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Caso Carrefour: a responsabilidade pela inclusão deve ir além do marketing

Empresas lançam políticas de inclusão racial por conta do Dia da Consciência Negra. Experts alertam: elas devem ser perenes e abarcar até terceirizados

Por Elisa Tozzi e Hanna Oliveira
Atualizado em 9 dez 2020, 14h21 - Publicado em 20 nov 2020, 15h49
Carrefour
Loja do Carrefour no bairro de Pinheiros, São Paulo (Carrefour/Divulgação)
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Às vésperas do Dia da Consciência Negra (celebrado em 20 de novembro em referência à morte de Zumbi dos Palmares, o líder do Quilombo dos Palmares), João Alberto Silveira Freitas, conhecido como Beto Freitas, um homem negro, foi espancado até a morte por seguranças em uma loja do Carrefour em Porto Alegre (RS).

O caso, que aconteceu na noite de 19 de novembro, está sendo investigado pela polícia da cidade e os agressores foram presos em flagrante por homicídio. Segundo relatos, a agressão ocorreu porque João Alberto teria brigado com uma funcionária. Ela chamou os seguranças e João Alberto foi espancado. A equipe de resgate tentou salvá-lo, mas ele faleceu no local.

O vídeo da agressão foi publicado em redes sociais e isso aumentou a repercussão do caso, visto por ativistas como violência instigada pelo racismo. Raull Santiago, fundador da Agência Brecha e do perfil Perifa Connection, organizou um protesto para a tarde de hoje no Rio de Janeiro, em frente a uma loja do Carrefour. O vice-presidente Hamilton Mourão disse que, embora seja “lamentável” não enxerga o episódio como racismo: “Para mim no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar, isso não existe aqui. Eu digo pra você com toda tranquilidade, não tem racismo”.

O Carrefour informou, em nota para VOCÊ RH, que “nenhum tipo de violência e intolerância é admissível, e não aceitamos que situações como estas aconteçam” e que tomará medidas como: romper com a empresa de segurança que prestava serviços na loja de Porto Alegre; demitir o funcionário que era responsável pelo local; reverter os resultados das lojas do Carrefour em 20 de novembro para entidades de combate ao racismo; contatar e dar suporte à família de João Alberto; manter a loja de Passo D’Areia fechada; e abrir todas lojas duas horas mais tarde em 21 de novembro para cumprir normas de atuação de empregados e terceirizados.

Para Liliane Rocha, especialista em diversidade e sustentabilidade e CEO da Gestão Kairós, é preciso ir além. “As grandes empresas, detentoras de um capital expressivo, precisam tomar para si a responsabilidade. Enquanto isso não acontecer, vamos continuar tendo casos como esse. E o que é chamar para si a responsabilidade? Além de fazer contratação, retenção e promoção de negros e de outros grupos diversos, é entender o papel que se tem com todo seu ecossistema, incluindo os terceirizados”.

Iniciativas de inclusão

Tudo isso aconteceu um dia antes de o Carrefour divulgar um Manifesto pela Diversidade, no qual diz se orgulhar de “clientes, fornecedores e colaboradores de todas as raças e etnias” e que “respeito é um princípio do qual não abrimos mão”.

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Assim como Carrefour, diversas companhias lançaram nessa semana ações em prol da igualdade racial: a EDP assinou um compromisso pela equidade racial e de gênero no qual se compromete que 50% dos novos funcionários sejam de grupos minorizados até 2022; a Nestlé lançou seu primeiro programa de mentoria para profissionais negros; a P&G criou o Projeto Racial 360º que vai estimular a inclusão étnico-racial entre funcionários, marcas, parceiros e comunidade.

Diversidade não é produto

Mas o caso de José Alberto traz um alerta: como fazer com que essas políticas corporativas – necessárias e louváveis – não se limitem ao marketing e se transformem em ações sustentáveis na luta pela inclusão e no combate ao racismo e ao preconceito contra outras minorias?

Foi isso o que questionou a ativista e empreendedora negra Monique Evelle, fundadora do Desabafo Social, em um post no Instagram no qual repercutiu o assassinato ocorrido no Carrefour: “Se [a empresa] não está disposta a compreender e colocar em prática [ações de diversidade], entendendo que o desconforto vai existir porque é inevitável, não precisa começar nenhuma política de diversidade na sua empresa”.

Para que as políticas realmente deem certo, “é preciso ir além dos limites internos”, explica Amanda Aragão, consultora sênior da Mais Diversidade, empresa especializada em inclusão. “O racismo é uma ferida aberta da sociedade brasileira. E como um problema complexo, precisa do envolvimento de todos para sua resolução.”

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Isso quer dizer, segundo a especialista, que as companhias devem refletir não só sobre seu quadro de funcionários, mas também sobre o que fariam diante de um cliente racista. Casos não faltam. O mais recente ocorreu em uma loja do Ponto Frio de Governador Valadares (RJ) na qual o gerente Bruno Mendes ouviu de um casal que não poderia ser o responsável pela loja porque era negro. Os colegas e subordinados de Bruno fizeram uma ação para mostrar seu apoio e respeito pelo chefe em vídeo que viralizou nas redes sociais. 

Fato é que não se pode lutar pela diversidade apenas se uma crise acontecer, o movimento tem que ser constante. “Se você vê a empresa fazendo um monte de posicionamento correndo, já sabe que é uma coisa muito errada. Diversidade é um processo, é uma forma de construir empresas e fazer gestão. E uma empresa que quer ser inclusiva vai trilhar um caminho que não é pontual. É sistêmico, perene e de longo prazo”, diz Liliane, da Gestão Kairós.

Responsabilidade e combate à violência

Para coibir o racismo e a violência contra negros, que costuma acontecer principalmente no varejo, com seguranças que desconfiam de clientes afrodescendentes, Amanda, da Mais Diversidade, explica que é preciso criar um mapa de risco. “Esse trabalho contempla um olhar cuidadoso para toda a sua cadeia de valor e a identificação prévia de quais são as situações passíveis de gerar dano à vida.”

O cuidado precisa ser ainda maior em empresas capilarizadas, com uma grande quantidade de funcionários e terceirizados em contato direto com o cliente, precisam ter um direcionamento claro em relação a condutas aceitáveis e inaceitáveis e uma agenda regular de treinamentos. “Não é possível mudar anos de história com apenas uma palestra de sensibilização”, diz Amanda.

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Além disso, Liliane, diz que as companhias têm que se responsabilizar mesmo se os problemas ocorrerem com terceiros, como foi o caso do Carrefour.  “Não adianta dizer ‘não me puna, eu estou punindo a empresa responsável’. As empresas têm que olhar o ecossistema, ainda mais dentro da lógica ESG [sigla para Governança Ambiental, Social e Corporativa], que está ligada a questões ambientais, sociais, de diversidade e de governança. O impacto positivo de transformação da sociedade é muito maior.”

Levar esses pontos em conta é importante porque, como diz Amanda, as fronteiras do dentro e fora da empresa estão cada vez mais tênues. “Um profissional que tenha uma atitude racista fora da empresa, por exemplo, trará impactos sobre o trabalho de diversidade. As empresas precisam rever processos, orientar todos os seus stakeholders em relação a casos específicos. E um bom trabalho de formação não pode se restringir a um olhar imediatista.”

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