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“A liderança é uma escolha e às vezes é melhor escolher não liderar”

Para Cosmina Popa e Martin Bjergegaard, autores de livro sobre liderança, a gestão é mais sobre propósito do que sobre poder. Leia a entrevista exclusiva

Por Hanna Oliveira
1 jul 2021, 07h00
Martin e Cosmina aparecem lado a lado. Cosmina, posicionada à esquerda, é uma mulher branca de longos cabelos loiros ondulados. Na foto aparece sorrindo. Martin, posicionado à direita, é um homem branco de cabelos curtos e loiros e, na foto, aparece sorrindo.
 (Arquivo pessoal/Divulgação)
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Quando Lenny Skutnik viu Priscilla Tirado usar suas últimas forças para tentar sobreviver no congelado Rio Potomac, o funcionário público norte americano soube que era o momento de tomar as rédeas da situação para tentar salvá-la. E conseguiu. O fato aconteceu em 13 de janeiro de 1982: Priscilla era uma das passageiras do voo 90 da Air Florida que pouco depois de decolar caiu em Washington DC. Pelo ato de bravura, Lenny foi recebido pelo então presidente americano, Ronald Reagan, e foi condecorado.

Essa é apenas uma das histórias contadas pelo dinamarquês Martin Bjergegaard e pela romena Cosmina Popa no livro Como Ser Um Líder? (Objetiva, 184 páginas, R$ 49,90), lançado em maio de 2021 e parte de uma série de publicações organizadas pela The School of Life.

Martin Bjergegaard é empreendedor e co-fundador de diferentes iniciativas que vão desde aceleradoras de startups até plataformas para campanhas de arrecadação de fundos, além de ser autor premiado pelo livro de gestão Winning Without Losing (sem tradução para o português). Cosmina Popa é também empreendedora nas áreas de tecnologia e sustentabilidade e fundadora da aceleradora de startups “Conscious Venture Lab” que busca formar empreendedores com consciência social.

O tema da liderança sempre foi de interesse de Martin e Cosmina, tanto por razões pessoais quanto profissionais. “Vivenciei muitas incertezas. Cresci num país comunista. É por isso que somos tão interessados em assuntos como liderança e experiências de fracasso”, diz Cosmina. Já Martin relembra a importância do propósito para a discussão da liderança. “Queremos contribuir para o diálogo sobre liderança numa perspectiva guiada pela busca por um propósito maior. Trabalhar para trazer o melhor não só para seu trabalho, mas para você mesmo, para sua família, sua comunidade”.

Em entrevista a VOCÊ RH, os autores contam um pouco mais sobre o livro e explicam como lidam com incertezas e o que a pandemia tem a ensinar sobre liderança.

Como surgiu a ideia de escrever o livro?

Martin: Somos interessados em questões relacionadas ao tema da liderança. Sobretudo porque há grandes implicações em ser líder de você mesmo. E há todos os desdobramentos dentro da liderança: de uma empresa, de um país. Todos esses aspectos nos interessam. É muito comum abordar a liderança pelo aspecto de carreira e como pode se conseguir mais poder e prestígio, mas nós acreditamos que o problema atual da humanidade é de onde vem a liderança. Queremos contribuir para o diálogo sobre liderança numa perspectiva guiada pela busca por um propósito maior. Trabalhar para trazer o melhor não só para seu trabalho, mas para você mesmo, para sua família, sua comunidade.

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Cosmina: Acho que o ponto central do livro é a ideia de sabedoria. Discutimos a liderança sob uma perspectiva de autoconhecimento. Autoconhecimento por meio da sua relação com os outros. E como você lida com incerteza, quais são as suas sombras, que você nem sempre explora. Essa ideia de que a liderança requer sabedoria e a sabedoria vem das nossas experiências. Nós quisemos ter certeza de passar isso com o livro.

Poderiam contar mais sobre o conceito de “ecosofia” [junção das palavras ecologia e filosofia] que aparece no livro?

