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Chefes novatos

Estrear na liderança pode ser um dos momentos mais difíceis da carreira. Conheça as armadilhas dessa fase e os programas das empresas para amenizá-las.

Por Michele Loureiro
Atualizado em 4 ago 2023, 11h02 - Publicado em 4 ago 2023, 07h00
Ilustração de escadas sendo indicadas com uma seta no sentido para subir
 (ostock | svstudioart / freepik/Divulgação)
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eve uma promoção? Então é dia de celebrar. De fazer happy hour com os amigos ou comemorar em família o novo cargo e o aumento de salário. Tudo lindo, né? Pelo menos até a comemoração terminar. Porque a partir daí a festa dá lugar a um estado entre o desconforto e o pânico.

Assumir um cargo de liderança pela primeira vez não costuma ser um passeio no parque. Da noite para o dia, a pessoa recebe no colo demandas que nunca viu na sua trajetória profissional. Além das novas funções, ainda precisa ser um modelo: deve inspirar confiança, motivar empregados e também saber cobrar, sem deixar de ser gentil. Tem de ser firme e empático. Ao mesmo tempo.

Parece pouco? Além de construir um bom relacionamento com o time que agora lidera (muitas vezes composto de ex-colegas, alguns com inveja do promovido), o novo gestor deve se dar bem com seus pares e superiores. E este é justamente um dos maiores desafios: trabalhar relações ao mesmo tempo que está focado nas novas tarefas diárias, preocupado em bater metas e entregar resultados.

Para decifrar os dramas dos chefes novatos, a americana Linda Hill, professora da Harvard Business School e autoridade em liderança corporativa, acompanhou 19 gestores em seu primeiro ano em cargos de chefia. No livro Becoming a Manager: How new managers master the challenges of leadership (“Tornando-se um Líder: Como os novos gestores dominam os desafios da liderança”, numa tradução livre), a autora conta a experiência de 14 homens e 5 mulheres que viraram chefes. Sua conclusão: “Os líderes de primeira viagem precisam desaprender seus hábitos. Para usar uma analogia orquestral, eles devem passar de executores de uma tarefa, como faz um violinista talentoso, para coordenadores do esforço de muitos, como um regente”.

10 dicas para novos líderes
(VOCÊ RH/VOCÊ RH)

A mudança, claro, não é simples. Por isso, cada vez mais empresas criam programas específicos de apoio aos novos líderes, na tentativa de auxiliar esses profissionais em sua primeira jornada na cadeira da chefia.

Um desses exemplos é a Bayer, onde 16% do quadro de funcionários é só de gestores. Contando apenas os últimos quatro anos, 180 empregados estrearam como líderes na empresa. É muita coisa. Por isso, a companhia compreendeu que a primeira camada de liderança precisava de um olhar especial. Foi quando criou o Developing Leadership Mindset (DLM).

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O passo a passo da liderança
(VOCÊ RH/VOCÊ RH)

“Antes, todos os líderes passavam por uma série de treinamentos, independentemente do nível de senioridade. Mas percebemos que, para a aprendizagem ser significativa, ela precisaria estar conectada com o momento de cada líder”, diz Marcio Rocha, gerente de desenvolvimento de pessoas da Bayer. “Um treinamento para os novos líderes deveria focar especificamente nos desafios dessa primeira gestão, sem colocar todo mundo no mesmo barco.”

Rocha lembra que a importância de formar novas chefias vai além dos indivíduos e suas equipes. Ela impacta em índices como retenção, desenvolvimento de novos produtos e até em resultados operacionais. “É no momento da primeira gestão que temos a oportunidade de promover o surgimento de um líder capaz de tudo isso, e que seja focado em pessoas, inovador e criativo.”

Marcio Rocha
Marcio Rocha, da Bayer: “Um treinamento para os novos líderes deve focar nos desafios dessa primeira gestão, sem colocar todo mundo no mesmo barco”. (VOCÊ RH/VOCÊ RH)

Em seu livro, Linda Hill diz que a chamada “solidão gerencial” é uma das principais queixas dos novos chefes, que relatam o afastamento de antigos colegas e a chegada a um ambiente novo – e muitas vezes inóspito –, onde precisam arbitrar decisões que nem sempre são fáceis.

Sim, além de estar atento às tarefas operacionais, o chefe deve aprender a lidar com o estresse da sua nova posição. “A grande maioria fica surpresa e nervosa com a necessidade repentina de desenvolver novas atitudes, mentalidades e valores.”

Em sua teoria do Pipeline de Liderança, que descreve cada subida de patamar nos cargos de gestão, ao longo de seis transições (veja o quadro), o consultor e palestrante indiano Ram Charan lembra que o novo gestor tem de aprender a… gostar de ser gestor. Não é tão natural quanto parece. Até então, sua principal responsabilidade era executar tarefas específicas, e o dia a dia dependia quase que só de suas experiências e ações. Como chefe, porém, muda tudo.

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Por exemplo, para que o líder bata suas metas, os profissionais da equipe devem alcançar os seus próprios objetivos antes. “Motivar e inspirar outros a cumprir essa agenda é muito mais complicado do que a maioria das pessoas pensa, especialmente em organizações em constante mudança”, afirma Linda Hill.

Não dá para esperar até que o líder fique pronto

Costábile Matarazzo, consultor de negócios que atua em projetos de educação corporativa, autor do livro Os Desafios da Primeira Gestão, acredita que um profissional nunca chega pronto para assumir uma posição de liderança, e às vezes o ritmo de crescimento da empresa não permite o luxo de esperar. “Não tem momento certo, e o contexto pode mudar muito. Ser líder em um banco é diferente de ser líder em uma indústria, que é diferente de ser líder em uma empresa de tecnologia. Então a decisão de uma companhia ao promover alguém é basicamente uma aposta”, diz.

