Em novembro a reforma trabalhista completa dois anos. Apesar do aniversário, não há muito o que comemorar quando olhamos os resultados econômicos.
A expectativa do governo federal, na época da aprovação, era gerar 2 milhões de empregos em dois anos, além de reduzir a informalidade e dar mais segurança jurídica às empresas e aos empregados. Mas isso não aconteceu como o previsto.
É verdade que a taxa de desemprego no Brasil caiu para o menor patamar do ano no fim do segundo trimestre (11,8%), mas ainda há 12,6 milhões de pessoas sem trabalho formal, segundo dados da última Pnad. Nessa toada, o percentual de trabalhadores por conta própria e o número de empregados sem carteira assinada bateram recorde em agosto, numa evidência do caráter ainda frágil da recuperação do mercado de trabalho.
São 38,7 milhões de pessoas nessa situação, ou 41,3% da população economicamente ativa. “A expectativa de melhora no mercado de trabalho não foi realizada por causa do cenário econômico do país”, diz Cimar Azeredo, coordenador do IBGE.
“O que temos visto é uma transferência de pessoas desempregadas para empregos informais ou de menor qualidade”, completa.
Os principais pontos da reforma trabalhista, como o aumento do prazo de contrato de temporários e a possibilidade de contratação de intermitentes, dividiram a opinião de especialistas na época da aprovação.
Muitos deles afirmavam que a reforma poderia culminar na precarização da força de trabalho e atingir especialmente as pessoas com renda menor.
O que ainda falta
Para o economista Caio Lacerda, a reforma trabalhista ainda não decolou por causa de problemas macroeconômicos. Muitos investimentos foram congelados, o consumo se recupera a passos lentos e a força de trabalho sente isso.
“A reforma por si só não será responsável por uma contratação em massa se a economia voltar a crescer. Fatores como confiança do consumidor, distribuição de renda e uma política com previsibilidade contribuem muito mais para a melhora do nível de emprego do que dar a possibilidade de trabalho temporário e intermitente”, afirma.
VOCÊ RH ouviu 18 empresas de grande porte do país que anunciam vagas intermitentes e temporárias, mas nenhuma delas quis comentar as mudanças que a reforma trabalhista trouxe para o dia a dia.
Embora as práticas sejam legalizadas, as companhias ainda têm receio de falar sobre as contratações. Segundo Luciana Véras, professora na Escola de Negócios da PUC-Rio, isso pode acontecer porque a reforma ainda deixa algumas dúvidas quanto à sua aplicabilidade por parte das empresas, em razão de posicionamentos contrários de membros do Judiciário e do Ministério Público do Trabalho, que entendem que as mudanças legislativas precarizaram os direitos trabalhistas.
“Ainda existe muita insegurança de como os tribunais vão se posicionar em relação a alguns temas trazidos pela nova lei. O trabalho intermitente e a jornada parcial ainda são pontos de divergência no Judiciário, por exemplo”, afirma Luciana.
As mudanças no mercado de trabalho não vão parar na reforma trabalhista. O presidente Jair Bolsonaro já deixou claro seu objetivo de continuar fazendo alterações e deixando o mercado mais flexível.
Prova disso é a recente aprovação da Medida Provisória no 881, de 2019, conhecida como MP da Liberdade Econômica. Entre as principais mudanças estão o controle de ponto (que deixa de ser obrigatório para empresas com até 20 empregados); a possibilidade de os bancos abrirem aos sábados; e o fim do alvará para atividades de baixo risco.
Além disso, o texto recém-convertido em lei separa o patrimônio dos sócios de empresas das dívidas da pessoa jurídica e proíbe que bens de empresas de um mesmo grupo sejam usados para quitar débitos da organização.
Segundo o governo federal, essa medida provisória poderá gerar, no prazo de dez anos, 3,7 milhões de empregos e mais de 7% de crescimento da economia. Para Paulo Renato, professor do MBA em recursos humanos do IAG — Escola de Negócios da PUC-Rio, as empresas não devem ter medo da reforma e da flexibilização.
“Devemos ver como uma importante janela de oportunidades para aperfeiçoar relações e processos internos, repensando estratégias”, diz. “Os profissionais de RH devem assumir um protagonismo nessas mudanças. Vai ser preciso muito estudo e dedicação, mas é um pretexto para estabelecer um novo patamar nas relações de trabalho.”
Para ajudar no entendimento da reforma trabalhista e fazer um balanço sobre os dois primeiros anos, VOCÊ RH ouviu especialistas e trouxe os principais pontos da lei. Confira a seguir.
Trabalho temporário e intermitente
Desde que entrou em vigor a nova lei trabalhista, uma a cada seis vagas criadas no Brasil foi para trabalho intermitente. Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, foram abertos 101 600 postos na modalidade, o que representa 15,4% do total de vagas geradas de novembro de 2017 a julho deste ano.
Os temporários também ganharam força. Com a reforma, o contrato ficou maior (são 180 dias, com a possibilidade de 90 dias adicionais). Até o fim deste ano, a Associação Brasileira do Trabalho Temporário (Asserttem) calcula que serão abertas 570 000 vagas, 14% mais do que em 2018.
