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Igualdade salarial no Brasil impedirá as mulheres de encontrarem emprego?

Jair Bolsonaro diz que projeto de lei que estipula multa para diferença salarial entre gêneros dificultará busca por emprego. Especialistas debatem o tema

Por Elisa Tozzi
Atualizado em 26 abr 2021, 15h20 - Publicado em 26 abr 2021, 14h51
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  • Em março, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei que propõe multar empresas que pagarem salários diferentes para mulheres que exercem as mesmas funções de colegas homens, numa tentativa de combater a discriminação de gênero no mercado de trabalho.

    A PL 130/2011 faz uma mudança na CLT e estabelece que as companhias compensem as funcionárias discriminadas com o pagamento de um valor que chega a até cinco vezes a diferença salarial e que deverá ser multiplicado pelo tempo de contrato da funcionária, com um limite de cinco anos.

    O projeto iria para sanção ou veto presidencial em 26/4, mas deve voltar ao Congresso por causa de um questionamento regimental que deverá ser discutido pela Câmara dos Deputados. Mesmo com o adiamento da avaliação presidencial, o presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) se mostrou inclinado a vetar o PL. Em sua live do dia 22/4, ele afirmou que a mulher “vai ter mais dificuldade ainda” para conquistar um trabalho caso a lei seja aprovada.

    “É difícil para a mulher arranjar emprego? Sim, é difícil para todo mundo, para a mulher é um pouco mais difícil. Se o emprego [para a mulher] vai ser quase impossível ou não, ou você vai dizer ‘o patrão tem que tomar vergonha na cara e pagar o salário justo’… Pode ser que o pessoal não contrate, ou contrate menos mulheres, vai ter mais dificuldade ainda”, disse.

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    Bolsonaro ainda afirmou que se vetar o projeto, haverá uma “campanha das mulheres” contra ele. Se aprovar, será pressionado pelo mercado: “Os empresários vão falar o seguinte: ‘Poxa, pode o que eu estou pagando aqui ser questionado judicialmente? Na justiça trabalhista dificilmente o patrão ganha, quase sempre o empregado ou a empregada, no caso, ganha, então… Eu acho que é função diferente, a Justiça do Trabalho achou que não, é igual. Posso ter uma multa de R$ 200 (mil), R$ 300 (mil), R$ 400 (mil), R$ 1 milhão’. Vai quebrar a empresa”.

    Vai dificultar mesmo?

    Para especialistas no tema, o entendimento de que a equidade salarial entre os gêneros iria dificultar a carreira das mulheres não faz sentido. “A interpretação está equivocada e carregada de preconceito. Muitas empresas já perceberam que a diversidade, aliada a um ambiente inclusivo, gera mais inovação e resultado para os negócios. No entanto, ainda é muito comum acreditar que as mulheres são menos qualificadas tecnicamente para ocuparem cargos de gestão e liderança, e portanto devem receber salários menores que os homens”, diz Cristina Kerr, CEO da consultoria CKZ Diversidade e professora na Fundação Dom Cabral.

    Para Ricardo Sales, fundador da consultoria Mais Diversidade, o projeto de lei tenta corrigir obstáculos para a carreira feminina, como o fato de que mesmo sendo a maioria no ensino superior as mulheres ocupam apenas 37% dos cargos gerenciais do país e ganham, em média, 77% do salário dos homens, segundo o IBGE. “É uma excrescência que o presidente assinale a possibilidade de veto com o argumento de que o desemprego entre as mulheres pode aumentar. As empresas estão mais atentas à questão de inclusão e ao avanço da agenda ESG, por isso algumas delas já têm olhado com mais atenção as assimetrias salariais”, diz o especialista.

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    A bancada feminina do Senado se manifestou sobre as falas de Jair Bolsonaro. “O argumento de que a luta pela igualdade no mercado de trabalho prejudica a empregabilidade das mulheres reforça essa desigualdade. Queremos justiça e respeito”, afirmou Simone Tebet (MDB-MS). Já a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) disse que “as mulheres estão cansadas de falta de equidade” e que “não precisamos de um presidente para perpetuar desigualdades”.

