Empresas que promovem este tipo de ação são mais rentáveis
Companhias que se preocupam com a responsabilidade social não fazem bem apenas à comunidade, mas também aos negócios
As empresas devem olhar apenas o lucro ou precisam se comprometer com desenvolvimento sustentável, redução da desigualdade social, preservação do meio ambiente e preocupação com a sociedade? Esse questionamento tem sido cada vez mais frequente dentro e fora das companhias. E dados comprovam essa percepção.
Do ponto de vista do consumo, os compradores estimulam empresas que se dedicam a temas socioambientais. Tanto que uma pesquisa realizada pela consultoria Nielsen em 2015 com 30 000 pessoas em 60 países revelou que 66% delas estavam dispostas a pagar mais por produtos e serviços de companhias comprometidas com essas questões.
No Brasil, os números são parecidos: 74% dos brasileiros preferem consumir produtos e serviços de empresas que tenham programas sustentáveis e 46% estão dispostos a pagar mais por produtos e serviços dessas empresas, segundo outro levantamento da consultoria feito em 2012.
Consequentemente, ter uma atuação engajada influencia positivamente nos resultados das organizações. Ainda de acordo com a Nielsen, as marcas sustentáveis cresceram 4% a mais em 2015 do que as que não tinham políticas desse tipo. Globalmente, 65% do total das vendas foi gerado por companhias com responsabilidade social.
Quando o assunto é investimento, essas organizações também se destacam como as mais valorizadas e confiáveis. De 2005 a 2018, o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3 (bolsa de valores de São Paulo) — estabelecido para analisar a performance das empresas em aspectos sustentáveis — apresentou rentabilidade de 203,8%, ante 175,38% do Ibovespa. No mesmo período, o ISE teve a menor volatilidade: 24,67%, enquanto a do Ibovespa foi de 27,46%.
Por trás de tudo isso está a responsabilidade social — uma maneira de conduzir as atividades empresariais pensando holisticamente na sociedade e no ambiente, mas sem deixar de lado os indicadores positivos de negócio. Há redução de custo, melhoria da produtividade, crescimento da receita, acesso ao mercado de capitais e aumento das exportações.
“Também há indicadores intangíveis, como valorização da marca, lealdade do consumidor e engajamento dos funcionários”, diz Haroldo Mattos Lemos, coordenador do MBA em gestão ambiental e sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGV). Mas boa vontade não basta para criar ações desse tipo. “O desafio é contratar um profissional ou uma consultoria com profundo conhecimento desse ramo. Se você não sabe o que e como fazer, os resultados não vão ser bons e você acabará gastando muito dinheiro”, diz Haroldo.
Perto de casa
As companhias que estão nas 150 Melhores Empresas de 2019 já entendem a importância do engajamento em causas socioambientais. Tanto que todas realizam ações de cunho social e 95% delas possuem programas de preservação da natureza — esses índices caem para 89% e 62%, respectivamente, entre as empresas que não se classificaram neste Guia.
Na montadora Renault, por exemplo, as práticas são variadas. Há desde a adequação à ISO 26 000 até ações de educação no trânsito. Mas um projeto que chama a atenção é o de desenvolvimento do bairro Borda do Campo, região da fábrica da empresa em São José dos Pinhais (PR).
“A comunidade é uma das mais violentas da cidade, com sérios problemas de prostituição, tráfico de drogas e agressão contra as mulheres”, explica Carlos Henrique Ferreira, vice-presidente do Instituto Renault (criado em 2010 para reunir as ações de sustentabilidade social e ambiental da companhia).
Há quatro anos, a empresa se uniu ao Borda Viva, uma associação de bairro criada por mulheres da comunidade que usa a costura para arrecadar dinheiro e distribuir alimentos.
A Renault construiu uma nova sede para o grupo de ativistas com direito a ateliê, cozinha industrial e restaurante que atende gratuitamente crianças em idade escolar e que vivem em situação de vulnerabilidade social — são oferecidas mais de 37 000 refeições por ano. Além disso, a montadora treinou as costureiras levando para a Casa da Costura uma designer de produtos e uma estilista, que ensinaram a desenvolver modelos, desenhar peças e garantir a qualidade do produto.
Mas por trás disso havia uma inovação: criar peças com materiais usados na fabricação de automóveis que, antes, seriam descartados. “Dois fornecedores de bancos começaram a doar sobras de tecido, de couro e cintos de segurança”, diz Carlos Henrique.
Desse trabalho surgem necessaires, bolsas, mochilas, sacolas e carteiras, que são vendidas na comunidade, em eventos em outras cidades brasileiras e na loja-conceito da Renault em Paris. Todo o dinheiro é revertido para a comunidade e o faturamento da associação aumentou sete vezes de 2015 a 2018.
