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Saiba como estas empresas se engajaram para combater a violência doméstica

Diante do aumento da violência doméstica no país, empresas se engajam para combater o problema criando programas de acolhimentos para as funcionárias

Por Alexa Meirelles
Atualizado em 15 dez 2020, 10h05 - Publicado em 10 dez 2019, 06h00
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  • Denise Neves dos Anjos era uma funcionária exemplar. Gerente de uma loja do Magazine Luiza na cidade de Campinas, no interior de São Paulo, não dava pistas de que vivia um drama pessoal fora dali.

    Vítima de violência doméstica, os colegas de trabalho só descobriram que ela era constantemente agredida quando o ciclo de agressão atingiu seu ápice: o feminicídio. Em 2017, aos 37 anos, a profissional foi brutalmente assassinada pelo marido. Situações assim não são isoladas no Brasil.

    De acordo com o 13o anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, lançado em agosto, há um registro de violência doméstica a cada 2 minutos no país.

    Só em 2018 foram 263 067 casos de lesão corporal dolosa, aumento de 0,8% em comparação ao ano anterior, e 1 206 assassinatos — alta de 4% no mesmo período. Em 88,8% das mortes, o autor do crime era o companheiro ou o ex-companheiro.

    A morte da trabalhadora gerou um questionamento em Luiza Helena Trajano, presidente do conselho de administração do Magazine Luiza: “Por que ninguém da loja reparou que havia um problema ali?” Decidida a evitar que a situação se repetisse, a executiva criou há dois anos um programa de acolhimento para as funcionárias vítimas de violência.

    Sua primeira medida foi disponibilizar um canal telefônico no qual as empregadas pudessem buscar ajuda psicológica e jurídica. Desde a inauguração da linha, 274 mulheres já foram atendidas.

    Em 15% dos casos, foi necessário transferi-las para outra unidade por motivos de segurança. E a busca pela ferramenta, segundo a companhia, tem crescido: em 2018 foram 108 atendimentos. Até setembro deste ano, já eram 109 registros (hoje, todos os novos empregados são apresentados oficialmente ao programa durante a integração).

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    Carolina Ferreira, gerente jurídica da Marisa: a varejista decidiu enfrentar o problema da violência doméstica depois de receber nove pedidos de socorro de funcionárias | Foto: Rogerio Albuquerque

    Além da criação de um canal de apoio, outra atitude do Magazine Luiza foi treinar a liderança para identificar evidências de violência doméstica.

    “Orientamos os gestores a checar a baixa produtividade, observar se a mulher fica pelos cantos, se ela chora, se não quer fazer amizade”, diz Tarsila Mendonça, analista de integridade do Magazine Luiza e responsável pelo Canal da Mulher.

    Segundo ela, foi importante também esclarecer que a agressão não é só física, pode ser psicológica. Isso porque muitas vezes quem acessa a ferramenta não é a vítima — e sim um chefe ou colega que conseguiu identificar o problema.

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    Cristina Kerr, professora na Fundação Dom Cabral e CEO da CKZ Diversidade, consultoria de diversidade para empresas, ressalta que o principal desafio do RH nesse processo é conscientizar e sensibilizar a organização.

    “As pessoas costumam achar que elas não têm nada a ver com isso. Primeiro, é essencial desconstruir aquela crença, que aprendemos desde cedo, de que ‘em briga de marido e mulher ninguém mete a colher’”, diz a especialista. Se o assunto for um tabu, dificilmente o canal de apoio será utilizado.

    “As empresas devem fazer campanhas, rodas de conversa e workshops sobre o tema, explicitando que apoiam a causa”, completa Cristina.

    Esse papel “comunicador” do RH, de criar espaços de diálogo e de troca de informações, é fundamental para que os funcionários sintam que a preocupação é genuína e tenham coragem de agir.

    Com 80% de mulheres em seu quadro, a Marisa abraçou a questão em março deste ano, depois de receber nove pedidos de socorro de funcionárias que estavam sendo ameaçadas ou agredidas pelos companheiros. Antes de iniciar um programa de combate à violência doméstica, a companhia procurou o Magazine Luiza.

