O efeito meteórico da Inteligência Artificial na linguagem humana
Na era da inteligência artificial, entender a complexidade da linguagem e desenvolver o pensamento crítico são práticas urgentes
stava brincando com as crianças num domingo de manhã quando ouvi uma adolescente dizer: “Mãe, meu amigo fez uma resenha crítica no chatGPT, precisa ver que incrível! Vou usar hoje pra fazer meu trabalho”. A resposta foi: “Você sabe que isso não é certo, né?”.
Em diversas aulas sobre escrita corporativa, persuasiva ou criativa e até oratória, tenho levado exemplos do que a inteligência artificial é capaz de produzir: resumos de textos, discursos, e-mails e comunicados, listas de dicas. Ao entrar em contato com as produções, há pessoas que questionam a qualidade, discutem a validade das informações e até mesmo a noção de autoria (algo tão caro pra área de pesquisa e, por vezes, negligenciado em outros contextos).
Na imprensa de negócios, nos eventos corporativos e nas instituições e organizações, há um misto de discussão crítica e paixão sobre o tema, como metaverso e tantos outros temas novos e inovadores, que passam virar o assunto do momento.
Todas essas reações a essa novidade mostram seu efeito meteórico no que nos é mais caro e valioso: a linguagem. Não sou eu quem uso esse termo grandioso, mas a grande pesquisadora Lucia Santaella, autora de mais de 50 livros e professora da PUC-SP em uma entrevista recentemente publicada na revista Cult (vale a leitura).
Como bem explica a autora, a inteligência artificial pertence à família das tecnologias da inteligência e esse frenesi sobre o tema se deve ao impacto de sua aplicação em todos os processos e atividades que envolvem comunicação, da ciência à educação. Para Santaella, “é hora de refrear empolgações, de um lado, e ceticismos, de outro. É hora de temperança”.
Em vez de reagir ou rejeitar, tenho escolhido reconhecê-la como parte da realidade e refletir a partir de muitas leituras e usos da tecnologia, de de diferentes fontes e perspectivas.
Fico surpresa com as reformulações e elaborações de diferentes tipos de textos do ChatGPT. Leio, analiso, procuro padrões. Tenho observado as sugestões e os apontamentos do Microsoft 365 Pilot ao usar o Word ou Power Point no Teams. Ainda tenho um bom trabalho de edição nos textos, mas erros básicos de grafia, incoerências e falta de coesão logo são resolvidos com a inteligência artificial. E que alívio delegar isso a “alguém” para abrir espaço para a criatividade na construção de argumentos ou no “bordado” para dar cadência ao discurso.
Em meio a essas reflexões e experimentações, me recordo das afirmações de Yuval Noah Harari em seu livro “21 lições para o século XXI”, em especial o capítulo sobre trabalho. Harari já alertava para a grande quantidade de pessoas que deixariam de ser empregáveis com o avanço da tecnologia. Ainda estou digerindo o artigo de Tyna Eloundou, Sam Manning, Pamela Mishkin e Daniel Rock que indica que aproximadamente 80% da força de trabalho dos EUA pode ter, no mínimo, 10% e chegar até a 50% de suas tarefas impactadas pela introdução de GPTs.
Como lidar com tudo isso e o que ainda vem pela frente? Não ouso listar ideias, como certamente o ChatGPT bem faria (geralmente com 6 ideias em tópicos), ainda há muito por vir.
Mas, aprendiz e educadora que sou, evoco novamente as sábias palavras de Lucia Santaella: “não conheço outro caminho a não ser a educação — não a educação voltada meramente para a obtenção de um bom emprego, mas a educação para a vida, que implica o cultivo da curiosidade e da abertura sincera para as diferenças”.
E ouso, modestamente, a complementar: quanto mais a inteligência artificial coexistir nas situações mundanas, mais precisaremos entender a complexidade da linguagem (minha coração de linguista bate mais forte), desenvolver pensamento crítico urgentemente e incorporar o aprender a aprender para atuarmos como curadores.
A era da curadoria, como dizia Dimenstein, chegou com tudo na era da inteligência artificial, resta saber se estamos preparadas para lidar com esse meteoro chamado inteligência artificial, gostemos ou não dele.