O que a vulnerabilidade tem a ensinar aos líderes do futuro
A figura do executivo solitário está perdendo espaço para o líder facilitador, que admite suas imperfeições e cria condições para o sucesso conjunto
mito do super-herói não nos serve mais. E essa talvez seja uma das maiores lições dos últimos anos, em meio à pandemia, guerra na Ucrânia e crise econômica. A ideia de heróis com força e habilidades sobre-humanas que, sozinhos, dariam conta de salvar o mundo ganhou popularidade, aliás, em um período também de abalos econômicos e guerra, nos anos 1940. Em meio à insegurança e ao medo, eles trariam esperança por serem praticamente invencíveis — a não ser por uma determinada vulnerabilidade, cada qual com a sua, que poderia levá-los à derrota.
Em muitos sentidos, a figura do herói se aproxima à de um líder: uma posição solitária, em que, do alto, ele consegue ver além e apontar a direção certa para os demais. Mas essa história começa a mudar.
Para Mariana Achutti, CEO da escola corporativa Sputnik, estamos vivendo uma transição da chamada liderança heroica para uma liderança facilitadora. “O líder herói era quem tinha todas as respostas, e todos saíam correndo para executar o que ele pedia”, diz. Já o líder facilitador é aquele que vai garantir as condições para as pessoas trabalharem em conjunto de forma que cada uma possa dar o seu melhor. “Ele aprende junto e busca junto as soluções com o time.” Longe de ser inatingível, seu maior poder é a vulnerabilidade.
Um estudo de 2021 com mais de 12 mil funcionários ao redor do mundo, feito pela organização sem fins lucrativos Catalyst, indicou que quanto mais os gestores são abertos e demonstram vulnerabilidade, mais as pessoas estão dispostas a se dedicar no trabalho. No entanto, apenas 39% afirmam que o líder mostra com frequência abertura, e apenas 24% veem demonstrações de vulnerabilidade.
Condição humana
A vulnerabilidade é uma condição básica do ser humano. Todos podemos ser atingidos pelo que acontece ou pelo que fazem conosco, tanto do ponto de vista físico quanto do emocional. Demonstrar vulnerabilidade significa se expor: é admitir falhas, dizer que não sabe algo. Ou então demonstrar emoções como felicidade, medo, dúvida e mágoa — e correr o risco de ser julgado por isso. O problema é que, desde cedo, aprendemos a suprimir esse lado, inclusive como forma de proteção.
O receio de errar e decepcionar faz com que se crie uma armadura. Preconceitos sociais também entram na conta. “Para o homem, chorar é símbolo de fraqueza; para a mulher, de descontrole”, diz o artista Marcio Libar, que ministra oficinas de vulnerabilidade junto à Sputnik. Ele desenvolveu uma metodologia para trabalhar a questão depois de perceber como suas experiências como ator e palhaço se conectavam com desafios vividos por atletas e executivos. “Enquanto você executa sua função, a plateia assiste, você recebe aplausos e vaias”, afirma. No mundo corporativo, ele diz, é a mesma coisa: há sempre um público julgando o desempenho de cada um.
Mas atletas e artistas treinam à exaustão; nas grandes empresas, não há ensaios. “Os executivos estão mais sujeitos a ‘quebrar’ psicologicamente e emocionalmente quando chegam ao teto da performance”, diz. Falta, nesses ambientes, o equivalente ao camarim ou ao vestiário. “Seria o lugar onde as pessoas choram derrotas, comemoram vitórias e fazem pactos de recuperação”, afirma Marcio.
Qualidade essencial
Não à toa, o que especialistas vêm afirmando é que demonstrar vulnerabilidade é essencial se quisermos ter ambientes de confiança, que inspirem a colaboração e a conexão de forma mais profunda, algo que vem se mostrando cada vez mais necessário. Afinal, nos últimos dois anos, quando o medo e a insegurança se espalharam junto com o vírus, ficou evidente quanto não havia respostas certas — seria impossível decidir, sozinho, o caminho a seguir. “As empresas estão experimentando uma volatilidade e incerteza que nunca viram antes, e isso só vai piorar”, diz Marcelo Cardoso, fundador da consultoria Chie. “A ideia de que é possível planejar e controlar tudo na gestão caiu por terra.”
