“Tive um pouco da síndrome da impostora”, diz presidente da Philips
Patricia Frossard fala sobre os desafios à frente do cargo, os mitos ligados à gestão de pessoas e a importância da flexibilidade para o futuro dos negócios
paulistana Patricia Frossard está à frente da Philips do Brasil desde maio de 2019, quando assumiu o cargo de country manager e passou a ter cerca de 2 mil funcionários sob sua gestão. Em 2013, depois de 12 anos na PepsiCo, a advogada migrou para a Philips, inicialmente para ocupar uma posição na área jurídica. Em 2017, assumiu a liderança de compliance para a Philips América Latina e acumulou as duas funções, fortalecendo o posicionamento institucional e as relações da companhia com o governo e com outras organizações estratégicas para o negócio.
Agora um dos desafios de Patricia à frente da empresa é conduzir a consolidação da Philips como desenvolvedora e provedora de softwares para a área de saúde. Uma “mudança de chave” que aprofunda outra, ocorrida em 2011, quando a companhia deixou o mercado de iluminação, televisores, eletroportáteis e acessórios para entrar na produção de equipamentos para a área médica.
Toda essa transformação viu chegarem a pandemia de covid-19, a ampliação da prática do home office, o modelo híbrido de trabalho e o desafio de manter as pessoas engajadas durante um período tão difícil. Na conversa com VOCÊ RH, Patricia falou sobre engajamento, diversidade, equilíbrio entre vida pessoal e profissional, enfrentamento à pandemia e os mitos ligados à gestão de pessoas, entre outros assuntos.
Desde que assumiu como country manager, o que você mudou na gestão da Philips do Brasil?
Procurei trazer ainda mais diversidade para a empresa. A Philips já tem esse traço na cultura globalmente, mas coloquei isso como prioridade. Criamos um programa de estágio para pessoas a partir de 55 anos, pois acredito que é possível iniciar uma nova carreira nessa fase da vida. É um programa que permite a troca de experiências entre diferentes gerações, o que é muito enriquecedor. Outro programa é focado em pessoas de baixa renda, independentemente de gênero, etnia ou origem, o que acaba trazendo muito mais diversidade para dentro da empresa. Temos feito esforços também para trazer mais mulheres para nossa área de tecnologia, que tradicionalmente é mais masculina. Nos processos seletivos, sempre tem que ter pelo menos uma mulher entre os três finalistas. Em parceria com o governo do Ceará, estamos desenvolvendo uma escola de informática e tentando atrair mulheres para atuar nessa área futuramente. Mas tudo isso é um trabalho de médio e longo prazos, os resultados não são imediatos.
É verdade que você não acreditou quando soube que estava sendo cotada para a presidência?
Na verdade, eu nunca havia pensado nessa possibilidade. Acho que tive um pouco da chamada “síndrome da impostora”, e acredito que isso acontece com muitas mulheres. Nessas situações, os homens não têm dúvida, vão lá e aceitam na hora. As mulheres ficam mais inseguras, pedem tempo para pensar, conversam com o marido, os filhos e, muitas vezes, não aceitam por acharem que não vão conseguir equilibrar a vida pessoal e a profissional. Quando aceitei esse desafio, não negociei salário, mas negociei a agenda. Não abro mão de ir à academia de manhã, e toda quarta no fim da tarde tenho um compromisso com meu filho. É questão de organizar a agenda e ser fiel a ela. Eu tive muito apoio internamente e estou conseguindo conciliar.
Apesar de a maioria das empresas pregar o discurso da diversidade, grande parte ainda tem poucas mulheres em cargos de liderança. Qual é o caminho para mudar isso?
Sou advogada e vim da área jurídica. Desde que assumi como country manager, minha relação com a área de RH se intensificou muito. Conversamos praticamente todos os dias. Para promover diversidade e equidade de gênero é preciso ter uma estratégia bem definida, com métricas acordadas nos planos de desenvolvimento. Na Philips, nós temos os planos de carreira e os reavaliamos a cada três meses. Nos planos de sucessão, temos que prever a inclusão de mulheres, e é necessário também investir em capacitação e prepará-las para assumir mais cargos de liderança daqui a dois ou três anos.
Um estudo recente da PwC mostrou que 88% das empresas estão enfrentando um turnover superior ao período pré-pandemia. No Brasil, 70% delas registram pedidos de demissão acima das médias históricas. O que está provocando isso, na sua opinião?
