O poder da escuta ativa
Essa habilidade é fundamental para o novo estilo de liderança buscado pelas companhias – mais humano e capaz de gerar conexões significativas com a equipe.
scutar. Parece algo tão acessível e automático quanto respirar. Mas, quando se trata do ambiente corporativo, essa ação tem significados mais amplos e complexos. A chamada “escuta ativa”, quando o gestor dedica atenção plena ao que está ouvindo, torna-o capaz de acolher e entender sentimentos, expectativas e medos dos empregados. Uma soft skill das mais sofisticadas e valiosas para a organização. E que está conectada a um movimento maior, que questiona os modelos tradicionais de gestão, baseados na hierarquia e no comando.
“As empresas querem desenvolver uma liderança mais humanizada, mais cuidadosa, que busca ouvir de verdade os colaboradores”, diz Carine Roos, CEO e fundadora da Newa, consultoria de DE&I e saúde mental. “No modelo tradicional, eu falo e você obedece – não existe um espaço para o diálogo. A escuta ativa cria um ambiente em que as pessoas se sentem bem para ser quem elas são, inclusive para discordar da liderança.” Um sentimento, aliás, que melhora a produtividade.
Segundo um estudo da consultoria Gartner, feito em 2022, com mais de 400 executivos, quando os funcionários se sentem vistos como seres humanos, e não como meros recursos, eles tendem a obter um desempenho 3,8 vezes maior. Também ficam com 3,1 vezes mais probabilidade de permanecer na empresa. “A organização precisa colocar a pessoa no centro de sua proposta de valor, e entender qual sentimento o trabalho gera”, diz Gabriela Vogel, diretora sênior de lideranças executivas da Gartner. “Isso tem impacto direto no negócio.”
Ouvir com atenção os funcionários permite perceber problemas com maior velocidade, tanto de relacionamento e saúde mental da equipe quanto nos processos da organização. Neste contexto atual, de transformações e instabilidade, isso ganha ainda mais importância. “Para uma empresa conseguir se adaptar rapidamente em meio a tantas mudanças aceleradas, é preciso que as pessoas estejam conectadas”, diz Tania Mujica, especialista em inteligência emocional e professora da escola corporativa Sputnik. Só assim, segundo ela, as informações chegam rapidamente àqueles que tomam as decisões e definem a estratégia.
Os líderes precisam abrir os ouvidos
Para desenvolver entre seus gestores a habilidade de escuta presente e atenta, a Accenture, consultoria de gestão e tecnologia, promove uma imersão em liderança humanizada de dois dias. E ela inclui simulações de conversas difíceis. “Usamos situações que os líderes passam no dia a dia, e vamos trabalhando o que responderiam e como isso pode melhorar”, diz Rachel Garcia, diretora de RH. “É uma abordagem focada em como fazer com que as pessoas do time se sintam pertencentes e ouvidas.”
–O desafio é que todo o conteúdo visto nos treinamentos se concretize de fato no escritório. “A formação complementa e ajuda a instrumentalizar, mas é um exercício diário”, diz a executiva. Para realmente praticar a escuta ativa, é preciso que o líder não só acredite na necessidade dessa habilidade, mas também consiga se abrir para entender os outros e a si mesmo como indivíduos com necessidades e aspirações específicas.
O problema é que muitas empresas ainda estão presas a um modelo hierárquico, o que acaba resultando em uma hierarquização também daquilo que se escuta ou não. “Você passa a selecionar o que vai escutar de acordo com quem está dizendo, e a informação não chega aonde tem de chegar”, diz Mujica, da Sputnik.
Estimular a escuta, mais do que a fala, também é um desafio que ultrapassa as próprias empresas. “Culturalmente, somos estimulados mais a falar do que a ouvir”, diz Mariana Talarico, diretora de cultura e desenvolvimento organizacional da Natura &Co na América Latina. “A construção de diálogos transparentes, empáticos e presentes é um desafio coletivo.”
Desde 2022, a Natura tem buscado uma cultura em que os times consigam construir relações de confiança e possam manifestar discordâncias de forma cuidadosa. O RH vem se esforçando para que os líderes priorizem uma agenda de diálogo com as equipes, tirando o tempo necessário para estar presentes com os liderados. “Estimulamos corporativamente os rituais e a frequência da escuta nas pesquisas e na gestão de pessoas”, diz a diretora.
Para Mariana Talarico, a escuta ativa também é essencial para promover a diversidade na empresa, pois o líder se torna capaz de perceber melhor realidades diferentes da sua, conseguindo fazer ajustes na forma como trata cada um da equipe. “É fundamental a capacidade de ouvir genuinamente, sem invalidar a verdade do outro e sendo consciente de seus próprios vieses de escuta, principalmente em times diversos”, diz.
Não significa ser “psicólogo do funcionário”
Por outro lado, as empresas falham bastante em dar as condições para que os líderes possam, de fato, ser bons ouvintes. “As metas estão cada vez mais surreais, e a liderança tem mais e mais responsabilidades”, diz Carine Roos, da Newa. Como consequência, os gestores estão esgotados. “É muito difícil desenvolver escuta ativa quando você mesmo não se cuida.”
Além disso, muitos líderes desconhecem as ferramentas de bem-estar das empresas e não estão preparados para lidar com as questões que podem ser percebidas em uma escuta mais atenta. É o que aponta Tatiana Pimenta, fundadora e CEO da Vittude, plataforma de terapia online. “Desenvolvemos uma formação em saúde mental para capacitar os líderes de modo que eles saibam ouvir, mas não só isso. Também para que saibam o que fazer com o que ouvem.”
Outro perigo é que o gestor pense que tem de dar conta de todas as carências de cada empregado. “Muito líder chega para mim dizendo que agora é psicólogo do funcionário, e isso é um erro”, diz Gabriela Vogel, da Gartner. “A função dele é conectar o indivíduo com o suporte que existe na empresa.”
Se souber realizar essa conexão com boa vontade e dedicação, já estará fazendo bastante. Não precisa resolver todos os problemas do mundo. Basta saber escutá-los. De verdade.