Uma das características deste momento é a complexidade, ele diz. Nesse cenário, é preciso tentar identificar padrões que emergem ao longo do tempo; portanto, não há uma única resposta possível para os problemas. “O imperativo para compreender esse sistema complexo é a capacidade de uma organização acessar a diversidade cognitiva de seus times”, diz Marcelo. Isso faz com que as empresas tenham que se assemelhar a escolas, a lugares em que seja possível haver conflitos produtivos como forma de gerar novas ideias e conhecimentos.
Isso exige um ambiente em que todos se sintam à vontade para contribuir. Significa poder dar opinião sem medo de falar a coisa errada, testar ideias, compartilhar erros e aprendizados. Não se trata de uma harmonia completa e artificial, mas de um ambiente em que seja possível ter discordâncias de maneira segura e saudável. “O líder precisa ser um facilitador de contexto de aprendizagens, e isso só vai acontecer se as pessoas confiarem nele”, diz Marcelo. O ponto de entrada de tudo isso seria a vulnerabilidade. “Quando a liderança se vulnerabiliza, permite que você identifique medos em comum. Isso gera empatia e favorece a confiança e a comunicação”, afirma Ana Carolina Souza, neurocientista e sócia da Nêmesis, consultoria de neurociência organizacional. Por outro lado, a ideia de uma liderança perfeita e rígida, que sempre sabe o que está fazendo, é muito mais difícil de gerar conexões. “A liderança também ganha quando reconhece o espaço em que a equipe pode contribuir e para de considerar que o controle é real.”
Essa transformação viria também para quebrar uma narrativa polarizadora ainda muito presente no imaginário corporativo, avalia Mariana. “É como se a liderança e os liderados fossem opostos e trabalhassem sempre de forma conflituosa”, diz. No fim das contas, isso gera desgaste psicológico e emocional. Resultado: improdutividade e desmotivação nas organizações. “Precisamos parar de dizer que a culpa é do líder ou do time e deixar claro que estão todos no mesmo barco e trabalhando em prol da mesma coisa.”
Questão de confiança
Mas o que a pandemia também deixou ainda mais em evidência foi um problema antigo: o da confiança. Com a migração para o trabalho remoto ou híbrido, a postura de muitos líderes foi a de querer controlar a equipe mais de perto, na tentativa de checar se estava mesmo dedicada ao trabalho. “Ficou claro para os funcionários que os líderes não confiavam nas equipes uma vez que não podiam controlá-la”, afirma o economista Andrea Iorio, especialista em transformação digital e liderança.
Quando o líder não consegue ficar confortável em delegar tarefas mais importantes ou em não ver sua equipe enquanto trabalha o tempo todo, ele está, em outras palavras, inseguro pela falta de controle que sente. Mas conseguir confiar — e inspirar confiança — é fundamental inclusive para estimular mais autonomia e proatividade entre os funcionários.
Na Santa Helena, indústria de alimentos, essa virada no papel da liderança vem sendo a estratégia para que as metas de crescimento da empresa, dona de marcas como Paçoquita e Mendorato, sejam sustentáveis.
Uma das estratégias foi, a partir de 2017, convidar líderes para uma imersão de três dias, chamada de Gestão Emocional das Organizações, em que são trabalhados temas como vulnerabilidade, qualidade da escuta, empatia e autoconhecimento. Além disso, eles são chamados para “workshops vivenciais”, com dinâmicas para aprender técnicas a fim de melhorar o contato consigo mesmos e com os outros, com o apoio de um psicólogo. “Lá eles têm feedback de como se posicionam e daquilo que os colegas do grupo percebem que é preciso trabalhar no autodesenvolvimento”, afirma Elaine Ribeiro, gerente executiva de RH da Santa Helena. “Com isso, cria-se um vínculo muito grande, porque se conhece um pouco mais da vida do outro e se vê que os medos e anseios são os mesmos.” Depois, a missão dos líderes é multiplicar para as equipes o que aprenderam.
