o dia 30 de março de 2023 foi aprovada na União Europeia a nova legislação que visa combater as desigualdades salariais em todos os 27 países membros, após dois anos de tramitação no Parlamento Europeu. As empresas terão três anos para se adequar às medidas. A nova lei é chamada de Diretiva de Transparência Salarial e tem causado discussões no mundo de recursos humanos.
A ideia é diminuir a desigualdade salarial por gênero e grupos de diversidade. Na prática, as empresas com mais de 100 funcionários precisarão fornecer relatórios que comprovem suas políticas salariais e estarão sujeitas a penalidades se comprovadas desigualdades superiores à 5%. Além disso os funcionários poderão exigir que as empresas apresentem as faixas salariais abertas para seus respectivos cargos, com um detalhamento por gênero. Aqui no Brasil existe um projeto de lei em trâmite que aborda a mesma temática para empresas que tenham 20 funcionários ou mais.
Sabemos que muitas das desigualdades salariais são oriundas do processo de contratação, e já existem legislações em vigor em diversos países que obrigam as empresas a divulgar as faixas das vagas. Nesse momento, com a discussão maior sobre a transparência salarial, ter uma maior transparência nos processos seletivos é um tema ainda mais em pauta.
Sob a ótica dos candidatos, a inclusão da faixa salarial nos anúncios pode ser uma ferramenta importante para ajudar na tomada de decisão sobre as oportunidades de trabalho. Ao saber qual é a faixa de remuneração oferecida, o candidato pode avaliar se o salário é compatível com suas expectativas e necessidades financeiras para decidir se investe — ou não — tempo para participar de um processo seletivo.
Além disso, a transparência em relação aos salários pode ajudar a reduzir a desigualdade salarial de gênero e raça, já que muitas vezes mulheres e grupos de diversidade ainda são prejudicados em negociações salariais quando não possuem informações claras sobre as faixas praticadas em uma determinada empresa ou setor.
Observando o lado das empresas, o tema é um pouco mais polêmico e requer algumas reflexões adicionais. Existe um receio por parte de empregadores de que a transparência salarial possa gerar uma pressão para aumentos salariais. Isso se aplica, inclusive, para empresas afastadas dos grandes centros, pois no contexto atual de empresas oferecendo oportunidades de trabalhos 100% remotas, as barreiras físicas foram quebradas — e, dependendo da função, as pessoas podem trabalhar de qualquer lugar para qualquer lugar do mundo.
Outro ponto importante de salientar é que muitas vezes as empresas não têm uma clareza de qual é a faixa ideal a ser ofertada para uma determinada posição. E, ao longo do processo seletivo, avaliam pessoas com diferentes senioridades e escolhem se irão apostar em um profissional sem tanta experiência, mas com boas habilidades comportamentais e com uma remuneração mais baixa, ou se vão investir em um profissional mais sênior em uma faixa salarial mais alavancada. Em alguns casos, as empresas estão dispostas inclusive a praticar faixas bem superiores ao originalmente programado quando se deparam com profissionais com habilidades extraordinárias. Com a divulgação das faixas salariais, pode-se perder o poder de atração desses talentos que estariam com remunerações mais alavancadas.
Existem países com legislações ainda mais severas que essa. Em mais de 20 estados norte-americanos por exemplo, é proibido um recrutador indagar sobre o pacote de remuneração atual de um candidato em uma entrevista de emprego. É preciso avaliar as habilidades técnicas e comportamentais e divulgar a vaga dizendo a remuneração ofertada, sem saber se a pessoa ganha mais ou menos que aquela remuneração. Fica a cargo do candidato aceitar ou não participar do processo, sem necessariamente abrir sua remuneração atual. Aqui no Brasil, raramente alguma empresa aceita entrevistar um candidato sem ter acesso ao seu pacote de remuneração atual. Pessoas que se recusam a abrir o pacote atual muitas vezes não seguem nos processos seletivos brasileiros em função de uma insegurança das empresas contratantes. A transparência salarial vai ajudar a quebrar muitas barreiras nesse sentido e trazer mais poder de escolha aos candidatos.
Eu encaro tudo isso como uma forma de tornarmos os processos seletivos mais práticos no sentido que todas as partes envolvidas não invistam tempo com algo que não faça sentido para eles. No dia a dia das empresas, também acho que legislações como essa podem ser uma alavanca benéfica na luta por mais equidade salarial. E é claro que mecanismos como luvas ou ajustes pontuais nos pacotes de benefícios ofertados continuarão sendo práticas que podem ajudar na atração de talentos e na conclusão de processos seletivos. Vamos aguardar as cenas dos próximos capítulos do que virá a seguir com essas novas legislações.