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Como acolher funcionários que estão de luto?

A pandemia da covid-19 tornou a morte um assunto inevitável. Saiba como as organizações estão agindo para apoiar profissionais que vivem essa dor

Por Marcia Di Domenico
Atualizado em 5 nov 2021, 15h51 - Publicado em 8 nov 2020, 09h00
 (Mike Labrum/Unsplash/Unsplash/Unsplash/Unsplash)
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Esta reportagem faz parte da edição 69 de VOCÊ RH.

Por definição, o luto é um processo natural desencadeado pelo rompimento de um vínculo. A morte é a perda mais óbvia e diretamente associada ao sentimento, mas não é a única. Divórcio, aposentadoria e demissão, por exemplo, também representam quebras de laços e podem gerar processos de luto profundo, dependendo da situação individual. Com a pandemia, o que estamos vivendo é um luto coletivo. “Além de mortes em massa, há a sensação de falência do mundo como conhecíamos até então e uma sobreposição de outras perdas, como a financeira, da liberdade, do convívio social, e a interrupção de planos e projetos”, explica a psicóloga Mariana Clark, especialista em luto, que trabalha com as famílias das vítimas do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG).

Falar de morte é algo que as pessoas costumam evitar. Ninguém se sente confortável em um velório nem sabe muito bem o que dizer a alguém que tenha acabado de perder um ente querido, por mais que a relação seja de consideração e afeto. No contexto do trabalho, o tabu também existe. “As organizações são locais onde muitas vezes as pessoas não têm espaço para demonstrar emoções e vulnerabilidade. Mesmo na situação de falecimento de um parente, o profissional tem medo de que a fragilidade seja interpretada como fraqueza e incapacidade de continuar produzindo”, diz Bernardo Leite Moreira, psicólogo e consultor em gestão e desenvolvimento organizacional. Ele coordenou a pesquisa Melhores Práticas para Lidar com o Luto no Ambiente Profissional, realizada em setembro de 2019 pelo Projeto Humanize, iniciativa da Best Homenagens, firma de soluções corporativas para prestação de homenagens.

Isso explica por que as empresas dificilmente têm políticas estruturadas para apoiar seus funcionários em situações de luto. “Quase sempre somos procurados quando a crise já está instalada, ou seja, quando alguma morte ocorreu, e a organização não sabe como enfrentar a situação”, afirma Valeria Tinoco, psicóloga do Instituto Quatro Estações, especializado em atendimento do luto. Ela destaca, ainda, que iniciativas de apoio normalmente são tomadas quando o impacto do falecimento é grande e afeta muitas pessoas, como no caso de ser o dono, o presidente ou um líder de equipe. Acidentes de trabalho com vítimas também desestruturam o ambiente e costumam exigir providências.

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Ambientes acolhedores

A pandemia trouxe uma preocupação maior das empresas com a saúde mental dos empregados. Entre as razões estão o fato de que muitos perderam parentes ou colegas de trabalho para a doença e, também, a sensação geral de medo e incerteza que se instalou. Por isso, algumas companhias vão além do que está estabelecido na CLT (três dias de licença na morte de um familiar) e dão mais dias de afastamento, distribuem auxílio-funeral e enviam coroas de flores, por exemplo.

Outra iniciativa é falar sobre o assunto. Mesmo com a equipes trabalhando em home office, organizações passaram a realizar palestras e rodas de conversa virtuais sobre temas ligados às angústias geradas pelo momento que estamos vivendo, entre elas o luto. A Promon Engenharia criou o projeto Transformar, que consiste em uma série de encontros para discutir e ressignificar essas emoções, sempre mediados por um especialista na área e com interação via chat. Na edição focada em luto, 40% do efetivo total da firma participou. “Entendemos que todos estão vivendo de alguma forma um sentimento de perda, mesmo que não tenha sido pela morte de alguém próximo. Nosso objetivo é preparar o maior número de pessoas, incluindo as lideranças, para saber acolher o luto do outro. Isso passa por usar as palavras certas na hora de consolar, mas também saber escutar e ser flexível quanto ao momento de voltar ao trabalho”, afirma Gabriela Souza, gerente de RH da Promon.