Os treinamentos servem também para ajudar a gestão a estimular o protagonismo dos funcionários, sem deixar de ser um ponto de apoio e escuta. Desde 2018, as fábricas contam com equipes autogerenciáveis. Para cada etapa da produção, um operador assume determinadas responsabilidades, com autonomia para parar a produção e resolver problemas. Mensalmente, esses profissionais se reúnem com a liderança para apresentar indicadores e sugerir as oportunidades de mudança.
Outra iniciativa do RH é convidar cada equipe para fazer uma avaliação de pontos fortes e melhorias, tanto dos processos quanto da própria liderança, e apresentar o resultado para o líder. O trabalho ajuda a identificar problemas e a trazer um senso coletivo de responsabilidade. “O líder precisa saber ouvir a equipe e apoiar a implementação de ações. Isso aumenta o grau de maturidade”, afirma Elaine.
Segundo a executiva, essas mudanças foram fundamentais para manter a união nos últimos anos. Não só as pessoas se apoiaram durante os momentos mais difíceis da pandemia, como a autonomia maior dos funcionários permitiu que o programa interno de melhorias fosse intensificado. Só em 2021, foram cerca de 160 projetos sugeridos pelas equipes que, juntos, representaram uma economia de 18,4 milhões de reais. Além disso, o índice de avaliação da liderança foi de 65 em 2014, ano da primeira pesquisa de clima, para 88 em 2022.
Ambientes seguros geram inovação
Uma das maiores dificuldades em incentivar a vulnerabilidade é que tendemos a nos resguardar ainda mais quando sentimos que temos algo a perder. No caso da liderança, isso pode significar o medo de ter a reputação arranhada ou de perder a autoridade, por exemplo. Para as equipes, o receio é o de sofrer retaliações caso assumam algum erro ou serem consideradas menos competentes ao demonstrar emoções.
Há também um desencontro entre gerações. “Os jovens de hoje foram educados de outra maneira, com mais conexão e respeito às emoções”, diz Marcio Libar. Assim, quem está na liderança se vê obrigado a se transformar para dialogar com quem está chegando ao mercado. E a sensação é a de que existem muitos líderes perdidos. “O gestor nota que precisa ter mais escuta, tolerância e empatia, e se sente inadequado”, afirma. “Ele chegou à ‘perfeição’ aprendendo a operar sob a lógica anterior.”
Muitas vezes, para mudar essa mentalidade é preciso um trabalho de desaprendizagem. Isso foi o que a Ambev, fabricante de bebidas, percebeu. Por muitos anos, a empresa foi famosa por ter uma liderança de perfil arrojado e com foco mais agressivo nas metas. Mas, em 2020, a companhia reavaliou esse posicionamento para se renovar. “Nossa cultura forte foi muito importante para construir a expansão”, afirma Illana Kern, diretora de gente da Ambev. “Mas, para continuar crescendo e inovando, a gente precisava de perfis mais diversos, e eles só seriam atraídos se a cultura se transformasse.”
Com a ajuda de uma consultoria, a Ambev ouviu líderes e liderados para entender o que eles estavam sentindo. O resultado foi que era preciso estimular valores como colaboração, escuta ativa e mais diversidade e inclusão. Além disso, como a busca era por inovação, a cultura do erro precisava ser incentivada. A resposta para isso, eles perceberam, estava em criar um ambiente de autenticidade e de segurança psicológica. “Para gerar segurança, você precisa demonstrar vulnerabilidade”, diz Illana. “Isso é fundamental para as pessoas confiarem umas nas outras e acreditarem que podem errar, tentar de novo e criar algo melhor.”
