O desinteresse nos programas obrigatórios de treinamento
O papel do RH tem a ver cada vez mais com proteger o tempo das pessoas, garantindo que elas estejam dispostas para o aprendizado.
Na maioria dos finais de palestra online, tenho vivido uma mesma experiência: depois das perguntas, alguém da empresa agradece e avisa o público que o evento acabou. Sempre fico até todos saírem – muitas vezes as pessoas continuam escrevendo pequenas mensagens no chat.
A questão é que é raro todos saírem.
O que ocorre normalmente é 5% a 10% dos participantes continuarem na sala. Eles não saem porque, na verdade, nunca estiveram lá. Talvez por hábito ou culpa, esses participantes invisíveis apenas se logaram no webinar e foram viver a sua vida, tocar seu dia a dia. O que é mais intrigante é que isso ocorre mesmo quando a participação no evento é opcional.
Por um tempo, as estratégias de engajamento nos programas foram baseadas no comando e controle. Tornamos os programas obrigatórios, punimos os faltantes, ameaçamos contar para os gestores (!). Há ainda a aceitação da derrota e a tentativa de reduzir o prejuízo por meio da prática do overbooking: o programa é para 20, vamos chamar 40 para que talvez o número desejado compareça.
Nesse movimento para um sistema híbrido de trabalho, já percebo que a complexidade vai aumentar. Conseguir agendas e presença será uma desafio crescente.
Precisamos entender as alavancas para o real envolvimento dos colaboradores nas ações de aprendizado propostas. E precisamos mudar, porque, no fundo, ainda estamos presos a uma lógica escolar e não tratamos adultos como adultos (será que a lista de presença realmente é uma solução?).
Reuniões simultâneas: a grande mentira corporativa
Estava em um encontro com um time de oito pessoas, falando sobre aprendizagem autodirigida. Pela natureza do tema, a sessão é estruturada com base na troca e conversa direta com e entre os participantes. Em determinado momento, percebi que um deles estava olhando fixamente para o lado e não para a câmera. Ele estava ativo, participando das conversas, mas eu só o via de perfil.
Curioso, perguntei se ele nos olhava em uma outra tela e a resposta foi: “Estou com outra câmera ligada aqui na minha frente para as pessoas acharem que estou participando de uma reunião. Ela apareceu na minha agenda como urgente, mas eu queria muito estar aqui com vocês. Fica tranquilo que estou de verdade só com nosso grupo aqui”.
Fiquei surpreso com essa participação fictícia (e forçada) em reuniões simultâneas. Ao conversar sobre essa loucura com o grupo, um deles falou que era normal ter três ou quatro reuniões ao mesmo tempo. Um dos presentes disse que seu recorde tinha sido sete convites concomitantes.
Checando com outros grupos e clientes, entendi que essa é a norma.
Saímos convocando pessoas para reuniões sem saber se elas querem, podem ou precisam participar. Não é necessária uma análise muito profunda para entender que todo esse contexto traz problemas sérios.
Antes de qualquer coisa, é uma situação falsa. As reuniões sobrepostas são uma grande mentira corporativa. Se alguém me convida para uma reunião sem saber se eu poderei participar, eu não sou necessário. É a versão business do “passa lá em casa…”.
A questão principal é o cansaço enorme que essa rotina tem gerado. Começamos a sentir isso durante a pandemia, a famosa “zoom fatigue“. E por muito tempo achamos que o que nos deixava cansados era o excesso de tela. Sempre tive dúvidas em relação a isso, afinal a maioria de nós sai da tela do computador para outras telas (ver redes sociais, séries…). Com o atual movimento de retorno ao presencial, as coisas ficaram ainda mais complexas. O que é pior do que um encontro híbrido com pessoas em uma sala e outros participantes à distância?
Estamos exaustos. E, como profissionais de aprendizagem, é crucial entender esse cenário como parte integrante da atual cultura de aprendizagem. Sem esse cuidado, o treinamento corre o risco de virar apenas mais uma atividade dispensável. Se formos bons na comunicação, podemos até atingir o número de participantes desejados. Contudo, é pouco provável que haja aprendizado de verdade.
Partimos do pressuposto de que um treinamento, necessariamente, irá desenvolver nas pessoas as habilidades de que elas precisam. Balela: a experiência mostra que isso está errado. Então, antes de propor mais um treinamento, se faça as seguintes perguntas:
- O treinamento é realmente necessário para o participante nesse momento?
- Os participantes serão capazes de aplicar a habilidade apresentada de quatro a seis semanas logo após o treinamento?
- Está claro para os participantes e para suas lideranças quais os benefícios pessoais e para o negócio que o aprendizado vai proporcionar?
- O momento do dia/mês/trimestre/semestre é adequado?
- Será que são necessárias as horas previstas? Conseguimos reduzir o tempo de aplicação?
Tempo, energia e vontade
Sempre ressalto a importância da autodireção e do aprendizado informal, mas as ações formais de treinamento são essenciais para a criação de uma Cultura de Aprendizagem madura.
Para nossos treinamentos apoiarem a busca por desenvolvimento contínuo, temos de lembrar que a aprendizagem está baseada em três elementos inseparáveis. Sem qualquer um deles, o tripé desmonta, pondo abaixo esforço e recursos:
1) Tempo. O papel do RH tem a ver cada vez mais com proteger o tempo das pessoas. É importante garantir que elas estejam efetivamente presentes para o aprendizado. E, veja, aprender muitas vezes não quer dizer absorver novas informações, mas colocar em prática conhecimentos com os quais as pessoas já entraram em contato.
2) Energia. É verdade, as pessoas estão exaustas. E isso impacta direta e profundamente a capacidade delas de aprender. Devemos promover um ambiente de trabalho que incentive pausas adequadas e descanso. Não custa nada reforçar: não fazer nada às vezes também é bom.
3) Vontade. De nada adianta ter tempo e energia de sobra se ela, a tal da vontade, não existir. Isso vale para tudo. E aqui chamo atenção para uma enorme necessidade: o desenvolvimento da autonomia do aprendiz. Nós precisamos apoiar a criação de adultos que têm uma relação de afeto e prazer com o aprender.
Pode parecer contraditório, mas defender uma aprendizagem autônoma, longe daquela lógica de comando e controle na qual o RH tanto se baseou até então, não significa tirar da organização a responsabilidade pelo aprendizado. A cultura organizacional desempenha um papel fundamental em oferecer as condições necessárias para que as pessoas possam exercer sua liberdade e aprender.
É uma questão de tempo. Mas de energia e vontade também.