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Conheça as oportunidades no mercado de streaming

Chegada de duas importantes plataformas de conteúdo sob demanda, Disney+ e HBO Max, aquece o mercado audiovisual brasileiro

Por Juliana Américo
Atualizado em 5 dez 2020, 20h54 - Publicado em 29 jul 2020, 07h00
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  • Matéria originalmente publicada na Revista VOCÊ S/A, edição 265, em 19 de junho de 2020. 

    O dramaturgo Nelson Rodrigues dizia que a televisão matou a janela. Ele só não contava que algo também ameaçaria matar a TV — o que as plataformas de streaming, aos poucos, vêm fazendo. Nos anos 1970, novelas da Globo atingiam quase 100 pontos de audiência. Hoje, mesmo na quarentena, com tanta gente em casa, a média de televisores ligados numa grande emissora raramente passa da casa dos 40 pontos. Enquanto a TV aberta perde público, e a fechada, assinantes, os serviços sob demanda só crescem.

    Segundo a empresa de inteligência Conviva, o tempo gasto com filmes, séries, documentários e transmissões esportivas em streaming subiu globalmente 58% no último trimestre de 2019. Não é diferente no Brasil. Por aqui, um levantamento realizado no ano passado pelo Google e pela consultoria Provokers, revelou que os brasileiros acessam hoje mais conteúdo online do que offline. Em cinco anos, o consumo de vídeo na web cresceu 165%, ante 25% das TVs aberta e fechada. E esses números devem dilatar mais. Isso porque o mercado nacional se prepara para receber dois pesos pesados: o Disney+, com estreia prevista para novembro, e o HBO Max, que desembarcará no país em 2021.

    Para ter uma ideia, em seis meses de operação nos Estados Unidos e em parte da Europa, o Disney+ já atingiu 50 milhões de assinantes. A Netflix, sua principal concorrente, não ficou para trás. No primeiro trimestre deste ano, registrou aumento de 16 milhões de clientes no mundo — o confinamento provocado pela covid-19 ajudou no crescimento dessas plataformas.

    Somados, esses movimentos vêm aquecendo o mercado de trabalho do audiovisual brasileiro. Neste momento, com as produções suspensas por causa da pandemia do coronavírus, o segmento está parado. Mas a expectativa é de retomada rápida assim que as atividades represadas forem liberadas. “Esse é um setor com alta necessidade de mão de obra. Empregam-se profissionais de produção, marqueteiros, tradutores, dubladores, editores de imagem, técnicos de som, entre outros”, diz Marcelo Souza, CEO da empresa de recrutamento Soulan.

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    (Arte/VOCÊ S/A)

    Público promissor

    De acordo com a App Annie, companhia americana de análise do mercado mobile, o Brasil ocupa a segunda posição entre as nações com mais tempo gasto em serviços de streaming. De 2016 a 2018, a alta foi de 130% — em primeiro lugar está a Índia, com mais de 185% de crescimento nas visualizações.

    O nicho é tão propício que, no ano passado, a Netflix anunciou durante o Futurecom, maior evento de telecomunicações da América Latina, que gastaria em 2020 cerca de 350 milhões de reais para a produção e o licenciamento de filmes, séries e documentários produzidos no Brasil. “Investimentos como esse geram um fluxo importante para quem atua com audiovisual”, afirma Humberto Neiva, coordenador do curso de cinema da Faculdade Armando Alvares Penteado (FAAP).

    Basta fazer uma rápida pesquisa no LinkedIn para observar isso. Por lá, já são comuns anúncios de vagas em empresas como Netflix e Amazon Prime (o streaming da Amazon, que chegou ao Brasil há pouco menos de um ano). No início de maio, havia 22 oportunidades abertas no setor, tanto para níveis operacionais quanto gerenciais. “Há demanda por profissionais de tecnologia, finanças, audiovisual, marketing e jornalismo. Muitas vagas são para atuar com redes sociais, porque o relacionamento com o cliente em uma empresa on demand é fundamental”, diz Genis Fidelis, gerente sênior da consultoria de recrutamento Michael Page.

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    Juliana Barbieri, de 34 anos, é prova disso. Diretora de marketing da Mubi, plataforma de streaming especializada em filmes cult e independentes, ela começou a carreira no setor de telecomunicações. Trabalhou nas equipes de marketing das companhias Nextel e Oi até 2012, quando deixou o emprego para estudar. Fez pós-graduação em cinematografia na Universidade de Nova York e, depois, engatou um mestrado em estudos de mídia na Parsons School of Design, também em Nova York. “Esses cursos mudaram minha visão sobre distribuição de conteúdo e modelo de negócios.” Após trabalhar como gerente de estúdio do famoso fotógrafo americano David LaChapelle­ e como gerente de desenvolvimento de negócios da produtora mexicana Ítaca Films, Juliana foi contratada, em 2018, para trazer a plataforma norte-americana Mubi para o Brasil.

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    Juliana Barbieri, diretora de marketing da Mubi, plataforma on demand de filmes independentes: ela se divide entre São Paulo, Londres e Nova York (Celso Doni/VOCÊ S/A)

    Na época, ela tinha acabado de voltar para o país e estava em busca de uma oportunidade no streaming. “Fiz três rodadas de entrevistas remotas com CEO, vice-presidente de marketing e diretora de programação. Em seguida, fui para Londres fazer a integração.” Hoje, além das atividades em São Paulo, ela divide seu tempo entre os escritórios de Nova York e Londres. “O cliente de streaming é volátil. Ele pode cancelar a assinatura de um dia para outro. Por isso, o profissional de marketing que atua com streaming precisa ter um olhar holístico. Acompanhar métricas, vendas e indicadores de desempenho e, ao mesmo tempo, estar atento à grade de programação e às iniciativas dos concorrentes. “Também lidamos com a equipe de tecnologia para alinhar questões técnicas, compatibilizando plataforma e conteúdo”, afirma a Juliana.

