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Ao ar livre: reuniões em meio à natureza nunca fizeram tanto sentido

Encontros corporativos em ambientes externos voltam a ganhar espaço como estratégia de bem-estar, conexão e produtividade. Saiba mais

Por Marcia Di Domenico
Atualizado em 27 jan 2023, 10h22 - Publicado em 7 out 2022, 08h05
Ana Carolina Vaz,sócia cofundadora da Dog’s Care, e o marido, Marcelo Vaz, diretor de operações: encontros de planejamento estratégico em meio à natureza
Ana Carolina Vaz, sócia cofundadora da Dog’s Care, e o marido, Marcelo Vaz, diretor de operações: encontros de planejamento estratégico em meio à natureza /  (Paulo Liebert/Divulgação/VOCÊ RH)
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uando a pandemia de covid-19 chegou e obrigou muitas empresas a fechar temporariamente seus escritórios e mandar os funcionários trabalharem de casa, houve um êxodo urbano: apoiados pelas facilidades da tecnologia, muitos profissionais aproveitaram a oportunidade para escapar da metrópole para o campo, o litoral ou as montanhas em busca de proximidade com a natureza e mais qualidade de vida. Dos que aderiram ao home office na cidade, muitos logo encheram a casa de plantas a fim de um respiro e mais bem-estar no confinamento.

São movimentos que demonstram algo que para muitos estava perdido em meio ao ritmo acelerado da vida diária: temos uma ligação inata com a natureza; precisamos dela para nossa saúde e felicidade, para nos sentirmos conectados conosco e com os outros e até melhorar nossa maneira de trabalhar. No curso de tantas mudanças nos formatos de trabalho e na gestão das equipes, algumas organizações incorporaram às suas práticas e rotinas o anseio por mais contato com o verde e o ar puro.

Uma forma de fazer isso foi transferindo reuniões, encontros e outros eventos que aconteceriam em um ambiente físico ou virtual para um natural. A ideia não é nova, mas nunca se mostrou tão relevante. “A interação com o time em parques, praças e outros espaços abertos, longe de símbolos associados ao trabalho, estimula comportamentos e aprendizados de forma mais espontânea. Para os gestores, é uma oportunidade de conhecer características e competências da equipe que talvez não viessem à tona no ambiente de trabalho convencional”, afirma Vanessa Cepellos, professora de gestão de pessoas da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP).

Conexão e pertencimento

Pesquisadores da Universidade de Cardiff, no Reino Unido, revelaram que pessoas que têm uma forte ligação com a natureza tendem a se sentir mais pertencentes às comunidades em que estão inseridas e construir vínculos sociais mais sólidos. Isso porque a percepção de que no meio ambiente todos os organismos vivos estão conectados influencia seu modo de agir no mundo, seja em casa, seja no trabalho. Essa capacidade de nos sentirmos acolhidos é outra razão por que estar em contato com a natureza nos traz bem-estar, como se fizéssemos parte dela. “Na grama, sentados em círculo na sombra de uma árvore, conseguimos ter conversas mais leves porque não existe a pressão da hierarquia, como costuma haver em uma sala de reuniões tradicional, com portas fechadas e lugares em volta da mesa. Com isso, todos acabam se sentindo mais abertos para opinar, se expressar, dar e receber feedbacks”, fala Thatiana Dantas, diretora de RH Latam do PageGroup, descrevendo, também, a própria experiência de conduzir reuniões de avaliação em um parque da capital paulista.

Promover o reencontro dos colegas depois de dois anos de atividades remotas e oferecer experiências de bem-estar aos empregados foi a motivação da Cibra, empresa do ramo de fertilizantes, ao transferir algumas das reuniões mensais de liderança, normalmente feitas online, para espaços cercados de verde. Já foram utilizados hotéis-fazenda em Itu e Embu das Artes, em São Paulo. Como a companhia aboliu seus escritórios físicos durante a pandemia, os encontros acabaram sendo uma oportunidade para reunir colaboradores de estados diferentes e integrar aqueles contratados remotamente. Festas de confraternização de fim de ano e cafés da manhã com o presidente também ganharam edições outdoor com direito a atividades como tirolesa, caminhadas na mata e passeios de barco. “É possível proporcionar momentos lúdicos e de celebração sem deixar de lado as discussões estratégicas. Quando se sentem cuidadas, as pessoas devolvem em engajamento e colaboração”, afirma Cristina Oliveira, diretora de gente e sustentabilidade da Cibra.