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    Depois de ouvir os conselhos da própria Luiza Helena Trajano, os executivos da varejista de moda conversaram também com os responsáveis pelo canal para entender qual seria a melhor maneira de estruturar a própria política.

    Depois disso, a Marisa ainda aplicou uma pesquisa sobre violência doméstica em todos os empregados para mapear o que pensavam a respeito.

    O resultado do levantamento apontou que o conhecimento era alto entre o público feminino e o masculino: 98% das mulheres e 95% dos homens afirmaram que sabiam do que se tratava a violência doméstica.

    Ainda assim, a Marisa detectou que a maioria associava a questão exclusivamente à agressão física. Mas a lei diz que situações de abuso emocional, como desvalorização, xingamento e piadas machistas, também configuram violência.

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    A fim de informar seu público interno, a Marisa levou a promotora de Justiça Gabriela Manssur, do Ministério Público de São Paulo, (MPSP) ao escritório central para fazer uma palestra sobre o assunto.

    A companhia também produziu um vasto material informativo. “Elaboramos um calendário de comunicação para esclarecer o que é violência doméstica.

    Usamos nossa plataforma online de treinamentos, as TVs internas, os murais, a intranet e até reuniões conduzidas pela liderança para falar sobre o tema. Além disso, temos 20 embaixadores da causa que geram discussões e planos de ação”, diz Carolina Ferreira, gerente jurídica da Marisa.

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    Inspirada pelos resultados do Magazine Luiza, com quem fez benchmarking, a Marisa criou o próprio canal para as empregadas buscarem ajuda. Para isso, contratou consultorias especializadas para atendê-las e orientá-las.

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    Todo o processo é sigiloso e, quando necessário, a equipe atende a vítima presencialmente. “Com as mulheres que estão em situação de violência ou na iminência de sofrer abuso, há um acompanhamento diário até que a situação seja resolvida.

    Caso a funcionária queira seguir com o pedido de medida protetiva, a Marisa aciona a Delegacia da Mulher ou delegacias comuns, a depender da região, indicando a ela o melhor direcionamento”, afirma Carolina.

    Já se a ligação é feita por um terceiro — como um gestor, por exemplo —, a assessoria especializada entra em contato com a empregada para compreender o caso com todo o cuidado.

    O maior desafio do programa, pontua Carolina, é convencer as mulheres a usá-lo. “Elas se sentem envergonhadas e temem o julgamento.

    Como muitas têm medo de fazer uma denúncia formal, nossa missão é desmistificar a ideia de que o canal é uma ligação direta com a polícia”, afirma a executiva, que também é líder da comissão de Enfrentamento à Violência Doméstica Contra a Mulher da Marisa.

    O grupo, formado por oito mulheres que atuam em diferentes áreas da varejista, como jurídica, RH, marketing e operações, se reú­ne uma vez por mês para discutir casos críticos e preparar materiais e ações sobre o assunto, além disso, responde diretamente ao presidente da companhia, Marcelo Pimentel.

    Além de ser positivo para as vítimas, o combate à violência é benéfico para o mundo corporativo, inclusive em aspectos menos óbvios, como atração e retenção de talentos. Pesquisas mostram que gerações como a Z — nascidos a partir dos anos 90 — são mais seletivas quando buscam um emprego.

    Fora autonomia e flexibilidade, elas querem alinhamento de valores e um propósito na carreira. “A empresa que foca os temas sociais ganha a confiança de consumidores e funcionários. Quem não quer trabalhar numa companhia engajada?”, diz Elizabeth Scheibmayr, líder do comitê de combate à violência da Rede Mulheres do Brasil.

    Presidida por Luiza Helena Trajano, a Rede Mulheres do Brasil busca despertar a sociedade civil para conquistar melhorias para o país. O grupo tem mais de 25 000 integrantes no Brasil e no exterior.

    “As empresas têm medo de perder dinheiro, mas uma funcionária que sofre violência doméstica falta, fica desconcentrada, adoece e pede demissão. Há uma perda de potencial humano. E isso afeta financeiramente a companhia.”

