“Enquanto se trabalha, se vive uma vida”. Essa célebre frase é do grande pesquisador e escritor, Donald Super, que ilustra o tempo e os desafios que iremos enfrentar nos próximos meses.
O retorno aos escritórios passou a ser uma das pautas corporativas mais relevantes neste semestre, com o avanço da vacinação e o controle da pandemia. As discussões sobre os modelos de trabalho têm sido acaloradas.
Algumas organizações insistem nos modelos pré-pandemia e querem que seus funcionários retornem ao trabalho presencial. Desconsideram os dados de diversas pesquisas que apontam o baixo interesse e querer de as pessoas voltarem ao formato antigo de trabalho.
Um estudo recente da consultoria Pew Research Center mostrou que 55% dos profissionais não queriam retornar ao escritório. Preferem modelos flexíveis e entendem que o trabalho pode ser feito de qualquer lugar.
Repensar a vida
O trabalho em home office permitiu que todos pudessem rever seu desenho de vida. O brilhante Super colocou de forma simples uma perspectiva que todos os que trabalham em home office puderam perceber. Essa revisão de “life design” fez com que muitas pessoas reavaliassem suas prioridades e interesses de vida. A pandemia e o seu terrível impacto nas famílias e na economia foram catalisadores para reflexões sobre prioridades, desenho de vida e trabalho.
O pesquisador Antony Holtz descreveu esse fenômeno como “a grande renúncia”. No ultimo mês de maio, por exemplo, 2,7% de toda a força de trabalho norte-americana pediu demissão quando seus empregadores iniciaram a retomada ao trabalho presencial. E o principal motivo foi uma mudança nas prioridades da vida, o desejo de equilibrar a presença com a família, os ganhos de tempo com a logística e a liberdade para organizar o tempo.
Um estudo da Fundação Dom Cabral com profissionais brasileiros mostrou a mesma direção: 75% das pessoas querem trabalhar em home office e escolher a frequência de dias de escritório conforme a necessidade. Apenas 6% gostariam do retorno ao modelo de trabalho presencial.
Os dados apontam o que as pessoas querem: modelos mais flexíveis em que o escritório seja opcional, funcione como um ponto de encontro para algumas atividades, mas não represente o principal local para realiza-las.
As pessoas entendem que a presença eventual no escritório é importante para cultura da organização. Além disso, existem alguns rituais e momentos de conexão presencial insubstituíveis. Mas, isso não significa voltar ao modelo antigo.
Novo contrato psicológico
O WFA (Working from anywhere – ou “Trabalho de qualquer lugar”) veio para ficar. E, com ele, vem um novo contrato psicológico em que as pessoas com mais competividade no mercado irão negociar o modelo no qual querem trabalhar.
Menos de 10% da força de trabalho no Brasil atua em atividades que permitem home office, segundo dados do IPEA. No entanto, esse grupo representa parte expressiva do capital intelectual das empresas e são os profissionais mais disputados no mercado.
Nesse cenário de transformação intensa, chegou um momento em que as empresas farão escolhas cruciais. Uma cartada errada pode representar uma debandada das pessoas mais talentosas e ainda comprometer a marca empregadora para atração de profissionais.
O ano de 2020 marcou um novo período histórico. O modelo de trabalho terá de ser mais flexível. Muito tem se falado em modelos híbridos em que o indivíduo terá parte do tempo no escritório e parte em qualquer outro lugar que desejar. Mesmo nesse sistema, o desafio será dar flexibilidade. Um modelo híbrido com tonalidade de comando e controle, exigindo dias fixos de escritório e horários rígidos será apenas um disfarce para os velhos sistemas, e também um incentivo para os talentos irem embora.