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Liderança

A sua empresa está preparada para a autogestão?

Com o crescimento do home office, o conceito de autogestão começa a ganhar força nas empresas. Entenda como aplicá-lo

por Hanna Oliveira Atualizado em 8 jul 2021, 15h01 - Publicado em
16 abr 2021
08h15

Esta reportagem faz parte da edição 73 (abril/maio) de VOCÊ RH

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m 1936, Charles Chaplin levou às telas dos cinemas a síntese da modernidade no longa Tempos Modernos: um operário que madrugava para chegar ao trabalho, tinha seu tempo contado pelo sino da fábrica e, por 16 horas de seu dia, repetia o mesmo movimento de apertar parafusos que rodavam numa linha de produção. Em um dos momentos mais icônicos da história do cinema, Carlitos é engolido pela engrenagem, simbolizando a desumanização dos trabalhadores fabris.

Passados mais de 80 anos, teóricos discutem um novo tipo de relação de trabalho, que quebra os paradigmas da liderança autoritária e dá aos profissionais mais liberdade para realizar suas tarefas — algo acelerado pela pandemia de covid-19, que tornou o home office fundamental para a saúde das pessoas e o funcionamento das companhias. “Estamos saindo de uma era industrial, que prega as filas e o bater de sino das fábricas, para um mundo exponencial”, afirma Fabrício Macias, líder de desenvolvimento de negócios na Macfor, agência de marketing digital.

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Por isso, as empresas têm apostado em estruturas organizacionais que prezam menos pela lógica do controle e colocam no centro a autonomia. Assim ganha espaço um conceito que tem se espalhado pelo mundo corporativo: a autogestão, que basicamente combina práticas e estruturas com foco na autonomia e na distribuição de poder entre os membros de uma equipe.

Outra pirâmide

Ao contrário do que possa parecer, autogestão não é deixar o funcionário à deriva. Para funcionar, a política precisa seguir processos estruturados — é isso o que representa a nova hierarquia, que não está mais centrada nas pessoas, mas nas tarefas. “Deixamos de ter uma pirâmide hierárquica em que o poder está nas mãos dos chefes. Na autogestão, esse poder é do processo”, diz Kellie Crosara, consultora de design organizacional que ajuda a implementar a autogestão nas companhias. Por processo entende-se as regras e acordos criados dentro da organização, visando a distribuição de poder.

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Além disso, os acordos firmados entre organização e funcionários, líderes e equipes e entre pares também têm um peso importantíssimo para regular as estruturas autogeridas. Os acordos vão desde o momento em que um empregado aceita trabalhar pelos valores e propósitos macro da companhia, passando pela compreensão de como o seu trabalho ajuda a engrenagem da empresa, chegando até a entrega das metas do dia a dia cumprindo os prazos estabelecidos e usando os preceitos comportamentais e técnicos necessários para a realização daquela atividade.

“A autogestão traz as responsabilidades de forma explícita”, diz Kellie. Ou seja, os profissionais precisam compreender o que devem fazer, até onde têm autonomia para executar suas atividades sozinhos e quando precisam de validações de outras áreas, colegas ou líderes.
Foi apostando nos processos e nos acordos que a Aché começou a trilhar seu caminho para a autogestão — e o impulso veio da crise da covid-19, que fez com que a companhia adotasse o home office formalmente. “A pandemia acelerou tudo o que queríamos fazer, abrindo uma oportunidade para que pudéssemos acelerar e trabalhar uma cultura de autonomia, autogestão e transparência. O objetivo é fazer com que as pessoas entendam do que o negócio precisa e estimulá-las a participar das decisões”, diz Tatiana Sereno, diretora de pessoas, cultura e sustentabilidade da Aché.

Para isso, a farmacêutica de 5.000 funcionários passou a selar acordos entre os funcionários — algo que não existia e que foi implementado em 2020. Semanalmente as equipes discutem as atividades da quinzena com os líderes, e cada um tem autonomia para realizar o trabalho da forma como preferir, tendo sempre em mente o objetivo alinhado e o propósito por trás dele. O acompanhamento é feito por meio de checkpoints, momentos rápidos de feedback e follow up que buscam ajudar nos desafios das entregas. “É uma evolução enorme na companhia. Damos ferramentas para o desenvolvimento dos profissionais e queremos que eles venham mesmo a ser protagonistas”, diz Tatiana.

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O protagonismo, aliás, é o que embasa esse estilo de gestão e algo que deve ser bem trabalhado por empresas que queiram migrar para esse modelo. A Hotmart, companhia de produtos digitais com 1.000 empregados, pode inspirar, pois é assim desde a fundação, em 2011. “Dentro da responsabilidade inerente à posição, as pessoas têm total autonomia para tomar as decisões sobre o tema, definir como querem executar o trabalho no dia a dia, resolver os problemas e implementar as ideias. Mas ninguém trabalha sozinho”, diz César Barboza, diretor de talentos da organização, salientando que a autonomia não pode significar, em nenhuma hipótese, distanciamento do objetivo comum.

