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O que é e como realizar uma demissão humanizada

Boas práticas permitem amenizar o sofrimento – sobretudo em tempos de cortes em massa – de quem é desligado e também de quem fica.

Por Marcella Centofanti
Atualizado em 13 jun 2023, 12h57 - Publicado em 9 jun 2023, 07h00
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    esde o ano passado, demissões em massa em algumas das maiores e mais bem-sucedidas empresas de tecnologia do mundo estão ganhando manchetes na imprensa. O acontecimento, dramático por si só, tem nuances de crueldade. Algumas companhias estão desligando seus funcionários sem o cuidado necessário. Trata-se de um movimento oposto ao conceito de demissão humanizada, que visa reduzir o impacto negativo de um corte tanto para o colaborador quanto para a empresa.

    Um dos casos recentes entre os nada humanizados foi o do Twitter. Adquirida por Elon Musk em outubro de 2022, a rede social reduziu sua força de trabalho de pouco menos de 8 mil pessoas para 1.500. Ex-funcionários usaram a própria plataforma para postar mensagens sobre a maneira como foram dispensados. Alguns relataram ter recebido pouco ou nenhum aviso prévio de sua rescisão. Vários descobriram que perderam seu emprego porque tiveram sua conta de e-mail e acesso ao computador bloqueados. Em entrevista à BBC, Musk argumentou que “não é possível falar com tanta gente cara a cara”.

    Um ano antes, Vishal Garg, CEO da empresa de hipoteca Better.com, anunciou em uma única reunião por Zoom a demissão de 900 funcionários. “Se está nesta teleconferência, você faz parte do grupo azarado que está sendo demitido”, disse, com frieza.

    Ponto fraco das empresas

    Embora sejam exemplos extremos de brutalidade, a inabilidade do Twitter e da Better.com não pode ser considerada exceção. A maior parte das companhias não dá a devida atenção a essa etapa da jornada do colaborador, segundo o estudo Employee Experience 2022, elaborado pelo Great Place to Work. A pesquisa, que mapeia a experiência das pessoas nas organizações, da entrada à saída, concluiu que a última é a etapa mais frágil delas.

    O levantamento revelou que 72,2% das corporações não treinam ou capacitam suas lideranças sobre demissão – um dado que o relatório considera “alarmante”. Além disso, em 45,1% das empresas não há critérios bem definidos para dispensar uma pessoa. A maior parte (84,2%) faz uma reunião individual para comunicar o desligamento do funcionário e outra para dar a notícia ao resto da equipe (57,4%). “Nestes tempos em que falamos e defendemos uma demissão humanizada, com processos e comunicações mais empáticos e personalizados, é preocupante que líderes não estejam recebendo a devida qualificação para colocar isso em prática”, diz o estudo.

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    Eliminar vagas e substituir funcionários, lamentavelmente, faz parte do jogo e pode ser uma medida necessária para o negócio parar em pé. Comunicar um corte nunca é fácil. No entanto, com alguns cuidados, é possível amenizar o sofrimento dos envolvidos. “As pessoas podem até esquecer que foram demitidas. Mas jamais esquecerão a forma como foram demitidas”, atesta Irene Azevedo, líder de transição de carreira para executivos na LHH.

    Irene tem cabelos curtos, usa um óculos com armação preta e uma blusa florida. ela está de braços cruzados. Em seu pulso há um relógio e um colar em seu pescoço.
    Irene Azevedo, da LHH: “As pessoas podem até esquecer que foram demitidas. Mas jamais esquecerão a forma como foram demitidas”. (Helton Carneiro/Divulgação)

    Para ela, a etapa mais importante de um processo de demissão humanizada é o treinamento da liderança. Ao comunicar um desligamento, o gestor deve explicar, individualmente, o contexto do corte, o motivo de aquela pessoa ter sido escolhida, o pacote de benefícios que a organização vai oferecer e os próximos passos para o colaborador. Ele precisa também oferecer escuta e tirar eventuais dúvidas do ex-funcionário. Ao fim, é fundamental comunicar a equipe que ficou.

