Dicas de comunicação aparecem aos montes nas redes sociais. Elas confortam os leitores à medida que passam a seguinte impressão: siga determinada lista de instruções e você será bem-sucedido em sua troca de e-mails, conversa ao vivo, apresentação e afins. Mas a comunicação é complexa. E tais dicas revelam apenas a superfície do iceberg.
Pense na última vez em que você se preparou para conduzir uma reunião ou dar um feedback. Você definiu um objetivo; pensou em possíveis perguntas e objeções; avaliou quais mensagens pretendia passar; considerou os interlocutores e o tempo que tinha disponível. Ou devia ter feito tudo isso. Mesmo assim, a interação pode não ter acontecido da forma como você imaginou. Seja porque a equipe se interessou por um assunto da reunião que era o seu foco, seja porque os ouvintes demonstraram apatia ou resistência ao que você estava propondo.
Quando tais problemas aparecem, muita gente recorre à falta de habilidades individuais para justificar a situação. “A sessão de feedback foi ruim porque a pessoa não estava disposta a escutar.” Ou “a reunião não foi produtiva porque o grupo é pouco engajado”. Essa, porém, é a ponta do iceberg. O que está submerso? O momento da empresa, uma cultura organizacional que não prioriza o diálogo, as experiências prévias de cada pessoa no mundo corporativo e muito mais.
Comunicação no trabalho (fictício)
A história de Sarah, personagem do livro “A Trança”, de Letizia Colombani, retrata bem o que acabo de dizer. Ela é uma advogada bem-sucedida em Nova York, prestes a ser promovida no escritório em que trabalha. Então, descobre uma doença grave e começa a faltar no trabalho para se dedicar ao tratamento – sem revelar o motivo de suas ausências a nenhum de seus colegas, que passam a julgá-la pela falta de transparência. O problema, no entanto, não está em Sarah. Esse é apenas o resultado de um ambiente de trabalho com pouca segurança psicológica.
A falta de confiança e diálogo impacta muito o cotidiano de trabalho e perpetua lógicas de comando e controle. Nesses cenários, funciona a máxima de “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Quantas vezes você já deixou de dizer algo por medo de retaliação no escritório? Sabia como defender seu ponto de vista, mas supôs que não havia espaço para fazê-lo?
Veja: reflexões desse tipo também podem surgir de séries e documentários. The Crown, por exemplo, é praticamente um tratado sobre a comunicação no trabalho. Preste atenção nas conversas entre a rainha e Churchill ou Tatcher. Você perceberá que a capacidade de escutar o outro para compreendê-lo é fundamental. Que a eloquência importa, sim, mas que as relações de poder são o cerne da comunicação.
Não é preciso ser uma rainha, claro, para viver essa realidade. Uma mudança de política, um corte nos benefícios corporativos ou a chegada de um novo funcionário podem significar um enorme exercício de comunicação para o gestor à frente da situação, mas também reflexões e escolhas estratégias. Quando comunicar a novidade, como gerenciar objeções, como documentar? Muitas vezes, o líder precisa dar a notícia de forma confiante à sua equipe, mesmo que não concorde com a mudança.
Essas são situações drásticas. Um mal entendido pode surgir de uma mera troca de mensagens quando os envolvidos subestimam o fato de que o óbvio precisa ser dito – afinal, o que é óbvio para você pode não ser óbvio para outra pessoa. Nem sempre um “ok” é suficiente. Nem sempre falar muito é a solução. Essa é a magia e o desafio da comunicação.
Quatro boas práticas
Nós nos comunicamos o tempo todo, e não só com palavras. Com silêncios e comportamentos dentro de um contexto maior, cheio de nuances. Atentar-se aos aspectos individuais, relacionais e organizacionais, portanto, é crucial para quem valoriza a comunicação.
Por isso, compartilho a seguir quatro boas práticas para se comunicar melhor.
- Pergunte-se, antes de comunicar algo, qual sua intenção com isso. O que você espera do interlocutor e de sua relação com ele? Essas são perguntas singelas mas importantes para a escolha da abordagem e do momento de se comunicar. Impactam até sua avaliação da conversa posteriormente.
- Avalie quais necessidades você busca resolver ao usar certos argumentos ou escolher o tom da conversa. Você quer priorizar a eficiência, autoridade, ordem, empatia, praticidade, colaboração? Reconhecer o que você busca aumenta suas chances de escolher os caminhos mais certeiros para se expressar e ser corretamente interpretado.
- Cuidado com expressões comuns. Nem sempre tivemos bons exemplos de liderança ou convivemos com pessoas que reconhecem os efeitos das palavras nas relações. Por isso replicamos algumas maneiras de se comunicar que não condizem com nossos valores.
- Ouse estar ao lado das pessoas. Essa postura, por si só, abre canais de escuta e conversa muito diferentes e transformadores.
Por fim, eis uma máxima fundamental quando se trata de aprender ou ressignificar atitudes como conversar e escutar. Nas palavras de Gustavo Tanaka: “Quando peço para aprender a ser mais corajoso, a vida não me torna corajoso de repente. Ela me coloca em uma situação que me exigirá coragem. Então eu posso recorrer a essa virtude ou permanecer no mesmo lugar, fazendo tudo do mesmo jeito”.
Olhar para essa parte submersa do iceberg da comunicação nos permite ir além das dicas; além de assumir que às vezes entramos em uma reunião apenas para marcar presença. Esse é o caminho para aumentar nossa responsabilidade na comunicação, afastando acusações que não nos levam às melhores conversas. Se você explicou algo e o interlocutor não entendeu, o problema não é dele, mas de vocês dois. E perceber isso faz toda a diferença.