    Um estudo realizado em 2017 pela Universidade Federal do Cea­rá (UFC) em parceria com o Instituto Maria da Penha (IMP) no Nordeste, com 10 000 mulheres, mostrou que, naquele ano, as trabalhadoras que declararam sofrer violência por parte dos companheiros faltaram ao trabalho, em média, 18 dias no ano.

    Entre elas, 47% relataram perder de um a três dias; 22%, de quatro a sete dias; 20%, de oito a 29 dias; e 12%, 30 dias ou mais. O levantamento estimou que, só por causa do absentismo causado por violência doméstica, a perda para as companhias de capitais nordestinas é de cerca de 64,4 milhões de reais.

    Movimento crescente

    No fim de agosto, o Instituto Avon e a ONU Mulheres lançaram a Coalizão Empresarial pelo Combate à Violência Contra Mulheres e Meninas com o intuito de envolver líderes da iniciativa privada contra o problema.

    Mais de 100 CEOs se reuniram em São Paulo para assinar o compromisso voluntário, que prevê ações como a adesão aos princípios de empoderamento das mulheres, desenvolvimento de atividades de capacitação para o enfrentamento da violência doméstica, implementação de políticas contra o assédio sexual e promoção de campanhas internas contra a agressão feminina.

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    “Não imaginávamos que a adesão seria tão grande. Mas tocamos em um problema latente. Afinal, onde estão as vítimas de violência doméstica? Estão dentro das empresas. Se você tem uma organização que emprega mulheres e acredita que não há casos de violência, tome cuidado. Você pode não estar prestando a devida atenção”, diz Daniela Grelin, diretora executiva do Instituto Avon.

    Quando uma companhia toma consciência de que o problema também é dela, abre uma janela de oportunidade para essas mulheres. Pesquisa encomendada em fevereiro pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública ao Datafolha mostrou que 52% das vítimas não denunciaram o algoz. Um dos motivos é a dependência financeira do parceiro.

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    Tarsila Mendonça, analista de integridade, e Samir Silva, gerente de gestão de pessoas do Magazine Luiza: depois da morte de uma empregada, a companhia iniciou ciclo de conscientização | Leandro Fonseca

    Pensando nisso, a promotora Gabriela Manssur idealizou o projeto Tem Saída. A iniciativa, que conta com o apoio do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e da prefeitura de São Paulo, ajuda mulheres que estão sendo atacadas pelo marido a conseguir um emprego.

    Essas profissionais vão até os postos da Secretaria do Trabalho e do Empreendedorismo e são encaminhadas para vagas de uma das empresas parceiras.

    Hoje, a iniciativa tem dez companhias participantes, entre elas Carrefour, Atento, Sodexo e Magazine Luiza. “Contratar essas mulheres demanda atenção por parte do RH. Na entrevista de emprego, o olhar deve ser mais cuidadoso. Não é recomendado questionar detalhes da vida íntima da candidata.

    O recrutador tem de considerar que ela está fragilizada e evitar perguntas que a façam voltar à situação de violência”, explica Samir Silva, gerente de gestão de pessoas do Magazine Luiza. Ele ressalta ainda que a chefia precisa estar preparada para algumas ausências dessa funcionária, tanto para ir a audiências quanto para solucionar eventuais questões pessoais.

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    Ao todo, 156 mulheres já foram recrutadas pelas companhias que integram o Tem Saída. “Mulheres que pensavam que nunca sairiam desse círculo vicioso estão recebendo uma oportunidade. É gratificante receber o feedback delas e saber que as ajudamos a começar de novo”, diz Lilian Rauld, líder de diversidade e inclusão da Sodexo On-site Brasil, que recruta mulheres a partir do programa.

    Uma das contratadas pela Sodexo On-site foi Mariana (nome fictício para preservar a identidade da vítima). Casada por 11 anos, ela foi submetida aos mais diversos níveis de violência. Conheceu o projeto Tem Saída por indicação de psicólogos quando fazia terapia no Fórum do Butantã, em São Paulo.

    Antes de conseguir a vaga de assistente administrativa, a profissional trabalhava informalmente na clínica da sogra. “Quando me separei, eu tinha 31 anos e nenhum registro em carteira. Era um vazio enorme. Agora tenho autonomia e faço planos para voltar à faculdade de psicologia”, afirma.

     

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