelo Brasil, é uma das formas mais eficientes e baratas de preparar e reter talentos nos dias atuais. E nos tempos vindouros.