Diversidade cognitiva: por que as empresas buscam quem pensa diferente
Em vez de fit cultural, companhias passam a adotar o cultural add. Entenda o conceito
ntre todos os tipos de diversidade, a cognitiva é a mais difícil de mensurar em um processo seletivo. Embora existam testes para identificar diferentes perfis profissionais e de comportamento, não se recomenda que esses recursos sejam decisivos na contratação, já que as características das pessoas podem se alterar de acordo com o momento de vida. “Somos mais propensos ao risco na juventude, por exemplo. Conforme amadurecemos, nosso perfil muda. Ao tentar capturar determinadas características, você obtém uma série de informações [do momento], mas joga outro tanto fora”, afirma Luciana Ferreira, professora de liderança e comportamento organizacional da Fundação Dom Cabral.
Além da dificuldade para mapear perfis cognitivos, outro desafio é vencer a tendência a buscar conformidade, e não diferenças, nos processos seletivos — em geral, as empresas querem pessoas que se adequem ao que já é praticado ali. Mas o caminho para formar equipes plurais passa por reconsiderar o entendimento do que significa “adequação” à companhia. “Na Neon, não se fala mais de fit cultural, mas de cultural add. Entendemos que as pessoas são plurais: têm diferentes formas de pensamentos, habilidades e vivências — e todas elas são necessárias”, afirma Roberta Valezio, diretora de engajamento e experiência da fintech.
Em busca de diversidade cognitiva, a empresa direciona os processos seletivos para encontrar candidatos que os métodos tradicionais costumam deixar de fora. “Fazemos uma divulgação bem ampla das nossas vagas para atingir um grande número de pessoas”, diz Roberta. “E buscamos por profissionais com formações diferentes, passagem por empresas de segmentos diferentes e experiências diferentes das que temos aqui.”
A procura intencional por talentos em grupos sub-representados é uma forma de ampliar a chance de contar com equipes mais diversas. A Neon faz parcerias com empresas especializadas nesses públicos, como a Acnur, agência para refugiados da Organização das Nações Unidas (ONU).
O poder da diversidade
Quanto mais heterogêneas forem as equipes em termos de idade, etnia e gênero, mais criativas e produtivas elas serão, segundo pesquisa publicada pela Harvard Business Review. O estudo mostra, ainda, que os grupos resolvem problemas de forma mais rápida quando são diversificados cognitivamente. Outra análise, feita pela Deloitte, aponta que a diversidade cognitiva pode aumentar a inovação em até 20%.
O relatório Diversity Matters, da consultoria McKinsey, revela que “empresas que adotam a diversidade têm uma probabilidade significativamente maior de alcançar uma performance financeira superior à de seus pares que não o fazem”. Porque times diversos, segundo a pesquisa, são mais inventivos e colaborativos. Além disso, essas empresas costumam ter ambientes de trabalho mais felizes, o que contribui para uma retenção de talentos.
Mas nem todas as equipes se beneficiam com um grande crescimento da pluralidade de pensamento, já que essa dinâmica poderia trazer dificuldades. “Por que você vai querer gerar um conflito em áreas em que as tarefas precisam ser executadas dentro de determinada lógica e com eficiência?”, diz Luciana. “O conflito e a fricção de ideias são mais bem-vindos em setores em que se precisa de resolução de problemas complexos.”
A pesquisa da Deloitte indica que, para formar um grupo diverso cognitivamente, algumas variáveis, como diversidade demográfica, racial e de gênero, são necessárias.
Em 2018, o LinkedIn divulgou um relatório que mostrou que as mulheres se candidatam 20% menos do que os homens às vagas anunciadas, pois sentem que precisam preencher 100% dos requisitos pedidos. Esse dado já foi percebido pela Danone. “Se você reparar em como as vagas são divulgadas, há sempre superlativos: ‘excelente análise crítica’, ‘alta capacidade técnica’”, diz Letícia Araújo, líder de cultura, diversidade, treinamento e desenvolvimento de talentos da Danone. “As mulheres costumam se sentir mais inseguras diante desses termos.”
