Nostálgico sobre os afetos da infância, perguntei ao ChatGPT qual foi a escalação do Palmeiras numa partida contra a Ponte Preta em 1978, o primeiro jogo ao qual fui a um estádio, levado pela mão do meu pai. A resposta foi decepcionante: misturou jogadores de épocas diversas, incluindo atletas já aposentados e outros que nem jogavam ainda.
“Nesse caso, o ChatGPT alucinou”, afirmou Sérgio Gama, que atua como engenheiro de prompt na consultoria de tecnologia 200DEV, onde também é CTO.
“Alucinar”, no contexto das inteligências artificiais generativas, é dar respostas sem pé nem cabeça, ainda que tenham alguma ligação com o que foi perguntado. “No caso dessa IA, você tem de ser bem específico: acrescentar na sua pergunta a data do jogo, o nome e a localização do estádio, a competição de que o time participava. Aí a chance de uma resposta perfeita é maior.”
Engenheiro mecatrônico de formação, Gama trabalhava com desenvolvimento de sistemas, especializando-se em dados – uma reunião de competências, hoje, muito favorável a essa profissão recém-nascida. Foi em sua passagem pela IBM que ingressou no mundo da inteligência artificial, em 2014, mas só se tornou prompt engineer em janeiro de 2023.
Esse profissional – geralmente um engenheiro de software ou expert em data science – torna-se especialista em desenvolver, refinar e otimizar instruções específicas (prompts) para um modelo de IA generativa (as que geram basicamente qualquer texto ou imagem de acordo com orientações por escrito).
Bons prompts dão à luz respostas precisas e com o tom e objetivo de cada negócio. Claro, como esse tipo de IA só começou a ganhar espaço em 2022, quando a OpenAI lançou o Dall-E 2 (que gera imagens) e o ChatGPT (que cria textos), a atividade ainda está em seus primórdios, repleta de incertezas – mas de oportunidades potenciais também.
Por um lado, ela pode ser necessária em praticamente todos os ramos de negócio. Um exemplo: Sérgio Gama já fez chats baseados em IA generativa para bancos, criando prompts para explicar derivativos, e também criou uma personagem que interagia com quem tinha perguntas sobre o Festival Literário Internacional de Óbidos – que ocorreu em outubro, em Portugal, com a presença de Ney Matogrosso.
“Fez parte do meu trabalho instruir o sistema a, quando alguém perguntasse ‘o Ney vai estar lá?’, não responder que não sabia de que Ney a pessoa estava falando. Diria assim: ‘se você está se referindo ao artista brasileiro Ney Matogrosso, sim, esse artista se apresentará no festival’.”
Técnico, mas com habilidades comportamentais
Além de entender como funciona o “cérebro” de uma IA, o engenheiro de prompt tem de saber ouvir o cliente, de modo a se inteirar do negócio. É o que diz Rodrigo Michelino, head de TI e RH na Experis Brasil, marca do ManpowerGroup especializada em recrutar talentos das áreas de tecnologia, finanças e engenharia: “Por mais técnico que seja, o profissional precisa muito de soft skills. É essencial ter poder de comunicação, de síntese e saber conversar com os interlocutores da empresa. Precisa de uma visão multidisciplinar”.
Esse caráter multidisciplinar da profissão pode ser uma barreira: entender de tecnologia, comunicação, ética, negociação… Não é pouco. “A tendência é ter um leque de mercado muito grande, mas as demandas de competências acabarão restringindo as pessoas elegíveis para essa vaga.”
Estamos presenciando o florescer de uma profissão. Por isso, ainda há raros anúncios de empregos no Brasil e incertezas quanto aos caminhos pelos quais esse tipo específico de profissional vai seguir. Mas, nos Estados Unidos, segundo o especialista da Experis, já há gente ganhando US$ 300 mil por ano. Um valor tão atraente quanto participar de uma revolução tecnológica na sua aurora.
ATIVIDADES-CHAVE
Lidar com dados. Desenvolver, aprimorar e corrigir instruções específicas para um modelo de IA generativa de modo a proporcionar respostas precisas. Interagir com os clientes para obter o melhor conteúdo possível.
QUEM CONTRATA
Empresas de tecnologia. No futuro próximo, é possível que qualquer ramo de negócio precise dos serviços de um.
O QUE FAZER PARA ATUAR NA ÁREA
Hoje (isso pode mudar conforme a profissão evolui), a pessoa deve ter experiência com engenharia de software, saber lidar com dados e ter soft skills bem desenvolvidas.
MÉDIA SALARIAL
De R$ 8 mil a R$ 30 mil no Brasil. (Fonte: Experis)