Na consultoria Page Interim, da Michael Page, a demanda por esse tipo de contrato de trabalho aumentou 27% nos últimos 12 meses. “Vemos um crescimento de vagas temporárias em startups, varejo e serviços relacionados a apostas e projetos de expansão”, diz Maira Campos, diretora da Page Interim.
“Já a contratação intermitente timidamente ganha espaço em estruturas operacionais, como restaurantes e obras.” O primeiro passo para a empresa entender se vale a pena apostar nessas modalidades de contratação é definir se a demanda é pontual ou crescente. Para Maira, os pontos positivos do trabalho temporário passam pelo atendimento direto à necessidade da companhia em demandas de curto prazo.
“Ao empregado, além da possibilidade de se recolocar e trabalhar por projeto, há uma chance de buscar também a internalização na empresa”, diz. No caso dos intermitentes o ponto negativo é a menor disponibilidade do profissional em períodos contínuos, pois nessa modalidade ele poderá atuar por hora, dia, mês ou conforme acordado.
Nilson Pereira, CEO do ManpowerGroup, reforça que nessa modalidade os direitos trabalhistas são mantidos. “Mas as organizações têm a vantagem de pagar encargos sociais menores e economizam com custo de demissão e recrutamento, já que contratam empresas especializadas para isso”, diz.
Demissões por comum acordo
Uma das novas possibilidades jurídicas é a demissão por acordo comum. Segundo levantamento realizado pelo antigo Ministério do Trabalho e Emprego, no primeiro ano da reforma foram realizados 122 000 desligamentos dessa forma.
Os dados mais recentes são de agosto deste ano e mostram que 1,5% das demissões do mês foram “acordadas”. Segundo Claudio Dias de Castro, sócio da área trabalhista do Martinelli Advogados, esse número tende a crescer. “É interessante para o empregado que deseja sair da empresa e já tem outro emprego em vista”, explica.
Esse formato também é uma boa alternativa à empresa que deseja reduzir custos decorrentes do desligamento porque as verbas devidas pelo empregador são 50% do aviso prévio e 50% da multa do FGTS. Além disso, o empregado tem direito de sacar 80% do saldo depositado em sua conta no FGTS.
Mas, vale lembrar, as duas partes (empregado e empregador) precisam estar de acordo para que esse formato seja válido do ponto de vista legal. “Se houver prova de que uma das partes foi coagida, forçada ou induzida a fazer o acordo, a rescisão poderá ser anulada por decisão da Justiça do Trabalho”, diz Claudio.
Acordos coletivos
Agora os acordos coletivos prevalecem ao que está estabelecido na lei. Contudo, na prática, eles têm sido dificultados porque houve um enfraquecimento dos sindicatos depois que a contribuição sindical deixou de ser obrigatória por lei.
Um levantamento do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) aponta para uma redução de 90% na arrecadação entre 2017 e 2018. “Os acordos têm saído do papel, mas há um receio de como serão interpretados pelos Tribunais Trabalhistas”, diz Gabriella Cociolito, associada sênior da área trabalhista do Pinheiro Neto Advogados.
“Como a reforma inverteu a ordem hierárquica entre lei e acordo coletivo, isso ainda deve demorar algum tempo para se consolidar.”
Jornada de trabalho diferenciada
Com as mudanças na lei trabalhista, é possível estender a jornada regular de 8 horas diárias para 12 horas, com descanso de 36 horas, bastando haver acordo individual escrito entre o empregado e o empregador. Mas na prática isso não é amplamente usado por todas as profissões.
Isso porque existe um embate jurídico. Na Constituição Federal há um artigo que não permite que a duração do trabalho seja superior a 8 horas. Recentemente o Tribunal Superior do Trabalho (TST) emitiu uma nota afirmando que algumas atividades, como as de enfermagem e de vigilância, exigem o trabalho em plantões e podem fazer a jornada estendida.
“As empresas só estão usando isso para contratos de trabalho em que o plantão se faz necessário”, explica Gilberto Costa Filho, sócio do escritório Gomes de Mattos e Coimbra. Ele alerta que a jornada deve, sempre que possível, respeitar a regra que prevê a duração do trabalho normal não superior a 8 horas diárias.
“As empresas devem ter cuidado e prestar atenção para incluir eventuais exceções nas convenções ou nos acordos coletivos de trabalho”, afirma.
Processos trabalhistas
A questão de processos trabalhistas sofreu uma alteração importante com a reforma. O reclamante (ex-empregado) precisa pagar honorários para o advogado da empresa quando os pedidos são julgados improcedentes. Por causa disso, o número de ações despencou. Antes da reforma, em 2017, o TST registrou 2,6 milhões de ações.
O número caiu para 1,7 milhão em 2018 e estava em pouco mais de 1 milhão até julho de 2019. “Antes da reforma, houve um crescimento de ações com pedidos de indenizações milionárias sob o título de dano moral”, diz Claudio, do Martinelli Advogados.
Segundo Gabriella, do Pinheiro Neto Advogados, depois da reforma as ações passaram a ser mais realistas. “As empresas têm mais facilidade para estimar a real contingência envolvida em determinada reclamação trabalhista, inclusive para propor acordo antes do julgamento do caso”, diz a advogada.