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Políticas e Práticas

Elas estão esgotadas

Com mais tarefas domésticas e pressão profissional, as mulheres se sentem sobrecarregadas na pandemia

por Flávia Santucci Atualizado em 5 mar 2021, 21h19 - Publicado em
19 fev 2021
06h13

Esta reportagem faz parte da edição 72 (fevereiro/março) de VOCÊ RH

Balancear trabalho e afazeres domésticos não é novidade para as mulheres. A pandemia, com home office forçado, educação à distância e preocupação com a saúde dos familiares, intensificou a jornada. Tanto que o estudo From Insights to Action: Gender Equality in the Wake of Covid-19 (“Das ideias para a ação: Igualdade de gênero na esteira da covid-19”, em tradução livre), feito pela ONU Mulheres em parceria com a ONG WomenCount, mostra que a crise sanitária aumentou o tempo gasto em cuidados não remunerados — tanto para homens quanto para mulheres. Mas elas trabalham mais.

De acordo com o levantamento, limpar a casa entrou na lista de novas tarefas de 49% das mulheres na pandemia, enquanto 33% dos homens passaram a realizar a mesma função. Cozinhar virou rotina para 37% delas, mas para apenas 16% deles. Além disso, 37% das mulheres são responsáveis por cuidar dos filhos e ajudá-los durante as aulas online, enquanto somente 26% dos homens realizam a mesma tarefa. Ainda segundo a pesquisa, se as mulheres têm filhos, o volume de trabalho é três vezes maior em comparação com os homens.

Esse acúmulo de tarefas e de preocupações tem deixado muitas trabalhadoras esgotadas física e emocionalmente — e pode ter um impacto profundo na carreira. A consultoria McKinsey, em seu relatório Women in the Workplace 2020 (”Mulheres no Trabalho”, em português), afirma que a pandemia afetou as trabalhadoras de forma tão negativa que poderia atrasá-las em meia década em termos de desenvolvimento profissional. Segundo o estudo, executivas seniores são mais propensas a se sentir esgotadas na crise e a probabilidade de deixarem o cargo é 1,5 vez maior do que a de seus colegas homens. Entre as mulheres que pensam em se demitir, três em cada quatro apontam o esgotamento como o motivo principal.

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Mais equilíbrio

Lidar com duplas e triplas jornadas tem elevado os níveis de estresse nos lares, muito por causa da ideia — ainda enraizada em nossa sociedade — de que a mulher tem de ser a responsável pelo lar. “Culturalmente no Brasil, a mulher acaba por assumir os cuidados com a casa, com os filhos e, muitas vezes, com o marido. Além de administrar o próprio trabalho, ela tem de administrar a casa, e isso é estressante”, afirma Edwiges Parra, psicóloga organizacional, especialista em recursos humanos e fundadora da EMind Mente Emocional.

Michele Storino sentiu o peso do acúmulo de atividades tão logo voltou ao mercado de trabalho. Demitida em abril de 2020 da companhia em que trabalhou por dois anos, levou quatro meses para conseguir uma recolocação. No tempo em que ficou afastada, se dedicou às tarefas domésticas e aos cuidados com a filha, de quase dois anos. Em julho, foi contratada pela Youse, empresa de seguros online, para o cargo de gerente de performance. E sentiu o baque logo nos primeiros meses no novo emprego. “Queria voltar a trabalhar, então fiquei feliz quando fui chamada. Só que o começo foi muito estressante. Sempre tive ajuda para limpar, fazer comida, lavar roupa, mas com a pandemia tudo passou a ser responsabilidade minha e do meu marido”, diz Michele. “Tive muito medo de não dar conta. Meus pensamentos eram ‘Como vou cuidar da casa, do trabalho, da alimentação da minha filha e de mim?’.”

Ela se sentia culpada por não dar total atenção nem à filha nem ao trabalho e se cobrava cada vez mais. “Estendia muito o tempo trabalhado. Minha filha ia dormir e eu voltava para o computador. Foi estressante demais.” Depois de um tempo, Michele fez o que poucas fazem: dividiu suas angústias com a liderança e o RH da empresa. “Tive espaço para falar e fui muito bem acolhida como mulher e como mãe.”

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Isso aconteceu porque a Youse já estava desenhando práticas para ajudar na qualidade de vida das profissionais. Por lá, 42% dos gerentes e diretores são mulheres. Por isso mesmo, desde o começo da pandemia, a empresa apostou em adaptação de jornadas, flexibilização de atividades e revisão de prazos de entregas. “A família está no trabalho e o trabalho está na família. Temos uma mentalidade extremamente flexível, então tudo aconteceu de forma orgânica. Antes da pandemia, já tínhamos a cultura de home office uma vez na semana e acompanhamos bem de perto a adaptação de todos”, explica Nádia Brandão, business partner na Youse.

