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Leia trecho do novo livro de Domenico De Masi, autor de O Ócio Criativo

Sociólogo italiano afirma em nova obra que o ser humano se dedicará cada vez mais a funções criativas e aprenderá a viver de forma mais livre e feliz

Por Redação
Atualizado em 27 jan 2023, 10h28 - Publicado em 5 ago 2022, 08h45
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    riador do conceito de ócio criativo, o sociólogo italiano Domenico De Masi afirma em seu novo livro, O Trabalho no Século XXI, que precisamos educar os jovens e reeducar os adultos workaholics para que aprendam a “dar sentido e valor ao tempo livre, enriquecendo-o de introspecção, criatividade e convívio”. Segundo o autor, entramos em uma era em que crescimento econômico e desemprego andarão juntos, já que a sociedade conseguirá produzir cada vez mais bens e serviços com cada vez menos contribuição humana. Na obra, que tem mais de 900 páginas, De Masi propõe 11 teses sobre o trabalho no século 21. Veja no trecho a seguir

    Trechos do livro

    Podemos apresentar as seguintes teses em relação ao trabalho e seu mercado no século XXI:

    1) O progresso humano não é nada além de um longo percurso em direção à libertação intencional do esforço físico, primeiro, e do esforço intelectual, depois. No século XX, realizou-se aquilo que Marx previra no Grundrisse, ao afirmar que toda inovação tecnológica decompõe progressivamente a atividade do trabalhador em uma sequência de operações elementares, de modo que a certo ponto uma máquina possa tomar seu lugar.

    No século XXI, o progresso tecnológico, enriquecido pela inteligência artificial e pela indústria 4.0, mirará na libertação do trabalho tout court, para deixar ao homem as atividades propriamente “humanas”, que combinam estudo, trabalho e tempo livre.

    2) A nível planetário, o excedente crescente de mão de obra em relação às exigências reais da produção é acentuado pelo crescimento numérico da população mundial e pelo recente acesso ao mercado do trabalho central tanto pelas mulheres, quanto pelos trabalhadores do Terceiro Mundo. Cada vez que uma nova etapa tecnológica permite descarregar a fadiga humana em máquinas mais potentes, o fenômeno é vivido como desemprego e como ameaça ao equilíbrio social; em uma fase sucessiva, porém, ele é apreciado como libertação da escravidão do trabalho.

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    3) No passado, eram as empresas em crise que reduziam seus funcionários; hoje, até as empresas de sucesso demitem, porque podem se dar ao luxo de ter máquinas mais capazes de substituir os trabalhadores de carne e osso. A tendência de longa duração revela algumas constantes: às vezes, o desemprego costuma depender de uma demanda de trabalho e de uma organização social incapazes de articular-se no modo mais adequado para valorizar os recursos humanos disponíveis; outras vezes, subutiliza para si a tecnologia e a organização para não criar desemprego; outras vezes ainda, atrasa-se a libertação do esforço ou do trabalho por incapacidade de extrair da tecnologia e das ciências organizativas todas as vantagens que elas são capazes de oferecer; outras vezes, somos incapazes de reprogramar o sistema social e torná-lo capaz de valorizar o tempo livre transformado em ócio ativo, ou seja, na faculdade humana de introspecção, ideação, produção criativa, reprodução vital, jogo inventivo.

    4) O contínuo aumento de desempregados induz, por um lado, os economistas do trabalho a elevar pouco a pouco o limite de desemprego considerado fisiológico; por outro, induz os policy makers a tramar truques estatísticos e ocasiões falaciosas para manter uma parte da população ativa em condição de aparente emprego e de real subordinação. No estado atual, tudo faz supor que a coragem de aceitar e planejar a libertação do trabalho acontecerá apenas depois que a derrota total desses esforços se tornar evidente para todos e houver obrigado os marginalizados a reações violentas.

    5) Diferentemente da Grécia clássica, que em vez de apostar no consumismo tinha aprendido a enriquecer de significados os poucos objetos à disposição, a sociedade industrial preferiu emaranhar-se em um excedente de produtos apreciando a superprodução até de objetos inúteis ou rapidamente obsoletos e a indução de necessidades alienadas para criar demanda fictícia de objetos novos, por sua vez destinados a uma rápida obsolescência. No século XXI, a tendência será enriquecer de significado os objetos disponíveis, satisfazer de forma gratuita as necessidades culturais de informações, música, imagens etc.

