“Beta-estar”: o novo desafio do RH
O bem-estar dos funcionários, assunto amplamente destacado no último ano, é uma das questões de maior relevância no mundo corporativo
Com o retorno aos escritórios, muitas preocupações começam a ocupar a mente de grandes líderes e gestores. E, sem dúvida, o bem-estar dos colaboradores, assunto amplamente destacado no último ano, é uma das principais questões.
O conceito vem passando por inúmeras mutações e hoje ainda não podemos moldá-lo. É algo muito individual. E esse é o primeiro desafio do RH: identificar que tipo de bem-estar corre em seu DNA corporativo. É o início da era ‘beta-estar’, em que é preciso testar o que funciona para o seu time e o que se espera nesse sentido. O novo normal trouxe uma necessidade de bem-estar aos colaboradores de qualquer empresa, e achar a justa medida só acontecerá a partir de testes e escuta ativa.
Por este ser um exercício bastante complexo, a liberdade em errar deve ser encarada com certa naturalidade. Muitas vezes, por receio de escolherem caminhos equivocados, líderes acabam por protelar iniciativas e ações com seus colaboradores. E isso não adianta. Nesse sentido, agir, mesmo que de forma embrionária, é melhor do que não fazer nada. E, se não der certo, está tudo bem. Refaça e mude de estratégia até acertar a mão. Quando uma empresa trata esses testes com transparência, ela transforma a viagem em destino, dividindo com os colaboradores a responsabilidade sobre as iniciativas a serem implementadas.
O conceito de bem-estar mudou ao longo dos anos. De acordo com José Carlos Farah, professor da Universidade de São Paulo e autor da coluna Corpo e Movimento do jornal USP, “no século 17, a expressão estava ligada exclusivamente à saúde física, significando ausência de doenças. No século 18, agregou questões materiais que poderiam impactar a saúde. Atualmente, o conceito se tornou mais amplo: está relacionado à percepção da saúde nos aspectos mental, emocional, espiritual, social e físico”.
Durante a pandemia, houve um movimento interessante de mensurar a elasticidade da percepção de bem-estar. Muitas coisas que foram implementadas no último ano podem não ser mais suficientes na volta ao presencial – mesmo nada indicando que haverá um retorno total.
Mas, ao que parece, o conceito de bem-estar deve permanecer em constante mudança. Isso porque nós também somos seres em constante evolução e elegemos formas diferentes de nos sentirmos bem. Uma pesquisa recente da McKinsey, a Feeling Good: The future of the .5 trillion wellness market, entrevistou 7,5 mil consumidores em seis países, e as respostas apontam exatamente isso.
No Japão, por exemplo, a maioria dos respondentes prioriza a aparência, enquanto na Alemanha a prioridade é a boa forma. Já no Brasil e nos EUA, o topo é ocupado pelo termo mindfulness, palavra que pode ser traduzida como “atenção plena” e está diretamente ligada à saúde mental, com práticas como a meditação, incluindo percepção de sentimentos, de sensações e do ambiente.
Sociedade doente x empresas doentes
Uma empresa não é diferente de uma pessoa. Da mesma forma que ela deve tratar bem seus colaboradores, o inverso é essencial para sua sobrevivência. Mas esse resultado só é alcançado se a primeira etapa for concluída. Somente um funcionário satisfeito tratará bem a empresa em que trabalha.
Daí a importância de termos líderes bem conectados com as necessidades de seus colaboradores. Em artigo recém-publicado no The Wall Street Journal, os autores Francesca Gino e Daniel Cable apontam que, durante a pandemia, a combinação de excesso de trabalho e líderes não entendendo sua situação fez com que 41% dos funcionários reconsiderassem suas posições atuais, coincidindo com níveis recordes de desligamentos.
Para reverter o sentimento de insatisfação, os gestores precisam estabelecer uma comunicação muito transparente e genuína com seu time. Entender suas aflições e suas dores. Pois um funcionário insatisfeito é como uma célula doente no corpo organizacional. E, com o tempo, essa célula atinge outras e outras. Se a liderança não for sagaz e eficiente, a metástase corporativa é quase inevitável. Por isso é tão importante tangibilizar o bem-estar do colaborador à saúde da empresa.
O bem-estar como valor organizacional
Com todas as suas mutações conceituais, nota-se também que o bem-estar deixou de ser um “benefício” ao colaborador para compor o quadro de missão, visão e valores das organizações. Ele tem tanta relevância quanto ética, respeito ou integridade, por exemplo. Empresas que se anteciparam nesse sentido estão passando por esse caminho sinuoso de forma muito mais segura. Isso porque seus times permaneceram engajados nesse período.
Por isso, é primordial que as organizações tomem consciência de que há uma ligação muito forte entre produtividade e bem-estar. As pessoas precisam se sentir bem para conseguir produzir. É como uma engrenagem rodando: quanto melhor o colaborador se sente, melhor estará a saúde da empresa.
Onde estamos e para onde vamos
Há um ano e meio, todos nos vimos, em algum momento, tendo que relembrar o quanto a higiene é essencial no combate a doenças. Com isso, até o conceito de higiene foi ampliado e as preocupações vieram à tona também nos ambientes corporativos.
Chegou a hora de ressignificar o bem-estar e atrelar esse novo conceito – tão mutável – à cultura organizacional. Se, antes, o bem-estar era ter ar-condicionado no escritório, hoje é ter um ar-condicionado limpo, higienizado. Caso contrário, é melhor sentir calor.
A higiene, assim como a segurança e a saúde física e mental, passaram a integrar o rol de itens que compõem o “pacote de bem-estar”. Mas de que forma isso será trabalhado em um futuro próximo é que é a questão. Pois não haverá mais certo e errado, mas, sim, o jeito de cada organização proporcionar bem-estar aos seus colaboradores.
A ideia é viver um constante ‘beta’. Errando e acertando, mudando de caminho, mas envolvendo todo o time para construir, de forma colaborativa, esse cenário que está por vir.