Amontoado de post-its coloridos, cartolinas e canetões tinham virado rotina nos escritórios das empresas brasileiras com a grande adesão dessas às metodologias ágeis – um dos muitos desdobramento da transformação digital. Mas a pandemia do novo coronavírus se impôs e do dia para noite equipes inteiras precisaram se adaptar ao trabalho remoto.
Nesse cenário, os rituais – aqueles momentos em que todos estavam juntos para discutir cenários e propor ideias – tiveram que ser feitos à distância. Assim, as dailys (papos rápidos de 15 minutos com todo mundo em pé) e as reuniões mais longas – nas quais a equipe costuma alinhar o que deu certo e errado nas entregas das sprints, retros e reviews se transformaram em encontros por videoconferência. As chamadas sprints são o período de tempo estipulado pelos times para se dedicarem a entregas priorizadas; rituais de checagem diários para entender a atualização das atividades priorizadas, as dailys. Ao final das sprints, as chamadas retro e review acontecem para se entender quais foram as entregas, qual foi a importância delas para os clientes e o que poderia ser melhorado para as próximas priorizações.
O que parecia ter potencial para causar danos na criatividade da equipe e no foco para a aplicação dos métodos ágeis, está se mostrando, na verdade, uma alternativa que aumenta essas características — e que ainda promove transparência. Para a Veloe, unidade de pagamentos da Alelo focada em pedágios, o home office aumentou em 270% o volume de entregas: “A pandemia foi a grande alavanca para acelerarmos uma série de processos que estavam em andamento”, explica Marcelo Costa, executivo responsável pela unidade.
A Elo, que integra a holding Elopar ao lado da Veloe, também se surpreendeu com os resultados do ágil no trabalho remoto. “Em uma das retros tivemos um número significativo de pessoas falando que não estavam confiantes de que conseguiriam entregar o planejado”, explica Ana Claudia Perez, líder de recursos humanos da companhia fazendo um comparativo com outros tempos em que o “vai que dá” seria imperativo – mesmo se, depois, as entregas não fossem cumpridas.
O mundo mágico da metodologia ágil
Quem ainda não está por dentro do método ágil pode ficar perdido entre as nomenclaturas anglicistas e, algumas, aportuguesadas na realidade brasileira. O vocabulário que está na ponta da língua, principalmente, de empresas de tecnologia e parece nos transportar para outro país.
Mas afinal, o que é o método ágil? Vale aqui uma volta no tempo. O ano era 2001 e 17 desenvolvedores norte americanos queriam mudar a forma de realizar suas funções com foco nas suas experiências. Foi daí que nasceu o “Manifesto para o desenvolvimento ágil de software”, cujo site com o manifesto continua no ar, inclusive. Eles estipularam 12 princípios para o método e 4 fundamentos principais que são: Indivíduos e interações acima de processos e ferramentas; software funcionando acima da criação de documentos; colaboração com consumidores acima de negociação de contratos e respostas às mudanças ao invés de apenas seguir o plano. Hoje, esse método extrapolou as paredes das empresas com foco em tecnologia e tem sido um desdobramento comum das companhias que buscam se adaptar à transformação digital.
A metodologia ágil, assim, define-se como uma disciplina que busca trazer a centralidade dos negócios para a experiência do cliente e que pode ter diversas formas ou modelos para ser aplicada. E o seu cliente pode ser um usuário, um leitor, um consumidor, não importa. Para garantir a melhor experiência, a agilidade da entrega é um pilar fundamental.
Adaptação com fator pandemia
Hoje a equipe da Elo atua usando o SAFe, um acrônimo para Scaled Agile Framework que é um dos métodos possíveis dentro da metodologia ágil. A empresa decidiu implantá-lo com algumas adaptações conforme suas necessidades como conta Ana Claudia, por se tratar de um método com foco em desenvolvimento de softwares. “Bebemos na fonte dessa metodologia, então temos os B.Os, P.O. Usamos toda essa conceituação, mas por outro lado tivemos que adaptar as metodologias à nossa realidade”. B.O e P.O, significam, respectivamente, Business Owner e Product Owner. Traduções possíveis para esses termos seriam “responsável pelo negócio” e “responsável pelo produto”. Uma das adaptações foi estender o método às áreas fora de tecnologia: “Temos toda a área de produtos nos squads, dentro de domínios. Assim, a organização não está ágil apenas nos processos de tecnologia, mas em marketing, também, por exemplo”.
