s últimos dois anos e meio de insegurança, luto coletivo e estresse crônico aceleraram mudanças de paradigmas corporativos. O modelo de comando e controle, há tempos em xeque, é cada vez mais insustentável. As pessoas não querem trabalhar em empresas inflexíveis, nem para chefes inflexíveis. Quando têm escolha, os talentos migram para companhias que se mostram bem-sucedidas em se adaptar aos novos anseios, mesmo que seja para ganhar menos. E isso não é exclusividade dos mais jovens — profissionais experientes também têm calculado se vale a pena dedicar a maior parte do tempo a uma ocupação exaustiva sob a liderança de gente tóxica. Não à toa, o movimento quiet quitting, de “desistência silenciosa”, vem ganhando adeptos de todas as idades: trata-se de não fazer mais do que a obrigação em troca do salário, preservando pelo menos a sanidade.
Segundo o Work Trend Index 2022, estudo da Microsoft com 31 mil participantes em 31 países, o número de trabalhadores que adotam o híbrido, em que cumprem parte da jornada à distância e parte presencialmente, cresce sete pontos percentuais ao ano. E 53% dizem estar mais propensos a priorizar a saúde e o bem-estar em vez do trabalho, em comparação ao período pré-pandemia.
Esse cenário dá aos líderes um papel central. Afinal, no modelo híbrido, em que o contato diário dos funcionários geralmente se restringe ao gestor imediato e a poucos colegas, cabe à liderança boa parte da responsabilidade pela criação de ambientes saudáveis. Acontece que os líderes também estão perdidos, e é natural que estejam. Quando o medo e a insegurança se espalharam junto com o vírus, ficou evidente que não havia respostas certas sobre o que estava por vir, e como seria impossível decidir, sozinho, o caminho a seguir. A construção do mundo corporativo agora é coletiva, mostra a jornalista Bárbara Nór na reportagem de capa desta edição.
Mas faltou combinar com os gestores que está tudo bem admitirem que não sabem tudo e que também enfrentam desafios, inclusive pessoais. Uma pesquisa com 12 mil funcionários em diferentes países realizada pela organização sem fins lucrativos Catalyst indicou que, quanto mais os líderes demonstram vulnerabilidades, mais as pessoas se dedicam ao trabalho. Mas apenas 24% veem nos chefes demonstrações desse tipo. Talvez por uma construção cultural, talvez pelo medo do julgamento, ainda são poucas as pessoas que perceberam que, num mundo de tantas incertezas, demonstrar vulnerabilidade é sinal de força.
Este texto faz parte da edição 82 (outubro/novembro) de VOCÊ RH. Clique aqui para se tornar nosso assinante