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Natureza é remédio e terapia

No Japão, a prática de caminhar, respirar e contemplar locais com vegetação abundante é reconhecida desde os anos 1980 como terapia de saúde integrativa e complementar e recomendada pelos serviços de saúde por seus benefícios de combate ao estresse e prevenção de doenças. Os efeitos positivos do shinrin-yoku, ou “banho de floresta”, tradução para o português do que seria uma imersão na natureza, resultam da combinação de tranquilidade, ar puro e a presença de fitocidas, compostos químicos liberados pelas plantas que, quando inalados, contribuem para diminuir os níveis de cortisol e a pressão arterial e ativar o sistema de defesa do organismo. Conta, também, o fato de que, em contato com a natureza, a tendência é ficarmos mais ativos fisicamente.

Mas não é necessário ir para a floresta para colher os mesmos benefícios. Um jardim, praça ou parque é suficiente, desde que se esteja aberto para desacelerar e se conectar com o lugar. Os aprendizados que vêm da natureza foram fundamentais para apoiar o processo de autoconhecimento e planejamento de um novo momento do negócio para Ana Carolina Vaz, sócia cofundadora da Dog’s Care, fabricante de acessórios higiênicos para pets. Há seis anos, a companhia enfrentava uma situação financeira difícil e estava à beira da falência. Sentindo-se perdida, Carolina buscou refúgio no meio do mato para se reerguer. “Com os pés na grama e o sol batendo no corpo, observando as plantas e os bichos, fica claro que a vida, assim como a natureza, tem seus ciclos e fases de perdas e ganhos. Prestando atenção, podemos aprender muito sobre força e resiliência e sobre como controlar a ansiedade de querer que as coisas aconteçam sempre do nosso jeito”, conta. A partir de então, Carolina passou a realizar, duas vezes por ano, reuniões de planejamento estratégico com as lideranças das diferentes áreas da companhia em espaços outdoor cercados por natureza. A mais recente foi em um sítio em Mairinque, no interior paulista. “Discutimos resultados, projetos e novas ideias para o negócio, mas a ocasião também teve o objetivo de incentivar a conexão entre as pessoas e de cada uma com a própria vida”, diz. Os encontros incluem meditação, plantio de sementes, momentos de silêncio e uma roda de cacau, prática ancestral em que os participantes se reúnem em volta de uma fogueira e tomam uma bebida à base do ingrediente, que estimula a produção de serotonina, substância ligada ao bem-estar.

Inspiração para gestão e negócios

Um aspecto cada vez mais explorado por organizações preocupadas com a humanização de suas práticas e a criação de ambientes saudáveis é recorrer à natureza como ponte para a aprendizagem e modelos de gestão inovadores. “Compreendendo organizações como ecossistemas complexos, é possível buscar na inteligência natural inspirações para trabalhar competências e resolver problemas comuns do dia a dia corporativo”, afirma Nara Pais, consultora em autogestão e culturas regenerativas da Teal Brasil. “Valores que hoje norteiam modelos de negócios inovadores e uma nova economia, como resiliência, cooperação e eficiência, são os mesmos que as plantas, os animais e todos os organismos vivos usam há milhões de anos em seus processos. Essa exploração dos ensinamentos que tiramos da natureza é uma oportunidade de desconstruir a ligação utilitarista que estabelecemos com ela”, diz Nara.

Ainda que a natureza seja inspiradora e catalisadora de muitos aprendizados, práticas nesse ambiente precisam estar alinhadas com a filosofia da empresa para que sejam efetivas. “Não adianta proporcionar experiências de bem-estar que duram alguns dias se no restante do tempo o ambiente de trabalho e a relação com as pessoas são tóxicos. O ideal é que as iniciativas de descompressão estejam inseridas em uma cultura de cuidado e segurança psicológica, em que os colaboradores se sintam livres para escolher como e quando querem recarregar as baterias”, afirma Jacqueline Resch, consultora e sócia-diretora da Resch RH.

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Procura-se o verde

A empresa de consultoria e pesquisa em recursos humanos Future Workplace perguntou a mais de 1.600 profissionais norte-americanos o que eles consideram privilégio em um ambiente de trabalho, e a maioria respondeu iluminação natural e vista para alguma área verde — esses pontos ficaram bem à frente de academia, cafeteria, creche e assistência médica. Veja os dados:

  • 78% consideram que um escritório com janelas que permitam a entrada de luz natural e a visão da natureza do lado de fora proporciona maior sensação de bem-estar e felicidade
  • 70% acham que lugares assim elevam a performance
  • 47% afirmam que a ausência dessas condições leva a maior sensação de cansaço
  • 72% acreditam que esses espaços aumentam a satisfação com o trabalho
  • 54% dizem que esses ambientes favorecem o comprometimento com a empresa
  • 43% se sentem mais tristes em ambientes sem boa quantidade de luz natural e vista para o verde

Fonte: pesquisa The Employee Experience, Future Workplace, 2018

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