A Veloe, que foi lançada a mercado 2018, atua com a técnica OKR (Objective and Key Results) ou Objetivos e Resultados-chave – outro método ágil que busca simplificar os principais objetivos de uma companhia. “É importante ter essa dinâmica, trabalharmos juntos, de forma colaborativa” defende Marcelo falando sobre o uso dos métodos.
Tanto a Veloe, quanto a Elo, já tinham políticas de home office antes da pandemia e isso facilitou a transição no período de isolamento social. Marcelo relembra que o choque foi menor, mas que exigiu adaptações. Uma delas foi no KanBan, o quadro em que se organiza as atividades priorizadas nas sprints. Nele, as tarefas são dispostas visualmente por meio de post-its coloridos, podendo as cores terem significados diferentes para as tarefas. Quando o profissional conclui uma atividade, jogar fora o post-it. “Uma coisa que trabalhávamos muito na Veloe era gestão à vista. Era post-it para todo lado, KanBan. Reuniões em pé. Porque isso é algo rico: você pegar um post-it, amassar e pensar ‘entreguei’ dá uma sensação de entrega e tivemos que nos adaptar”, relembra o Marcelo, que agora realiza um simples clique para marcar uma tarefa como concluída.
Embora os quadros físicos com as atividades priorizadas e expostas para o time não sejam uma obrigatoriedade, em muitos casos faziam parte das dinâmicas das empresas em processo de implantação do ágil, como recordou Marcelo. Na Elo, Ana Claudia explica como seu time se adaptou à digitalização deles e dos rituais. “Achávamos que íamos perder muito em qualidade, porque tínhamos uma crença que apenas presencialmente as discussões poderiam acontecer. Temos uma ferramenta que já usávamos, então lá tem todos os indicadores, atividades, backlogs [bolsão de demandas que não foram priorizadas nessa sprint, mas serão nas próximas] ”.
Área de pessoas protagonista na transformação
Falar sobre a metodologia ágil é também falar sobre uma mudança de cultura e, nesse sentido, o RH tem sido protagonista no desenvolvimento das agendas tanto de treinamento, como engajamento e cultura ágil. “Eu não sou só a diretora de gente e gestão, sou responsável por essa área, mas quero fazer crescer a empresa toda e isso está relacionado a esse mindset de ágil”, explica Ana Claudia. A executiva também diz que, mesmo que a área de RH da Elo não esteja organizada em um time ágil, eles adotam os rituais, fazem priorizações e estão focados na experiência do seu cliente – o funcionário. “Vemos tanto valor nas metodologias que eu tenho dentro do meu time as nossas dailys, backlog, definimos os objetivos a serem entregues nas próximas duas semanas, então a gente tem um mindset ágil”.
“A área de pessoas é uma grande facilitadora de toda essa transformação”, diz Marcelo. Além de atuar lado a lado na capacitação e engajamento, o setor tem adotado alternativas descontraídas para os momentos mais difíceis do dia a dia de trabalho: “Se chegamos numa reunião em que a discussão não está sendo produtiva, todo mundo coloca um fundo de tela com a bandeira branca. Se perde foco, coloca uma foquinha”.
Adeus, post-it (por enquanto)
Nem só de desafios vive o trabalho remoto: ele também proporciona gratas surpresas, como o aumento de produtividade na Veloe. Além desse formato, Marcelo acredita ter responsabilidade nesse aumento um acúmulo de fatores como uma maior senioridade do time com relação à metodologia, ao cuidado que a empresa tem tido com os funcionários nesse momento e a uma mudança no modo de trabalhar ainda mais focada no cliente.
Antes os squads – grupos de trabalhos focados em frentes específicas – estavam direcionados por negócios, hoje, estão em clientes: “Que tipo de prioridade eu estou colocando, aquela que é mais importante para o cliente ou para a empresa? Quando eu estruturo esses times por negócios, estou pensando naquilo que é importante para o negócio. Percebemos isso e fizemos uma reorganização para priorizar o propósito do cliente”, conta explicando que fazer essa mudança causou uma aumento os resultados da empresa.
A possibilidade de capacitar mais pessoas de maneira mais simples também foi uma mudança positiva do trabalho remoto e das ferramentas digitais na Elo. “Antes, no modelo tradicional eu teria apenas 30 pessoas dentro de uma sala de aula, hoje eu já consegui colocar 64 pessoas, sem perda de qualidade”.
No fim, o balanço está positivo: “As pessoas estão mais confiantes, estão se sentindo ouvidas. E o feedback é de que a comunicação está fluindo mais nesse modelo”, analisa executiva da Elo.