Cosmina: A ideia de sustentabilidade é crucial hoje. Mas entendemos que nós e a natureza somos uma coisa só, sem separação. E há uma sabedoria e um empoderamento incrível que vêm desse entendimento. Como você pode liderar desse lugar? O que isso significa? Como você pode tomar decisões a partir desse olhar? Compreender que somos a natureza. Entender quais decisões você pode fazer andando pela rua e não apenas sentado numa sala de reunião. Captar a sabedoria da natureza para nos auxiliar a ser líderes melhores definitivamente nos ajuda a entender quem somos. Eu e Martin preferimos abordar a sustentabilidade também sob a perspectiva de que devemos nos apaixonar por ela. Ver a natureza e a sustentabilidade de um lugar de amor mais do que “precisamos resolver esse problema”.

Martin: Normalmente o argumento usado para se falar de sustentabilidade é o de que o mundo vai colapsar e nós vamos morrer. Mas partir de um lugar de amor em vez de um lugar de medo é mais saudável para agir. Claro que temos que encarar certos problemas, mas perpetuar um pensamento de que todos vamos morrer daqui a 5 minutos pode não ser o caminho para fomentar a criatividade, o empoderamento e as melhores ideias. É uma base muito amedrontadora. Vivemos em um tempo de imagens e quando vemos um político falar, sua fala parte muito mais de um lugar de medo e depois desenvolvemos essa disfunção de comportamento que nos faz ter uma espécie de Síndrome de Estocolmo: votamos neles por pior que nos sintamos. Os políticos tiram nosso poder de ação e sentimos que precisamos deles cada vez mais. Mas não precisamos. Precisamos encontrar nosso próprio poder e nos tornar os líderes que queremos ver no mundo, muito mais do que olhar ao redor e buscar por aquele que “manda mais”. É uma mudança entre encontrar a solução lá fora e tomar responsabilidade. E a resposta só pode estar dentro de nós, encontrando nosso próprio poder.

Afinal, a liderança é uma característica inata ou pode ser desenvolvida?

Cosmina: No passado, a boa liderança estava ligada a uma grande dose de carisma e ego. O que queremos mostrar é um olhar de sabedoria, compaixão e cuidado – um entendimento holístico do que significa ser um líder. A partir daí, os líderes serão muito diferentes do que antes. Sobre o ponto de nascer líder ou não, liderança é algo que você desenvolve. Acredito que nós passamos por experiências diferentes e, quando tenho um problema, eu me desenvolvo a partir dele. São situações que me dão ferramentas para ajudar outras pessoas. Temos uma série de desafios que nos ajudam a crescer e há um potencial de liderança gigantesco nisso. E todo mundo passa por desafios. Então, se estamos permitindo esse crescimento acontecer e estamos conseguindo tirar lições e sabedoria disso, esse é um caminho para ser líder de si mesmo e de outros.

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Martin: Você escolhe liderar e às vezes é melhor escolher não liderar. A liderança não deve ser baseada em títulos, mas na situação. Devemos pensar: “quem tem mais sabedoria agora?”, “quem pode liderar, não importa o que estejamos fazendo, no modo mais significativo, confiável, agora?”. Quero crer que vamos caminhar para a liderança situacional. Algumas pessoas são muito boas com emergências, mas não são boas lideranças no dia a dia, e não há nada terrível nisso. Acho que um grande exemplo é Winston Churchill. Ele era muito bom em emergências, como na Segunda Guerra Mundial, mas depois disso se livraram dele rapidamente, porque aquele era seu ponto forte, mas ele não conseguiria levar sua nação para um momento de recuperação como próximo passo. E não deveríamos ver isso como fracasso. Deveríamos ver isso como, o que temos para oferecer é importante mas, em alguns cenários, é melhor dar um passo para trás.

Cosmina: Talvez para um CEO isso seja idealista demais, mas, neste caso, o melhor líder deve abrir caminho para as melhores pessoas trazerem ideias e sugestões para as organizações e trabalhar nos desafios em conjunto.

Quais lições a pandemia traz sobre liderança?

Martin: É um convite para que cada um de nós mostre para o universo quem somos de verdade. Há muitas forças que querem nos enfraquecer, nos fazer sentir medo e, assim, nos controlar e dominar. Sempre há um bicho-papão e apenas uma solução, para não ficar muito “complicado”. É muito interessante a forma como estamos sendo tratados pelos ditos “líderes” nesse momento. Se tivermos um baixo nível de consciência, esse tipo de narrativa vai permanecer. Há muitas pessoas diminuindo seu nível de consciência para fazer caber nessa narrativa, mas há também muitas buscando aumentá-lo.