O que fazem os líderes

Embora a autogestão reinterprete a hierarquia corporativa, isso não significa que os líderes se tornam desnecessários. Cabe aos gestores uma tarefa importantíssima: manter o alinhamento constante e disseminar o propósito, que se desdobra em vários níveis, desde o macro (o valor da empresa) até o micro (o que o funcionário deve fazer e por quê). A questão é que, em empresas maduramente autogeridas, os cargos passam a ter cada vez menos importância, e a responsabilidade de liderar é compartilhada por todos.

Rodrigo Bastos, sócio da Target Teal, consultoria de desenvolvimento organizacional, traz uma imagem que exemplifica bem o conceito: “A autogestão acontece quando a pessoa mais bem paga de uma reunião propõe algo, um participante se opõe trazendo uma objeção importante e impede que o acordo seja aprovado”. Isso mostra um novo papel da liderança, mais baseado em construção conjunta e orientação do que em puro comando.

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Na Macfor, que tem 60 funcionários, os gestores são orientados a manter, sempre, o alinhamento com os times — algo crucial para um dos pilares da empresa, o da liberdade. Por lá, as equipes têm autonomia para realizar as tarefas. “Liberdade exige muita responsabilidade e, para que funcione, é preciso haver um alinhamento bem conciso e acessível entre o líder e o liderado sobre aonde se quer chegar”, afirma Fabrício Macias, líder de desenvolvimento de negócios na Macfor. Para isso, os gestores são orientados a explicar detalhadamente qual é o papel de cada profissional — algo essencial para esse estilo de trabalho.

Sem pânico

Quando chega a hora de implementar a autogestão nas companhias, o temor é um dos fatores que mais paralisam as organizações. “O maior desafio é o medo. Medo de mudar, de perder o controle, de não conseguir executar”, diz Heloísa Capelas, CEO do Centro Hoffman, empresa de treinamento e coaching. Mas é possível superar esse obstáculo. Uma maneira é aplicar a autogestão em um projeto piloto em um time específico. Escolhida a equipe, vale seguir as orientações da consultora Kellie Crosara.

Primeiro, é preciso mapear os papéis de cada profissional, escrevendo as responsabilidades de todos e deixando os cargos de lado. Depois, verificar se há responsabilidades que caminham juntas, mas que estão sendo atribuídas separadamente, para agrupá-las em um papel único que possa ser executado por apenas uma pessoa. Então, notar se há atividades importantes que não estão unidas e que podem ser usadas para criar um novo papel. Com essa revisão dos papéis, as funções deixam de ser apenas um nome, a estrutura ganha transparência, e os funcionários se tornam protagonistas de suas responsabilidades.

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Implantar a autogestão sem tocar na cultura é impossível. E esse pode ser outro ponto desafiador na caminhada de mudança organizacional. Isso porque, embora o RH tenha a função de ser o guardião e estimular a nova cultura, as transformações são lentas e acontecem no dia a dia, com exemplos das lideranças e símbolos transmitidos pela companhia.

“Não podemos atribuir uma mudança a uma área apenas”, diz Mário Custódio, diretor na empresa de recrutamento Robert Half. O consultor Rodrigo Bastos complementa: “Um erro fatal é achar que fazer um treinamento é estar pronto. O comportamento do gestor vai mudar quando várias coisas mudarem ao redor dele. Não simplesmente porque ele passou por um treinamento”.

Competência do futuro

Pensando do ponto de vista do profissional, a autogestão é uma grande competência a ser desenvolvida para o futuro do trabalho. Afinal, atuar nesse estilo de gestão demanda habilidades em alta para os próximos anos, como inteligência emocional (para selar acordos e deixar o ego dos cargos de lado) e autoconhecimento (um recurso poderoso para refletir sobre a responsabilidade, tão necessária nesse modelo). “Entender que toda luz tem uma sombra e que toda sombra tem uma luz vai facilitar nossa autogestão”, diz Heloísa Capelas.

Outro ponto que vem à tona na autogestão é o conceito de accountability, que muitas empresas estão buscando estimular em seus times. “Que possamos assumir a responsabilidade por nossas escolhas. Se eu propus algo e o resultado não foi o esperado, que eu assuma em vez de ficar buscando culpados”, afirma Kellie Crosara.

Se a autogestão será a mudança definitiva de paradigma do futuro do trabalho é difícil afirmar, mas o modelo traz uma discussão importante: a necessidade de colocar a humanização no centro das companhias, e não mais, como no filme de Carlitos, os humanos dentro das máquinas

 

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