A faculdade sem negros
A vida real, seja no escritório, seja nas relações pessoais, mostra que o discurso das empresas sobre diversidade está longe do que a sociedade aceita.
Quando era moleque, eu morava num bairro onde as classes sociais se misturavam. Na turma da rua tinha branco descendente de alemão, de italiano, ruivos (meus irmãos), negros e meninas de família japonesa. Uns quase ricos, outros quase pobres. Havia alguns bem pobres também.
Frequentei escola pública, e por lá essa mistura era bem parecida. No final do Ensino Médio, porém, os muito pobres não davam mais as caras. Havia negros, mas não tantos quanto no meu bairro. Aí veio a faculdade particular (cara) e meu mundo mudou. Não tinha nenhum negro na minha classe. Nem na classe ao lado. Nem no bar onde a gente matava aula. Não me lembro de ter visto algum nos quatro anos em que estudei ali.
Na reportagem de capa desta edição, menciono uma pesquisa com funcionários americanos em que só uma minoria vê importância em ter diversidade no seu ambiente de trabalho. Fiquei espantado com os números. Por exemplo, só 18% acham importante que haja pessoas com orientação sexual diferente da deles, e 58% dizem que isso não teria relevância alguma. Negros no escritório? Teve mais gente achando bobagem do que defensores da presença dessas pessoas na equipe.
Pensei como essa pesquisa americana diverge dos conteúdos que recebo diariamente, como editor da VOCÊ RH. São sempre empresas divulgando seu apreço pela inclusão, seu aumento de mulheres na liderança, seus programas de estímulo à diversidade. Recebo esse tipo de material todo santo dia, de empresas dos mais variados portes e setores. Mas, com tanta gente abraçando a diversidade no escritório, como explicar esses percentuais de trabalhadores dizendo que ela é desnecessária? Uma consultora que me atendeu na apuração da reportagem trouxe a seguinte hipótese: há as empresas que realmente investem em diversidade com convicção, vestem a camisa da causa; e existem as que o fazem por obrigação, para não perder clientes nem receber multas. Essas contratam pessoas com deficiência, por exemplo, sem se preparar antes para acolhê-las.
Também penso que o mundo é mais complicado do que a gente gostaria. O ser humano parece um bicho com dificuldade de lidar com quem não se parece com ele. Isso exige um esforço para compreender o outro, suas motivações, origens, problemas – e poucos parecem dispostos para valer a esse exercício de empatia.
Felizmente, seja pela dor ou pelo amor, o tema da diversidade hoje é incontornável nas empresas. E esse movimento, como explico na reportagem, vai melhorar índices de produtividade e de inovação nas companhias – algo com o que nunca vão se desacostumar. Que logo a maior parte delas se pareça mais com a minha turma da rua do que com as salas e corredores brancos da minha faculdade.