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    A tecnologia, de fato, anda de mãos dadas com o mercado de streaming. Implementação de blockchain para segurança, uso de inteligência artificial para filtrar comportamentos do consumidor e soluções baseadas em nuvem são alguns dos aspectos que exigem dessas empresas uma equipe de TI fortalecida. “Existem vários novos cargos surgindo para apoiar o streaming, como o de especialista em wi-fi. Fora a cadeia que ele cria, com diversas empresas surgindo para prestar serviços às plataformas”, diz Matthew Anderson, diretor de marketing da Roku, companhia norte-americana de softwares para TVs inteligentes, no Brasil desde janeiro.

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    (Arte/VOCÊ S/A)

    Um exemplo dessa proliferação é a Encripta. Fundada há oito anos, a companhia oferece licenciamento, digitalização e compactação de conteúdo, além de ferramentas para gerenciamento do material de vídeo e tecnologia antifraude. “Enviei e-mail para um dos sócios da Netflix para oferecer o serviço no Brasil, e ele me respondeu falando que havia uma pessoa vindo ao país para preparar a entrada da empresa no mercado. Marcamos uma reunião”, lembra Marcelo Spinassé, CEO da Encripta. Desde a chegada da Netflix, há nove anos, a Encripta é a única brasileira homologada como parceira da companhia americana.

    Hoje, emprega 100 funcionários — e tem planos de contratar mais 50 pessoas até o final do ano para as áreas de desenvolvimento, operações, controle de qualidade e tradução. Com clientes como Net, Sky, Vivo, Amazon, Apple e GVT, a Encripta lançou há quatro anos seu próprio serviço de streaming: o Looke, que, além de oferecer plano de assinatura, permite locação e compra de filmes avulsos. “Em 2015, a Encripta estava em processo de expansão e a Netflix começou um movimento de produção própria. Foi quando veio o questionamento: ‘E se ela parar de licenciar os filmes que trazemos?’. Então, decidimos criar uma plataforma nossa para ter contato direto com o consumidor”, explica Marcelo.

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    Conteúdo nacional

    Por mais que as multinacionais ainda sejam a principal referência em streaming, as companhias nacionais ganham relevância. O Globoplay, braço on demand da Globo, deve investir em 2020 1 bilhão de reais em conteúdo, tecnologia, marketing e vendas e lançar até o final do ano dez produções originais e oito coproduções. Criado em 2015, o serviço vem ganhando público com séries próprias, como Hebe e Desalma, e licenciamentos internacionais, como The Handmaid’s Tale e The Good Doctor. Nos primeiros três meses deste ano, a plataforma registrou aumento de 123% nas horas consumidas em relação ao mesmo trimestre de 2019. Já a base de assinantes saltou 124% no período.

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    Carlos Manga Jr, diretor da série Desalma, do Globoplay: a emissora investiu 1 bilhão de reais no streaming em 2021 (Globo/Estevam Avellar/Divulgação)

    Hoje, conta com 400 funcionários que se dividem entre o Globoplay e o Hub Digital (como é chamada a área responsável pela tecnologia), sem considerar elenco, figurantes e os cerca de 3.800 indiretos, que atuam em produtoras independentes que são parceiras.

    Para ampliar sua penetração no mercado, a plataforma fez uma parceria com a Roku — sistema operacional que roda em TVs inteligentes da marca AOC — para ter um atalho de acesso ao seu serviço tanto na tela quanto no controle remoto. “O que está acontecendo é uma mudança no padrão de consumo e de produção da televisão, com um cenário competitivo complexo. Saímos de um mundo de TV aberta, onde havia apenas competidores brasileiros, para disputar audiência com empresas globais muito fortes”, afirmou Erick Brêtas, diretor-geral do Globoplay, durante o evento de lançamento da parceria com a Roku.

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    Tecla SAP

    Um levantamento de 2015 do Filme B, portal que monitora o mercado de cinema no Brasil, mostrou que 59% das pessoas optaram por longas dublados — 28% assistiram a filmes legendados e 13% a produções nacionais. Em 2017, o vice-presidente de produtos da Netflix, Todd Yellin, confirmou a tendência. Segundo ele, o Brasil é o país latino-americano que menos consome legendas. A série 13 Reasons Why, por exemplo, foi assistida na versão dublada por 84% dos assinantes.

    De olho nesse mercado, as dubladoras Rayani Immediato (que trabalhou em  Meninas Superpoderosas e ­Catfish) e Mabel Cezar (que emprestou falas à Minnie, da Turma do Mickey, e à Leia, de Star Wars) fundaram em 2016 a empresa Sociedade Brasileira de Dublagem (SBD). “O segmento de dublagem passou por ondas. A primeira foi na década de 1960, com o avanço da TV aberta, quando o governo determinou que toda a programação deveria ser em português. Depois veio a TV a cabo, que permitia escolher o idioma, e agora é a vez do streaming”, diz Rayani.

    Além de tradução e dublagem, a companhia da dupla oferece cursos de profissionalização, visto que não há faculdade de dublagem. “Com o aumento da demanda, se os profissionais não se aperfeiçoarem, a qualidade dos serviços cairá. Por isso, estamos formando e preparando pessoas para atuar melhor nesse segmento”, afirma Mabel. Em 2019, a SBD recebeu 3.500 alunos e faturou 5 milhões de reais. Não precisa de legenda para explicar que o avanço do streaming amplia — e muito — as possibilidades para quem trabalha com audiovisual.


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