Durante a crise, a empresa tem promovido rodas de conversa com psicólogas, incentivado a busca por atividades fora do trabalho, desenvolvido ações que envolvam toda a família e investido em uma central de atendimento psicológico e jurídico para que os empregados possam dividir seus principais anseios.

Por meio de pesquisas de satisfação, eles descobriram que 62% dos funcionários viram a qualidade de vida melhorar desde o início da quarentena, seja por meio de maior convivência com a família, mais concentração no trabalho, descoberta de um novo hobby, seja por mais tempo para se dedicar a outras atividades.

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Discutindo a relação

A Cia Athletica, rede de academias, também apostou em um canal de atendimento psicológico para atender os funcionários. E as mulheres estão usando muito o benefício: 62% das buscas por apoio foram feitas por mulheres sobrecarregadas e em crise conjugal. Enquanto os homens tinham preocupações financeiras, o que estava tirando o sono delas eram os relacionamentos. “Trouxemos dicas e técnicas da terapia cognitivo-comportamental, tanto para acalmar os ânimos em momentos de tensão quanto para estimular as funcionárias em momentos de baixa de energia”, diz Cinthia Guimarães, gerente corporativa de recursos humanos da Cia Athletica e responsável pelos atendimentos. “Sempre as orientamos a buscar aprendizado em cada contratempo. Isso é o que apazigua nossa mente e nos abastece de otimismo para continuar a caminhada.”

As sessões duram de 30 a 40 minutos, são feitas por meio de videochamada ou ligação telefônica e acontecem desde o começo da quarentena. “Os meses de março e abril foram os mais difíceis. A pandemia aconteceu de forma muito rápida e nos fez perceber que não temos controle sobre o que pode nos acontecer. Nem todo mundo está preparado emocionalmente para lidar com isso”, diz Cinthia. No último bimestre do ano passado, houve mais um pico de atendimentos. “O empilhamento de tantos meses difíceis, a sobrecarga de múltiplas tarefas somada às preocupações com saúde e finanças deixaram muitos à flor da pele. As queixas de ansiedade, irritação, cabeça quente e pavio curto foram as mais comuns. Em outro extremo, tivemos também casos de exaustão, dificuldade de concentração e desânimo”, explica Cinthia.

Perceber que está chegando à beira do esgotamento mental não é difícil. Os sintomas são clássicos e, segundo Luciana Lima, professora de liderança no Insper, bem visíveis. “É possível notar uma irritabilidade extremamente exacerbada. As pessoas ficam mais impacientes, intolerantes, impulsivas e com dificuldade de fixar memórias”, diz. “Isso pode desencadear síndrome do pânico, picos de ansiedade e depressão. As mulheres são mais afetadas, principalmente por causa da tripla jornada que levam. Não conseguem um equilíbrio”. Cuidado sob demanda

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Ao notar os primeiros sinais de estresse e cansaço extremos em funcionárias com filhos em casa, o Olist, startup brasileira que atua no segmento de e-commerce, tratou de desenvolver projetos que, de alguma forma, pudessem aliviar a carga emocional que elas estavam sentindo.
Assim nasceu o Pit Stop, que oferece às mães (e aos pais) duas pausas de 30 minutos ao longo do expediente, de manhã e à tarde. “A agenda das mães é editável, obedecendo aos rituais de cada área. Não fizemos isso para ser legais, mas para que elas pudessem se sentir tranquilas e fazer o que quisessem dentro dessa pausa. A produtividade dessas mães, inclusive, aumentou depois da implementação do projeto”, revela Melissa Guimarães, diretora de pessoas do Olist.

Hoje, o quadro da empresa tem 48% de mães, e todas aderiram ao Pit Stop. Com o sucesso do programa, a startup passou a integrar os filhos no dia a dia e em datas especiais, como as semanas do Dia das Mães e do Dia das Crianças. As crianças participam de atividades com os pais durante o expediente.

O programa de terapia online também é muito usado pelas mulheres — tendo filhos ou não. A adesão das funcionárias é de 67%, índice que cai para 32% entre os homens. “A pandemia trouxe a necessidade de inovar, acolher, entender e ajudar. Essa situação de confinamento nos fez pensar em maneiras de ajudar os funcionários, e temos nos empenhado em manter a energia deles lá em cima”, diz Melissa.

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Um ponto importante no momento de desenhar práticas voltadas para o equilíbrio das mulheres é olhar para os profissionais individualmente — algo essencial para garantir o bem-estar. “Um programa que funciona para um profissional pode não funcionar para os outros. É preciso olhar caso a caso”, diz a professora Luciana Lima. “Uma mulher que é mais matutina não pode extrapolar o horário de trabalho. Ao fim do dia, ela estará esgotada. É preciso ter planos individualizados.”

As práticas devem ser para todos, mas sempre lembrando que, por estarem em realidades diversas, pessoas diferentes devem ser tratadas de formas diferentes — ainda mais em um momento delicado como o que estamos vivendo.

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