    O que as empresas devem fazer

    Segundo Cristina Kerr, é necessário ter ações em conjunto entre o setor público e privado para que a igualdade salarial se torne uma realidade no Brasil. “É importante que o governo faça a parte dele com a aplicação de multas mais rígidas. Por outro lado, é fundamental que as empresas melhorem suas práticas de contratação, como deixar deixar de utilizar o histórico salarial anterior para definir o pagamento atual, o que agrava a diferença salarial entre homens e mulheres”, diz a CEO da CKZ.

    Ela explica que as companhias costumam levar certo tempo até conseguir equilibrar os salários. Por isso, precisam olhar para essa questão o mais rápido possível. “Muitas empresas negam a diferença salarial entre homens e mulheres. Mas quando começam a fazer um levantamento sério, entendem que a diferença existe. Um bom exemplo é a Schneider Electric que começou a equiparação salarial entre gêneros na América do Sul em 2015 e terminou em 2018”, diz Cristina.

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    Desigualdade salarial já é punida em outros países

    Em 2018, a Islândia aprovou uma lei que pune empresas que paguem salários diferentes para homens e mulheres que tenham o mesmo cargo. As companhias e órgãos governamentais que atuam no país e que têm mais de 25 funcionários precisam conquistar uma certificação do governo provando que os salários são iguais. Se não cumprirem a regra, as organizações são multadas em até 50.00 coroas por dia (pouco mais de R$ 2.000).

    Além de Islândia, Noruega, Finlândia, Suécia, Canadá, França e Reino Unido possuem leis para buscar a igualdade salarial. Por ser uma companhia sediada na Inglaterra, por exemplo, a Reckitt (fabricante dos produtos Veja e Sustagen) precisou divulgar suas médias salariais e descobriu que no Brasil a remuneração média das mulheres é maior que a dos homens.

    Nos Estados Unidos não há uma lei federal sobre o tema, mas alguns estados já possuem suas legislações —  e Massachusetts é um deles. Por lá, é proibido que mulheres e homens que exerçam funções similares tenham pagamentos diferentes. Saindo dos muros das empresas, a lei foi usada por Elizabeth Rowe, flautista da Orquestra Sinfônica de Boston, em 2018. Ela processou sua empregadora por receber 75% do salário do chefe de naipe dos oboés, John Ferrillo, colega homem que ocupa a posição mais parecida com a dela no corpo orquestral. O oboísta a apoiou e disse, em entrevista para o jornal The Boston Globe, que Elizabeth é sua par e que deveria ganhar o mesmo salário que o dele. De acordo com o jornal The New York Times, ela estava pedindo mais de US$ 200.000 em recebíveis não pagos desde 2004, quando entrou na orquestra. A artista e a orquestra entraram em um acordo em fevereiro de 2019. O valor da indenização não foi revelado.

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    Mulheres na liderança

    Embora as mulheres ainda sejam minoria nos cargos de liderança sênior, ocupando apenas 34% dessas posições no Brasil, segundo pesquisa da consultoria Grant Thornton, VOCÊ RH entrevistou recentemente líderes de grandes organizações que repercutem a importância de as mulheres chegarem até posições de destaque nas companhias.

    “Na área de TI a ascensão feminina ainda não é uma realidade — é algo histórico, que vem da pouca participação das mulheres nas formações de tecnologia. Se somos a metade da população mundial, temos que ser metade nas empresas também”, diz Adriana Aroulho, presidente da SAP no Brasil que sucedeu outra mulher na cadeira mais alta da companhia.

    Para Maite Leite, primeira presidente mulher do Deutsche Bank no Brasil, as discussões sobre diversidade precisam acelerar no mercado financeiro. “Hoje existem muito mais iniciativas, mas o avanço é lento. Quando pensamos na execução, nas métricas, nas práticas, em quanto o assunto é assimilado, ainda falta. É preciso haver uma estrutura que seja consistente. Não adianta só falar no assunto e não contratar adequadamente, ou então contratar e não apoiar, formar, mentorar, dar oportunidade.”

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