    6) Depois de delegar às máquinas quase todo o trabalho físico e boa parte do trabalho intelectual, o ser humano manterá o monopólio da atividade criativa que, por natureza, exige menos funcionários, menos divisão das funções, menos cisão entre tempo de trabalho e tempo livre, admitindo formas de vida bem mais livres e felizes: não apenas uma maior riqueza difusa, mas também uma maior autodeterminação das tarefas, dos tempos e dos lugares, uma atividade intelectual mais rica de conteúdo, maior importância dada à estética e à qualidade de vida, maior espaço para a autorrealização subjetiva.

    7) A possibilidade de reabastecer a humanidade dos bens e dos serviços que são necessários a ela, empregando uma quantidade mínima de trabalho humano, implica a exigência de planejar uma redistribuição do trabalho, da riqueza, do saber e do poder. Como um número crescente de pessoas usufruirá de bens e serviços que elas não contribuem para produzir, serão necessárias formas novas de welfare para satisfazer as necessidades de quem não trabalha e formas novas de gratificação para satisfazer as necessidades de quem trabalha.

    8) No século XXI, mais do que já acontece hoje, seremos capazes de produzir mais do que é necessário para garantir o bem-estar de toda a humanidade. Se, agora, 3,5 bilhões de pessoas morrem de fome não é porque não sabemos produzir o alimento necessário, mas é porque não sabemos distribuí-lo. Na sociedade industrial, a riqueza foi distribuída sobretudo com base na quantidade e na qualidade do trabalho desempenhado por cada um. No século XXI, no qual a riqueza crescente é cada vez menos produzida pelo homem, será impossível redistribuí-la apenas com base no critério do trabalho humano. Será preciso, portanto, experimentar critérios novos, capazes de conjugar os méritos com as necessidades.

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    9) Dentro das organizações, a ciência de planejar e controlar as atividades dos “funcionários” logo deve converter-se na arte de motivar para a criatividade e remover as barreiras com as quais a burocracia tende a dificultar suas expressões. Dentro da sociedade, a preparação profissional ao trabalho criativo deve ser integrada com a preparação profissional ao ócio ativo, em vista de um sistema feito em grande parte de “novos desempregados”, ou seja, de libertos da escravidão do trabalho de tipo industrial.

    10) No século XXI, será necessário reeducar milhões de cidadãos do Primeiro Mundo, acostumados a concentrar toda a vida no trabalho, para que aprendam a reprogramá-la direcionando-a também ao não trabalho. O problema do desemprego só pode ser vencido se adotarmos ao mesmo tempo todas as soluções disponíveis: criando novas vagas de empego apenas se úteis de fato, reduzindo drasticamente o horário de trabalho quando se trata de funções executórias e desestruturando-o em todos os casos em que sua natureza permitir. Mas o problema do desemprego não deverá pôr em segundo plano o problema do tempo livre do trabalho. Na sociedade pré-industrial, muito trabalho misturava-se com o tempo livre e a socialização acontecia em casa, na praça, no ateliê, nos campos, na paróquia, na taberna, na escola. Exigir que hoje o trabalho seja a principal fonte de socialização e de identidade significa negar socialização e identidade aos 5/6 da população mundial: às crianças, aos estudantes, às donas de casa, aos idosos, aos nômades, aos desempregados, a todos aqueles que, no Terceiro Mundo, não têm nenhuma familiaridade com a categoria do trabalho como é interpretada no Primeiro Mundo. E isso significa fingir não saber que é muito comum que as pessoas não encontrem identidade e socialização no trabalho, mas embrutecimento, marginalização, conflito, isolamento. Hoje, a maioria dos trabalhadores investe todas as suas energias na carreira, passa no escritório grande parte do dia, perde o prazer da vida familiar e do lazer. No século XXI será necessário começar uma grande obra de educação dos jovens e de reeducação dos adultos workaholics para que aprendam como dar sentido e valor ao tempo livre, enriquecendo-o de introspecção, criatividade e convívio.

    11) No século XXI será necessário reeducar bilhões de cidadãos do Terceiro Mundo, que nunca trabalharam e que se acostumaram a basear a vida no não trabalho, de modo que aprendam a valorizá-la também por meio do trabalho. Essas populações têm o direito de cultivar necessidades humanas como a segurança, a longevidade, a liberação da dor física, o bem-estar. Quando, no século XXI, essa importante revolução cultural estiver completa, quando também no Terceiro Mundo as necessidades tiverem evoluído e a população tiver aprendido a arte de criar a riqueza necessária para satisfazê-las, o problema que hoje aflige o Primeiro Mundo, de como redistribuir o trabalho e o dinheiro, o saber e o poder, será reproposto em escala planetária.

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