Tanto que uma das primeiras iniciativas, já em 2020, foi oferecer oficinas de vulnerabilidade para as lideranças. Nas dinâmicas, perguntava-se quem já havia sofrido com a perda de um parente, por exemplo, ou já havia sofrido de depressão. “As pessoas se mostram extremamente vulneráveis e começam a se olhar no olho”, diz Illana. “Muitas vezes, quem está ao seu lado no trabalho carrega problemas que você nem faz ideia.” Ter essa percepção muda a forma como as pessoas se relacionam no dia a dia — ajudando a perceber que às vezes é melhor oferecer mais apoio em vez de mais cobrança.
Para reforçar que os erros fazem parte, os líderes foram convidados a participar das chamadas Fuckup Sessions. Elas aconteceram em meio a um festival online dentro das trilhas de aprendizado da Ambev On, uma plataforma de aprendizagem contínua multiformato. Nelas, eles revelavam os erros ao longo da carreira e o que aquilo havia ensinado para eles. “Contar isso é importante para as pessoas verem que tivemos produtos que não deram certo, mas que nos fortalecemos com os aprendizados.”
Com mais de 30 mil funcionários em diversas regiões do Brasil, o desafio é garantir que a transformação atinja a todos. Até o momento, foram mil pessoas treinadas em segurança psicológica, vulnerabilidade e vieses. “Não é algo que dá para mudar do dia para a noite”, diz Illana. Mas os resultados já começam a aparecer. Antes, quando a empresa tentava trazer do mercado pessoas com perfis diferentes em um nível hierárquico maior, para fomentar a diversidade, havia resistência por parte de alguns profissionais. “Eles tinham medo da reputação de um lugar agressivo”, diz. Agora, a receptividade é maior. “Eles têm muito mais abertura e querem vir conhecer.”
Via de mão dupla
Para tornar possíveis mudanças intensas como essas, que muitas vezes contradizem o que pessoas e companhias aprenderam durante anos, não são só os gestores que precisam se transformar. A própria empresa deve rever seus processos. “Você pode treinar a liderança e criar espaços seguros, mas, se desenhar um programa de metas baseado no desempenho individual, não adiantará nada”, diz Marcelo, da Chie. “Isso estimula a competição, não a colaboração.”
O especialista defende que é preciso promover mudanças também na forma como a maior parte das empresas faz o orçamento. “Em 2022, não faz sentido ter um orçamento anual. Nesse período, você tem uma série de rupturas — pandemia, guerra, eleição”, afirma. Assim, dificilmente o valor acordado em janeiro faria sentido meses depois. O resultado disso é pouca abertura para rever decisões e estratégias. “Isso produz uma esquizofrenia corporativa. As pessoas ficam frustradas porque se abrem, se vulnerabilizam, mas no dia a dia se deparam com estruturas arcaicas, que estimulam comportamentos e competição inadequados.”
Em outras palavras, é preciso dar o exemplo nas próprias políticas da organização. “O que define a cultura da empresa e faz com que os colaboradores incorporem isso é a ação, não o dizer”, diz Andrea. Para ele, ainda são poucas as companhias que de fato saem do discurso e conseguem colocar isso em prática. E é preciso engajar a liderança. Caso contrário, nenhuma mudança acontecerá. “Não dá para esperar que os times exponham vulnerabilidades se a liderança não fizer isso primeiro.”
A dificuldade, aqui, é convencer os gestores de que estratégias como essas valem a pena — sobretudo quando eles são cobrados por desempenho e melhoria nos números. “O que ainda falta é a habilidade de conectar essas soft skills a resultados de negócio”, afirma Andrea. Mas elementos como vulnerabilidade, empatia e pensamento crítico são difíceis de medir. Como resultado, muitos líderes têm dificuldade de priorizar esses aspectos. Para Andrea, é preciso ter clareza sobre quais comportamentos definem cada uma dessas características e relacioná-los com os resultados.