A Agro Amazônia, companhia de insumos agropecuários com sede em Cuiabá (MT), é um exemplo de empresa que não pode esperar. A companhia teve um crescimento expressivo nos últimos anos e passou de um faturamento de R$ 3,5 bilhões em 2021 para cerca de R$ 5 bilhões em 2022. O ritmo acentuado exigiu a formação de líderes à medida que a empresa abria novas unidades. Desde o ano passado, 103 colaboradores sentaram pela primeira vez na cadeira da chefia.

Para Mariana Uhde, gerente de gestão de pessoas da Agro Amazônia, o segredo foi apostar na capacitação para delegar e administrar conflitos. “Além do nosso programa de preparação para novos líderes, estruturamos um treinamento específico para quem já está na cadeira, abordando aspectos práticos do papel do gestor”, diz.

Mariana Uhde
Mariana Uhde, da Agro Amazônia: a aposta foi na capacitação dos novos gestores para delegar e administrar conflitos. (VOCÊ RH/VOCÊ RH)

O programa conta com encontros ao vivo e grupos de mentoria que acompanham o desenvolvimento dos líderes recentes. As principais habilidades trabalhadas envolvem comunicação e tomada de decisão, alocação do tempo, gestão de produtividade e valores.

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Três ações para criar uma identidade de liderança

Matarazzo criou uma teoria chamada de abordagem 3D – desapegar, delegar e desenvolver –, com o objetivo de simplificar esse processo de transição. Desapegar é abrir mão da ideia de que você é insubstituível no trabalho que fazia antes de ser chefe. Não há somente uma pessoa apta para determinada tarefa. “Na criação da sua nova identidade como líder, o desapego se reflete no abandono das atividades operacionais anteriores, deixando-o livre para desenvolver as habilidades da nova função”, diz.

Quanto ao segundo “D”, o consultor afirma que todo líder precisa ter aptidão para ensinar. “Delegar vai além de atribuir uma atividade a alguém. É conseguir identificar para quem pode ser transferida a responsabilidade, e confiar nisso”, afirma.

O “D” de “desenvolver” vem em terceiro lugar. Costábile Matarazzo afirma que deixar essa ação para o fim foi proposital, pois ela só acontece quando a arte de delegar já está bem estruturada. “Desenvolver outras pessoas é mais do que simplesmente instruí-las. É preciso ter interação. O líder deve ser persistente, estimulando a prática e a repetição quantas vezes for necessário.”

Costábile Matarazzo
Costábile Matarazzo, consultor: “Na criação da sua nova identidade como líder, ele
deve abandonar as atividades operacionais anteriores”. (Divulgação/Divulgação)

Já o consultor Paulo Vieira de Campos, autor do livro A Estreia do Líder, alerta que, com o ritmo acelerado do mercado, a demanda por profissionais preparados para assumir a gestão em todos os níveis tomou proporções sem precedentes. E, ao mesmo tempo que a necessidade de gestores prontos no curto prazo ficou mais intensa, os talentos se tornaram mais escassos, principalmente em soft skills.

“O problema é que, sem as pessoas certas para assumir as vagas de gestão mais críticas, as empresas acabam adotando soluções de curto prazo, com contratações inadequadas e promoções de gente despreparada”, diz Campos.

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Paulo Vieira de Campos
Paulo Vieira de Campos, autor do livro “A Estreia do Líder”: “Sem as pessoas certas para assumir as vagas de gestão mais críticas, as empresas acabam adotando soluções de curto prazo, com promoções de gente despreparada”. (Divulgação/Divulgação)

Matarazzo concorda: um erro frequente das empresas está justamente em pular etapas no desenvolvimento dos novos líderes. “Profissionais que sobem de nível sem o devido preparo dentro da organização sentem pressão dobrada. Devido ao despreparo, eles levam mais tempo para entender a lógica da nova função”, diz.

E daí vem a importância da aprendizagem constante.

A posição de gestão implica ser um eterno aprendiz

As tarefas básicas de um líder, para Paulo Vieira de Campos, são aprender, liderar e ensinar. Isso significa que a aprendizagem constante, transformadora, é um dos pilares para a boa gestão. “A liderança tem de ser transformadora no sentido de que todos deveriam sair dessa relação melhores do que entraram”, afirma.

O pesquisador americano Jim Collins, especialista em gestão, diz que um executivo precisa encarar com mentalidade de aprendiz todas as situações que vivencia. “Aprender tem de ser um trabalho permanente de todo profissional. Ao lado de uma lista de tarefas a fazer, todo executivo deve ter uma lista de coisas a aprender”, escreveu em um artigo para a revista Inc.

Linda Hill, a guru de gestão corporativa, afirma que todo mundo pode se tornar um bom líder, desde que haja subsídios para isso: ações que passam pelo apoio da empresa, pela aprendizagem e pela criação de uma identidade de liderança, que deve ser desenvolvida. Porque um bom gestor não surge num passe de mágica. “Muitos acham que os bons líderes nascem prontos. Não acredito nisso. Talvez essa interpretação exista porque confundimos liderança com carisma.”

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Se novos gestores eficientes não caem das árvores, a boa notícia é justamente esta: as companhias têm como (e precisam) prepará-los, mesmo muito antes que sentem na almejada cadeira. Assim, essa chefia vai ter sempre aquele gostinho de festa. Uma promoção que será a primeira de muitas.

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