Cosmina: Como indivíduo é uma oportunidade de compreender as narrativas. No livro, falamos sobre a sabedoria do corpo. Como isso “calibra” a verdade para mim? Quando eu vejo um líder, um político, uma chefe de estado, um médico, qualquer um em posição de poder, o que eles dizem? Como isso ressoa em mim? O meu corpo fala “sim”, para isso? Meu coração diz: “sim, isso parece verdade?”. Ou diz: “será?”. Ou eu tenho dúvidas sobre isso. É uma oportunidade para todos treinarmos a capacidade de dizer o que é verdadeiro e o que não é. Além de ter a habilidade de investigar e fazer escolhas em relação ao nosso corpo e à nossa vida.

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Em uma das passagens do livro, vocês dizem que é necessário aumentar o índice de erros da liderança. O que querem passar com essa ideia?

Cosmina: Recentemente eu li uma frase de Nelson Mandela que diz “eu nunca perco. Ou eu ganho ou eu aprendo”. É uma ressignificação do que “fracasso” significa. Se você vir como uma perda, será. Mas se você encarar como um desafio que pode não sair como seu ego gostaria, mas que vai trazer aprendizado, será uma vitória.

Martin: Acho que está ligado a forma como crescemos. Se uma criança cospe leite é muito comum os pais dizerem: “por que você fez isso?” ou “não faça mais isso”. Foi um erro que recebeu uma punição. É uma forma antiga de se pensar, mas crescemos e esse ainda é o pensamento. Agora, imagine se uma criança cospe o leite e os pais dizem “isso é interessante. O que você aprendeu?” E depois a criança vai refletir sobre essa questão. Talvez a criança tenha cuspido o leite porque estava tentando fazer duas coisas ao mesmo tempo, então, essa é uma oportunidade para se aprender que quando eu apenas me concentro no leite, dá certo, mas quando tento fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo, não funciona. Somos muito preocupados sobre cometer erros. E vemos isso em políticos e em pessoas em altas posições. Quando alguém comete um erro, queremos que haja punição, não tentamos entender por que ele fez o que fez, queremos ver “sangue”. Mas isso não é construtivo, porque expressa um medo de errar. O que precisamos fazer é estar aptos a experimentar em nossos locais de trabalho e também na comunidade e na família. Precisamos experimentar se queremos nos tornar pessoas melhores – e se você experimentar, vai falhar. Thomas Edison disse: “eu não falhei 10 mil vezes inventando a lâmpada, eu aprendi 10 mil maneiras de como não fazer uma lâmpada”. E em um certo momento ele conseguiu inventar. Mas acho que é uma boa forma de pensar.

Como vocês lidam com a incerteza?

Cosmina: Vivenciei muitas incertezas. Cresci num país comunista. É por isso que somos tão interessados em assuntos como liderança e experiências de fracasso, como o comunismo e os governos totalitários. Vivendo aqui e ali, em países diferentes, vivenciei muitas mudanças. Para mim, acaba seguindo um caminho existencial. Eu me pergunto: quem sou? Por que estou aqui? Depois, tento cultivar confiança, a entrega e a noção de que há força em ser fluido, em não ser tão rígido com os planos que você tinha, em como você pensou que sua vida deveria ser. Precisamos ser curiosos sobre o que está por vir. Eu confio que qualquer que seja a porta que se abrir estava destinada a se abrir. Nós podemos reagir com medo, mas se você buscar se abrir, se tornará mais fácil e até satisfatório.

Martin: Eu costumava fazer muitos planos e isso me causou sofrimento. Há um ditado que diz que se você quer fazer Deus rir, faça um plano. Então, neste momento, estou treinando para fazer menos planos. Tudo bem ter uma intenção, um sonho, mas num momento que você se apega muito a isso, você só consegue enxergar uma forma. As substâncias de um sonho podem ser alcançadas de formas diferentes, mas costumamos fazer um plano e tentamos fazer com que tudo saia exatamente como está nele. Tem que ser naquele momento, com aquela pessoa… É uma questão de se deixar entregar. Se entregar, de novo e de novo, é uma prática constante. A mente quer nos guiar ao mínimo de certeza, mas isso é uma ilusão. E essa é uma das coisas que todos nós experienciamos na vida.

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