Na Novo Nordisk, ter clareza sobre os comportamentos mais desejados na liderança tem sido uma das preocupações. A empresa farmacêutica de origem dinamarquesa também percebeu que precisava incentivar uma postura mais vulnerável junto à gestão, mas por um motivo relacionado ao negócio: acostumadas com o setor altamente regulado, as lideranças acabavam buscando o perfeccionismo ao extremo. O medo de cometer algum erro era tão grande que dificultava a criação de um ambiente propício à criatividade. “A confiança impulsiona a inovação, algo muito importante para sermos sustentáveis”, diz Elisabete Strina, diretora de RH da Novo Nordisk.
Na pandemia, essa necessidade só se reforçou. Afinal, era preciso poder mostrar que ninguém tinha as respostas certas, e que tudo bem. A transição para o trabalho remoto foi um baque para uma empresa que até então era focada no presencial. “Acabamos perdendo algumas referências ao termos que fazer tudo diferente”, afirma Elisabete.
Desde então, a empresa vem trabalhando de forma contínua o tema da vulnerabilidade com diferentes grupos e nos treinamentos para a liderança. Diretores e vice-presidente foram convidados a dividir a percepção sobre as equipes, os próprios sentimentos e as preocupações sobre o contexto atual e o futuro. “É catártico porque a gente realmente se fortalece e constrói relações mais profundas”, diz a executiva da Novo Nordisk.
Os encontros foram o ponto de partida para a definição das chamadas Simple Rules (“regras simples”), que servem como uma cartilha de atitudes que passaram a ser valorizadas. Elas incluem mandamentos como “comece sempre pelo porquê”, “está ok não concordar” e “seja parte da solução — é um problema nosso”. Elas foram validadas em julho deste ano em um dos encontros do Fórum de Liderança, evento trimestral que reúne todos os líderes e a gestão de pessoas. No mesmo mês, elas também foram divulgadas aos demais em uma convenção de venda com quase todos os funcionários da empresa no Brasil.
Já o começo das reuniões de apresentação de resultados, que acontecem de forma online e são abertas a qualquer interessado, passou a ser dedicado a dividir aquilo que não havia dado certo. Diferentes áreas são chamadas para apresentar o que foi difícil, em que tiveram dificuldades e quais erros acabaram acontecendo. A ideia é mostrar que faz parte errar e pedir ajuda, além de compartilhar aprendizados.
Ainda em junho deste ano, Lars Fruergaard Jørgensen, presidente mundial da Novo Nordisk, mandou uma carta para toda a empresa abordando o assunto. “Ele falava justamente sobre a vulnerabilidade e quanto nosso negócio está mudando”, diz Elisabete. “Esse contexto novo exige pessoas mais autônomas e a capacidade de lidar com o que não experimentamos ainda.”
Apoio à liderança
O paradoxo é que as condições para que os profissionais mostrem suas vulnerabilidades são as mesmas que a vulnerabilidade ajuda a construir: um ambiente seguro em que as pessoas possam se revelar sem sofrer retaliações. Afinal, é difícil, senão impossível, se expor em um local de insegurança, competitividade, críticas e cobranças excessivas. Nesse caso, o que acaba acontecendo, diz Ana Carolina, da Nêmesis, é o modelo complacente. “As pessoas desistem de contribuir ou de dizer algo e só obedecem, resignadas, mas sem engajamento.” Nisso, tanto erros graves quanto sugestões que poderiam ser brilhantes acabam ficando guardados.
Mas, para que os líderes possam começar a demonstrar vulnerabilidades como forma de dar o exemplo, é preciso garantir, também para eles, que estejam seguros e que tenham o suporte necessário. “A liderança está lá cuidando do entorno e do time, mas quem cuida dela?”, diz Mariana, da Sputnik. Para ela, o cuidado pode tanto vir da organização quanto do time. “É quebrar essa narrativa de líder e liderado e ver como todos podem se servir e se ajudar.”