Segundo a executiva, há casos em que determinadas características e conhecimentos são colocados mais para obedecer a um padrão das descrições do que para atender a uma necessidade da vaga. “Temos conversado muito com o nosso time de talentos sobre esse tema”, afirma Letícia. “É importante ter empatia com quem está lendo a descrição, porque queremos que as pessoas tenham vontade de se candidatar”, diz.
Atualmente, as posições na Danone divulgadas no mercado não trazem critérios restritivos, como faculdade ou cursos específicos, necessidade de morar próximo à empresa ou ter inglês fluente. “O segundo idioma, por exemplo, é algo que podemos desenvolver internamente”, diz Letícia. “Por isso desafiamos bastante o gestor para entender o nível de exposição do funcionário a situações em que o inglês seja requerido para justificar a exigência da fluência.”
Nadar contra a correnteza
Vencido o desafio da contratação, é preciso cuidar para que a rotina corporativa não torne homogêneo o pensamento que poderia ser diverso. Segundo Luciana Ferreira, da Dom Cabral, as pessoas vão se tornando parecidas umas com as outras conforme o convívio. Esse fenômeno é chamado de taxa de sobrevivência e acontece porque, ao se sentirem pertencentes a um grupo, os indivíduos têm a percepção de estar protegidos, seguros.
Mas, se a empresa quer pluralidade de pensamento, é preciso organizar o trabalho de tal forma que os funcionários não trabalhem o tempo todo com as mesmas pessoas, nem na mesma área.
Na farmacêutica Bayer, a movimentação de carreira entre os departamentos é incentivada. No último semestre do ano, ao programar metas e projetos para o seguinte, a empresa lista quais vagas ficaram em aberto, inclusive por tempo determinado — devido à licença do trabalho, por exemplo —, e reforça com os gestores a importância de considerarem profissionais de outros segmentos. “Pedimos para os líderes terem esse olhar de verificar se estão precisando de alguém novo no grupo e fazerem indicações”, afirma Kleber Carvalho, gerente de inclusão e diversidade para a América Latina da Bayer. “Quando novas pessoas chegam, trazem mais desconforto. Porque são elas mesmas, dizem o que pensam. Nos times onde há a diversidade, percebemos uma entrega acima da média e uma inovação maior. Já em grupos mais homogêneos, a performance é mais estável.”
Recentemente, a Bayer reformulou a política de licença parental, passando a oferecer dois meses de afastamento ao segundo cuidador do filho recém-chegado. Veio dos próprios funcionários a ideia de que essas vagas temporárias curtas, decorrentes da licença, fossem utilizadas para permitir a rotação de posição. “A partir dessa sugestão, entendemos que nossos colaboradores veem diversidade cognitiva como um valor”, diz Kleber.
Segurança para ser diferente
Um dos pontos mais importantes para que opiniões e modos de pensar diferentes sejam preservados é a segurança psicológica. “Mesmo que a diversidade cognitiva esteja presente, ela não poderá ser aproveitada se não houver segurança psicológica”, diz Luciana, da Dom Cabral. A diversidade cognitiva precisa ser garantida por quem lidera.
A pesquisa realizada pela McKinsey aponta que empresas percebidas como comprometidas com a diversidade possuem 11% mais probabilidade de ter funcionários que relatam poder “ser quem são” no trabalho. Em um ambiente seguro, os profissionais apresentam chance 152% maior de propor novas ideias e tentar novas formas de trabalho, 72% maior de reportar que a organização melhora consistentemente sua forma de fazer as coisas, e 64% maior de afirmar que colaboram compartilhando ideias e melhores práticas. Essas empresas também tendem a ter menos funcionários que dizem se sentir como “estranhos” no ambiente corporativo.
Este reportagem faz parte da edição 83 (dezembro/janeiro) de VOCÊ RH. Clique aqui para se tornar nosso assinante