Flexibilidade, empatia, tolerância e comunicação eficiente são habilidades-chave para a criação de culturas organizacionais sensíveis e abertas para que as pessoas possam expressar o que sentem. Se a importância de praticá-las no ambiente corporativo já vinha sendo bastante discutida, agora se tornou obrigatória para gerar engajamento, integração e produtividade. Afinal, está cada vez mais claro que trabalho e vida pessoal são dimensões inseparáveis da vida. “O luto afeta a pessoa em suas capacidades cognitiva, psicológica e física. Quanto mais acolhidos os profissionais se sentirem em um momento difícil como esse, mais depressa vão estar prontos para retomar o trabalho”, diz a psicóloga Valeria.

O tempo e o ritmo de volta à atividade, aliás, devem ser acordados entre profissional e gestor – mas sem cobrança para o empregado enlutado. “Para alguns, voltar a trabalhar é uma forma de entrar em contato com a vida normal, como era antes da morte, e pode ser útil para aliviar o sofrimento. Outros preferem se recolher. A decisão precisa ser tomada respeitando o desejo individual”, diz Valeria, ressaltando que não há fórmula pronta ou um único jeito correto de proceder em situações de apoio ao luto.

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Serviços de apoio psicológico, que já eram uma tendência, ganham força na realidade atual. Algumas organizações, inclusive, passaram a prover atendimento com profissional especializado em luto para trabalhadores que perderam entes para a covid-19. É o caso da Iguatemi, empresa de shopping centers, que oferece até dez sessões para empregados que perderam familiares, assim como para parentes imediatos de funcionários da empresa que faleceram. A firma também criou uma parceria com o Centro de Valorização da Vida (CVV) para a formação de grupos de conversa sobre temas ligados aos medos e emoções trazidos à tona neste momento, entre eles a morte e o luto. Vivian Broge, diretora de RH da Iguatemi, afirma que a pesquisa de clima mais recente revelou nível de satisfação mais alto do que o registrado normalmente.

O fator chefia

Se a maioria das pessoas não sabe muito bem como se comportar diante da morte ou de alguém em processo de luto, isso também vale para os chefes. Mas é fundamental que eles se preparem para acolher, com palavras e atitudes, um trabalhador nessa situação. Isso inclui pedir ajuda à equipe quando sentir que não está pronto para lidar com a demanda, engajando todos na coordenação de ações de acolhimento e em uma nova divisão de tarefas, se necessário. “O líder precisa extrapolar a função técnica e ter um olhar genuíno de interesse pelo outro, e não apenas pensar em resultado”, diz a psicóloga Mariana.

Apesar de estar frágil, o empregado precisa ser ouvido antes que as decisões que lhe dizem respeito sejam tomadas. Por exemplo, nunca se deve excluir um profissional de um projeto para poupá-lo porque está em luto – em vez disso, é preciso entender o que ele prefere fazer. Forçar um clima de alto-astral e evitar tocar no assunto também não funciona, já que, para alguns, conversar sobre o tema tem função terapêutica.

Desde o início da pandemia, a Iguatemi reforçou conversas e treinamentos para as lideranças com o objetivo de ajudar os gestores no acolhimento não só aos funcionários enlutados mas àqueles com outras questões emocionais desencadeadas pela mudança de rotina – seja o medo da doença, a angústia por perdas financeiras, sejam conflitos familiares no isolamento. “A pandemia trouxe a percepção de como as relações são preciosas e precisam ser cuidadas. Apostamos na criação de espaços de diálogo para que todos se sintam atendidos em suas necessidades e seguros para expressar vulnerabilidades”, afirma a diretora de RH Vivian.

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