Isso envolve conscientizar sobre a importância de os líderes cuidarem da própria saúde mental, oferecer subsídios para terapia e criar espaços seguros em que eles possam abordar esses temas entre colegas, de forma que não precisem se expor para as equipes antes de estar prontos para isso. Para de fato existir, esse comportamento nunca pode ser forçado. Tentar obrigar alguém a mostrar vulnerabilidades contra a vontade pode resultar em posturas de defesa, ainda mais fechadas.
Essa foi uma das preocupações na Logicalis, empresa com 1.100 funcionários que presta serviços de TI e comunicação. Por lá, uma das primeiras decisões no início da pandemia foi abrir um espaço para que os executivos pudessem ter conversas mais profundas e receber apoio emocional em um ambiente em que estivessem confortáveis com isso. Chamada de Conversas de Significado, a iniciativa propunha bate-papos individuais com a facilitação de psicólogos. Cerca de 40 líderes passaram por essas sessões, que podiam ser marcadas conforme a necessidade e o desejo de cada um. “Queríamos que eles pudessem falar sem se preocupar em passar a ideia de fraqueza, e entendessem como lidariam com as incertezas e fariam a gestão à distância”, diz Tânia Casa, diretora de relações humanas da Logicalis. De tão bem recebido, o programa continua até hoje.
Outro desafio na pandemia foi manter o engajamento no trabalho remoto. A solução foi criar um ciclo de webinars para toda a liderança, com temas que motivassem os profissionais a exercitar a empatia e perceber a vulnerabilidade como uma habilidade de força.
Os gestores também têm se reunido com as equipes em treinamentos sobre a cultura e os valores corporativos para entender o que prezam, além de aprender como reconhecer os pontos fortes de cada um e criar relações de confiança. Cerca de 250 funcionários já passaram por esse treinamento, que é contínuo.
Segundo ela, o movimento tem criado uma proximidade maior, mesmo à distância. “A liderança entende que não é só uma questão de ver se as atividades do dia a dia estão sendo feitas, mas de como cada um se sente, como está a família e como as pessoas podem ser elas mesmas na empresa”, afirma Tânia. Os próprios gestores criaram fóruns de conversa, com o apoio do RH, reforçando a cultura mais aberta e horizontal.
Outra vantagem de um ambiente seguro, aberto à vulnerabilidade, é que problemas como depressão, ansiedade e burnout podem ser mais facilmente identificados e tratados antes que se agravem. “Um ambiente de competitividade e pressão estará sempre ativando um circuito de defesa”, diz a neurocientista Ana Carolina. Pressão arterial e frequência cardíaca mais altas, respiração curta e tensão constantes são efeitos dessa cultura tóxica no corpo, que desencadeiam ou agravam problemas físicos e mentais.
E, quando não se sentem seguras para se expor, pessoas que estejam passando por dificuldades — tanto no trabalho quanto em casa — podem deixar de pedir ajuda. Em uma pesquisa com mil profissionais feita em 2021 pela Elements Global Service, 49% dos que deixaram de reportar algum problema pessoal ou profissional citaram medo de retaliação. E isso, por vezes, às custas da própria saúde, produtividade e engajamento. “Por outro lado, um ambiente de suporte social que incentiva respostas emocionais, de aproximação e vínculo, ajuda as pessoas a se tornarem mais resilientes e felizes”, afirma Ana Carolina.
Para Marcio, não se trata de ser “bonzinho”, mas de aceitar sentimentos difíceis, como a perda, os riscos e as derrotas que podem acontecer — e seguir em frente. Um aprendizado que ele tirou de seu ofício: se artistas acrobáticos e bailarinos inspiram admiração, o palhaço é quem gera confiança e conforto na plateia. “É aquele que tropeça, escorrega e cai”, diz. “A força dele está na aceitação da perda.”
Esta reportagem faz parte da edição 82 (outubro/novembro) de VOCÊ RH. Clique aqui para se tornar nosso assinante