É praticamente impossível manter, por um longo período, um altíssimo nível de produtividade, dedicação, atenção e criatividade no trabalho. Nem máquinas são capazes de fazer isso — elas se desgastam e necessitam de manutenção de tempos em tempos. E os humanos também precisam ser recauchutados de vez em quando.
Mas nossa gama de problemas vai além de parafusos soltos e curtos-circuitos. Passa por assuntos pessoais — doença na família, divórcio ou dívida — e por questões do dia a dia do trabalho — desalinhamento de perfil com o chefe, despreparo para uma nova função ou incômodo com uma transferência de localidade.
O entendimento de que a queda de desempenho é natural, e muitas vezes passageira, leva empresas a criar programas para recuperar funcionários que não estão indo bem.
“Não existe receita de bolo. Há várias modalidades, desde as mais simples, com base em feedbacks objetivos, até as mais complexas, que envolvem processos de coaching e assessoria psicológica”, diz Silvio Celestino, sócio-sênior na Alliance Coaching, consultoria de treinamento.
Bom para todos
Mas isso não é feito simplesmente por uma questão humanitária. Quando a volta por cima dá certo, os benefícios são para as duas partes: o profissional tem a chance de se reerguer e contribuir novamente com a companhia; e as organizações economizam tempo e dinheiro ao evitar os processos de demissão e recrutamento.
“As empresas têm de se pautar pelo racionalismo de recursos e de gestão. É um pensamento pragmático: o que é melhor para o funcionário muitas vezes é o que também ajuda a corporação”, diz José Augusto Minarelli, sócio da Lens & Minarelli, consultoria de recrutamento executivo.
Na MSD Saúde Animal, fabricante de medicamentos veterinários, o programa de reabilitação profissional existe há dez anos com um índice de sucesso que varia de 60% a 70%. O plano, disponível para todos os níveis hierárquicos, envolve necessariamente o empregado, o gestor e um diretor.
Com esse tripé, a empresa tenta se precaver de julgamentos pessoais resultantes de animosidades criadas em relações hierárquicas problemáticas. “A oportunidade é oferecida a todos, mas cabe à pessoa aceitar participar”, diz Odair Castro, gerente de RH.
A prática é importante para a multinacional não apenas para preservar o investimento no treinamento técnico e altamente especializado mas também por uma questão de alinhamento com a missão da companhia. “Um dos valores é melhorar a vida das pessoas. Se eu defendo isso para fora, tenho de praticar dentro de casa. Não podemos ser disfuncionais”, diz Odair.
Guardiões da cultura
O fator cultura é crucial para entender por que é preciso dar mais uma chance antes de demitir. Afinal, funcionários com tempo de casa são guardiões dos valores organizacionais. “A cultura tem de ser mantida e preservada para a construção de uma identidade duradoura”, diz Silvio.
Por isso, até na fabricante de bebidas Ambev, conhecida por exigir alta performance de seus empregados, há um plano de reversão para quem está com dificuldade de cumprir as entregas.
O programa, desenhado por gestor e subordinado, tem no mínimo três meses de duração e acompanhamento constante do líder. “Queremos formar e manter funcionários que se identificam com nosso jeito de ser, se desenvolvam internamente e construam resultados.
É mais fácil recuperar gente com potencial de crescimento do que recontratar e iniciar um novo processo do zero”, afirma Camilla Tabet, diretora de desenvolvimento e gente da Ambev.
O olhar dos líderes
As ferramentas formais de avaliação de desempenho ajudam (e muito) a acompanhar a evolução e as entregas. Mas os gestores precisam estar atentos para notar se alguém de sua equipe apresenta desvios de comportamento que possam levar a um baixo comprometimento com o trabalho.
“Tem de saber identificar, principalmente, os fatores extraprofissionais. É preciso observar os detalhes, como aumento de uso do celular, ausências para ligações particulares e tensão”, diz José Augusto.
Na Brasilprev, empresa de previdência complementar do Banco do Brasil, isso tem sido uma preocupação do RH. “Nossos gestores são treinados para identificar situações críticas. Eles têm de se antecipar para avaliar se o funcionário está ou não feliz e avaliar os impactos que isso pode gerar na produtividade”, diz Rosiney Acosta, gerente de pessoas da instituição.
Uma vez identificado um problema sério de desempenho, entra em prática o programa de recuperação — acordado entre empregado, gestor e RH. “Explicamos o que está acontecendo e o que vamos fazer para que o funcionário melhore. Há um cronograma definido conjuntamente e o processo dura no máximo três meses”, diz Rosiney. Com essas medidas, a Brasilprev consegue recuperar 50% dos funcionários.
Outro aspecto importante — e que deve ser respeitado por todos os RHs que queiram construir um projeto de recuperação — é a confidencialidade. “O processo deve ser discretíssimo ou até sigiloso. Há um acanhamento inegável para o profissional, que deve ser preservado para sua melhor recuperação”, afirma Silvio.
Por isso, a Brasilprev cuida para que apenas as partes interessadas saibam o que está acontecendo. “Para os empregados que estão no plano, é constrangedor, eles sabem que estão na berlinda”, diz Rosiney. Afinal, o objetivo não é envergonhar, mas trazer de volta alguém que um dia já contribuiu com a empresa.