Os empregados da multinacional francesa têm um papel importante nesse projeto — por isso, são comunicados sobre as ações e sobre os resultados obtidos pelo Instituto. “Estimular o voluntariado já gerou iniciativas vindas diretamente dos colaboradores, como doação de bicicletas e organização de um festival de rock para arrecadar dinheiro para o Borda Viva”, diz Carlos Henrique.
Unidos pela educação
Já a construtora e incorporadora MPD buscou se engajar focando o desenvolvimento educacional de seus funcionários. Desde 2012 a empresa possui uma escola de alfabetização itinerante que vai até os canteiros de obra dar aulas aos trabalhadores após o expediente. Antes de se sentar nas carteiras, o pessoal tem direito a banho e a um lanche, oferecidos pela companhia.
O professor faz uma avaliação individual para entender qual é a situação dos estudantes (analfabeto, semialfabetizado ou alfabetizado) e prepara aulas de acordo com o nível de cada um. As turmas estudam durante um semestre e, no final, são submetidas à prova do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) para medir seus conhecimentos e analisar o que é preciso melhorar.
Eles continuam com os estudos até atingir a pontuação necessária para obter o diploma do ensino básico (o 9o ano do ensino fundamental). Além dos celetistas da MPD, terceirizados que trabalham nas obras também podem participar.
Nos oito anos de programa, já foram formadas cerca de 500 pessoas. “Os funcionários dizem que podem passar o que aprendem aos filhos e que estão conseguindo se expressar de maneira melhor”, diz Afonso Caetano, responsável pelas áreas de inovação, processos de negócios e tecnologia da informação da MPD. Um deles revelou a Afonso que, antes das aulas, só pegava ônibus porque decorava o número da linha, mas não conseguia ler o letreiro.
A escola de alfabetização se desdobrou em outro projeto, o de inclusão digital, que teve início em 2016. Em uma sala montada pela empresa, os funcionários têm aulas básicas sobre computação, internet e pacote Office (como Word, Excel e PowerPoint). No fim do curso, que dura seis meses, os alunos fazem apresentações com base nos conceitos ensinados. Trinta pessoas, entre empregados e terceirizados, já participaram do projeto.
Uma delas foi Izabel Honorato, de 58 anos, copeira da MPD que trabalhou na companhia durante nove anos como terceirizada e foi contratada como CLT em 2014. “Mudou muita coisa na minha vida. Aprendi a mexer em redes sociais, a pesquisar preço da passagem para o Nordeste. Antes eu não sabia nem pegar num teclado”, diz. Ela ganhou, inclusive, um dos desktops doados pela empresa.
Cuidado com o meio ambiente
Há 114 anos no mercado brasileiro, a multinacional de agronegócio e investimentos Bunge encara a responsabilidade socioambiental como um pilar estratégico. Para isso, a empresa ajuda os produtores a cumprir normas florestais de sustentabilidade. De 2013 a 2017, por exemplo, a multinacional contou com o apoio da Ong The Nature Conservancy (TNC) para auxiliar produtores de 19 cidades na Bahia, Mato Grosso e Pará a cumprir integralmente o Novo Código Florestal.
Mais de 25 000 imóveis rurais foram beneficiados pelo projeto. “A Bunge não compra produtos de quem não respeita a lei, mesmo que seja uma boa oportunidade comercial. Para fornecer para nós, tem de ter cadastro ambiental rural e passar por processos internos de verificação”, diz Niveo Maluf, diretor de relações institucionais e sustentabilidade da Bunge.
Mas os projetos ambientais da organização não ficam restritos ao campo — a companhia estimula toda a população a pensar sobre sustentabilidade. Um exemplo é o Soya Recicla, feito em parceria com a ONG Instituto Triângulo, programa cujo objetivo é recolher óleo de cozinha usado e transformá-lo em sabão biodegradável ou em biodiesel. Para isso, há 1 200 pontos de coletas espalhados por todo o país e um estímulo aos doadores: 2 litros de óleo dão direito a duas barras de sabão.
Desde o início do projeto, a Bunge já coletou 6 milhões de litros de óleo, entregou mais de 1,8 milhão de kits de sabão e recolheu quase 5 milhões de embalagens plásticas para a reciclagem. “É um projeto que traz um retorno tangível porque engaja quem quer participar de algo que ajuda o meio ambiente”, diz Niveo.
Internamente, esses projetos ajudam, também, no engajamento dos funcionários. “O Brasil é um dos maiores ativos da companhia na América do Sul. Temos a responsabilidade de dar o exemplo”, diz Andrea Marquez, vice-presidente de gente e gestão da Bunge. Esse exemplo aparece no dia a dia de trabalho — e os chefes têm um papel fundamental. “A sustentabilidade precisa fazer parte da pauta da liderança, sempre tratamos do assunto nas reuniões. A gente trabalha muito para que esse cascateamento seja feito pelos gestores”, diz Andrea.