Acho que, com a pandemia, as pessoas começaram a se questionar se o trabalho delas faz sentido, se pegar trânsito e trabalhar muito longe de casa faz sentido. Todo mundo passou a pensar mais em questões como saúde, doença, morte e o próprio sentido da vida. Felizmente, na Philips não houve esse problema de turnover. Já atuávamos parte em home office antes de 2020, e depois passamos a acionar mais o comitê de crise, e os líderes tomaram decisões rápidas, combatendo os efeitos da pandemia.
O que as empresas devem fazer para reter talentos?
É preciso entender o seu funcionário, mapear suas funções-chave, conhecê-los individualmente e saber o que é importante para cada um, quase que de forma personalizada. Entender o que “segura” aquela pessoa na empresa. Os benefícios não mudam muito de uma empresa para outra, então é preciso pensar nos diferenciais, desenhar planos de carreira, ter mentorias, coaching, dar oportunidades e desenvolver lideranças.
A Philips já adotava o modelo híbrido antes da pandemia. Como ficou a partir de 2020?
O home office sempre foi uma opção dada aos colaboradores, que podiam trabalhar uma ou duas vezes por semana em casa. O conceito combina a flexibilidade com a colaboração presencial, porque quando um grupo está reunido em uma mesma sala há uma fricção criativa e a geração de ideias necessárias para a resolução de problemas. Flexibilidade não é decidir entre o escritório e o online; significa escolher o espaço que funciona melhor para cada um, caso a caso. Agora estamos sugerindo que sejam três vezes por semana na empresa, mas cada um pode se adaptar. Recomendamos pelo menos um dia presencial. Teletrabalho 100% não funciona, porque o contato e o “olho no olho” são fundamentais.
E como manter o engajamento das pessoas no modelo híbrido?
Tudo isso é muito recente, precisamos ver como a pandemia e as pessoas vão se comportar. Quando ficamos 100% em casa, foi mais difícil manter o engajamento porque havia as questões familiares, o que é natural. Nós conseguimos manter o engajamento colocando as pessoas para conversar, trocando experiências, cada um contando o que funcionava no seu caso e dividindo impressões.
Como funcionaram essas sessões de conversa e troca de ideias?
Chamamos o projeto de #WeCareCalls. A princípio, organizamos as pautas em cinco pilares (Mental, Emocional, Físico, Social e Bem Comum), criamos o conteúdo e depois promovemos sessões com aulas de ioga, kickboxing, meditação, alimentação saudável, dicas de atividades para crianças, ginástica laboral e palestras com psicólogo. As calls eram de 30 minutos, a cada 15 dias, por videoconferência. Durante essas conversas falávamos sobre temas latentes na pandemia, como saúde física e mental e interação com a família. Tudo isso teve bastante participação dos colaboradores, que passaram a trazer as sugestões e apresentavam os temas para os colegas. Neste ano, a tendência é que as conversas sejam presenciais, porque as pessoas cansaram um pouco de reuniões virtuais.
O que aprendemos com a pandemia?
Apesar do distanciamento físico, vejo que as pessoas acabaram se aproximando mais. Eu mesma nunca fui muito de falar da minha vida pessoal no trabalho, mas, com o home office e as videoconferências, acabamos entrando nas casas uns dos outros, e a barreira entre o pessoal e o profissional caiu um pouco. O filho interrompe a reunião, o gato aparece na tela, você vê um quadro na parede do quarto daquela pessoa e acaba a conhecendo melhor. Isso nos aproximou.
Para conciliar o trabalho com a vida pessoal, você defende “impor a agenda”. Acha que isso é possível na maioria das empresas?
Sei que isso ainda é um tabu em muitas empresas, mas férias são férias, e fim de semana é fim de semana. Poucos assuntos não podem esperar alguns dias ou algumas semanas para serem resolvidos. Mesmo porque sempre tem alguém no seu lugar durante esse período. Isso precisa mudar, e é um papel da gestão. Os funcionários estão pressionando, priorizando a vida pessoal e o equilíbrio, tanto é que os pedidos de demissão aumentaram muito nos últimos anos. Se os líderes não enxergarem isso, vão perder talentos.
Quais são os mitos sobre liderança, carreira e gestão de pessoas, na sua visão?
O primeiro é que o salário resolve tudo e é o mais importante. Não é mais. Outro mito é que, quanto mais você trabalhar, mais será reconhecido e recompensado. As duas coisas não estão necessariamente conectadas. Se você não tem controle sobre o próprio tempo, isso é um defeito. Trabalhar 15 horas por dia é errado, não é produtivo.
Este texto faz parte da edição 79 (abril/maio) de VOCÊ RH.
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