    Quadro
    (VOCÊ RH/VOCÊ RH)
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    “O líder tem de reconhecer também seus próprios sentimentos, porque ele pode estar triste, amedrontado e ansioso, para depois passar tranquilidade para sua equipe. Ele precisa estar perto, se colocar à disposição para escutar o que o time tem a dizer e não assumir que está tudo bem. Porque não está”, afirma Azevedo, da LHH.

    Bom para o negócio

    No Glassdoor, o famoso site de reviews corporativas, um dos critérios depreciativos para uma marca é justamente a experiência de saída dos funcionários. “Quem não se sente respeitado no desligamento tende a votar [na plataforma] e se tornar um detrator da empresa, que terá problema para recrutar novos funcionários”, aponta Carla Esteves, sócia e co-CEO da Cia de Talentos. Ademais, uma pessoa maltratada dificilmente vai querer segurar o mesmo crachá.

    Trata-se de mais um problema para a companhia, considerando que 86,5% delas já recontrataram colaboradores demitidos, de acordo com o estudo Employee Experience 2022.

    Para além da empatia e da saúde mental, a demissão humanizada é uma estratégia de negócio. “O conceito de employer branding, ou marca empregadora, está na pauta de todas as empresas. É uma tendência forte desenhar a melhor jornada possível para o colaborador, da chegada à saída, para que a marca seja bem-vista não só para quem quer trabalhar lá, mas para quem quer consumir seus serviços e produtos”, diz Carla Esteves. “Millennials e a geração Z já não compram de uma corporação que não admiram.”

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    Em 2020, o Airbnb reduziu 25% de sua força de trabalho e se tornou um case de demissão humanizada. Em uma mensagem aos funcionários, o cofundador e CEO da plataforma, Brian Chesky, explicou o contexto do corte: incerteza sobre como o vírus da covid-19 poderia afetar a startup.

    Entre os benefícios oferecidos à equipe, estavam 14 semanas de salário-base, mais uma semana adicional para cada ano de casa, cobertura do plano de saúde por 12 meses e ajuda para recolocação no mercado de trabalho.

    O que diz a lei

    Não existe previsão legal sobre a maneira como uma pessoa deve ser mandada embora. Se uma corporação quiser dispensar um funcionário por WhatsApp, por exemplo, ela pode. “Não é a maneira mais elegante ou adequada. Mas, a rigor, o WhatsApp é um meio lícito de comunicação”, explica o advogado Paulo Renato Fernandes da Silva, professor de direito trabalhista da FGV Direito Rio.

    O que o empregador não pode é divulgar publicamente o motivo do corte, mesmo que tenha sido por justa causa. Nem, tampouco, humilhar a pessoa afastada, impedindo que ela pegue seus pertences, por exemplo. “São violações à privacidade, intimidade e imagem do trabalhador. Nessas situações, pode caber uma ação judicial”, diz o advogado.

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    Mesmo que não seja proibido, ninguém vai se sentir minimamente acolhido se for dispensado por WhatsApp, e-mail, carta ou sinal de fumaça. No contexto de demissões em massa, é um desafio desligar os colaboradores de maneira individualizada e, ao mesmo tempo, ágil. “Algumas empresas erram a mão, fazendo comunicados coletivos. Na medida do possível, a recomendação é não ir por esse caminho”, aponta Carla Esteves.

    Imagem da executiva
    Carla Esteves, sócia e co-CEO da Cia de Talentos. (Divulgação/Divulgação)

    No cenário ideal, as corporações deveriam organizar uma agenda sincronizada entre líderes. Os cortes ocorreriam de maneira personalizada e mais ágil, para evitar que a radiopeão se transforme em medo generalizado. Se a companhia estiver em trabalho remoto, que a conversa seja por videochamada, mas individualizada. “A equipe de RH deve estar de prontidão para dar continuidade a cada processo, depois da conversa do colaborador com o líder”, diz Esteves.

    Para a co-CEO da Cia de Talentos, a demissão humanizada é uma tendência que veio para ficar. “Ela oferece um benefício para as três partes: os colaboradores desligados, os que ficam e a empresa em si. Não vejo motivo para não planejar algo que seja ganha-ganha para esse tripé todo”, diz ela. “Se a gente cuida tanto da chegada das pessoas, tem que cuidar também para que o ciclo seja encerrado de forma cuidadosa e respeitosa.”

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