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Reputação digital: como cuidar da imagem da empresa na internet

Zelar pela imagem digital se tornou uma questão delicada para as companhias, que são cada vez mais pressionadas a se posicionar sobre causas polêmicas

Por Bárbara Nór
Atualizado em 11 mar 2021, 15h06 - Publicado em 19 out 2020, 09h22
Thais Nicolau, diretora de comunicação e inovação do Burger King: campanha no mês LGBTI+ teve mais de 5.000 reações espontâneas nas redes sociais (Omar Paixão/VOCÊ RH/VOCÊ RH)
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Esta reportagem foi publicada na edição 69 de VOCÊ RH.
Uma campanha para incentivar as empresas a parar de anunciar no Facebook nos Estados Unidos ganhou os holofotes no início de julho. Os organizadores fizeram isso para chamar a atenção para os discursos de ódio veiculados na rede por meio de textos ou de fake news que negam o holocausto e incitam a violência contra ativistas antirracistas. O apelo deu certo. Até o momento, já são mais de 200 empresas signatárias do movimento global batizado de Stop Hate for Profit, entre elas Colgate-Palmolive, Diageo, Ford, SAP e Unilever.
No Brasil, o perfil no Twitter Sleeping Giants, que atua anonimamente e pressiona companhias a retirar anúncios de sites que veiculam notícias falsas, surgiu em maio e já conta com mais de 378.000 seguidores. Inspirado em um perfil homônimo americano criado em 2016, o objetivo dos idea-lizadores é mostrar que, quando compram alguns tipos de publicidade no Google, as empresas podem acabar financiando páginas questionáveis – já que os anúncios são veiculados randomicamente de acordo com filtros preestabelecidos, mas sem muito controle.

“Estamos aqui para tentar criar uma consciência do ‘monstro’ criado a partir da negligência de grandes plataformas, empresas e pessoas”, disse por e-mail o porta-voz do movimento, que não revela a identidade para não sofrer represálias. “Esperamos que as empresas repensem a responsabilidade que têm.” Para ele, a resposta das companhias brasileiras tem sido positiva: já foram mais de 400 que responderam ao apelo.

Pressão de todos os lados

Essas iniciativas vêm na esteira de uma pressão cada vez maior sobre as empresas em relação a como elas assumem sua responsabilidade frente a questões sociais – o que conta, e muito, para a reputação corporativa. “Estamos em uma verdadeira crise global e é nítido que o setor privado tem um papel predominante para dar conta dos problemas”, diz Victor Cremasco, sócio da Mandalah, consultoria de negócios e inovação. Por isso, a mentalidade predatória, de lucrar a qualquer custo, começa a perder forças: o público engole cada vez menos esse discurso. “Se compro um produto, quero que ele esteja alinhado com minha visão”, diz Fábio Milnitzky, CEO da iN, consultoria de gestão de marcas. Afinal, para muitos consumidores, usar determinado rótulo é uma forma de expressar a identidade. “E o ambiente das redes sociais pressiona para que pessoas e marcas assumam posições”, diz Fábio.
As companhias que não tiverem capacidade de responder poderão ficar para trás, pois os cidadãos descobriram o poder de cobrar e vigiar as atitudes das empresas. E é bom lembrar que isso ocorre não só com o público externo. Os próprios funcionários estão de olhos abertos para essas questões – especialmente os mais jovens. “A nova geração que chega ao mercado de trabalho cobra muito mais das empresas a responsabilidade social”, diz Ana Paula Montanha, diretora da HW Human Capital, consultoria global de recrutamento. “Os talentos vão escolher as empresas na medida em que se identificarem ou não com os valores, com a forma como a organização age e se comporta.”
Tudo isso coloca as empregadoras em uma posição delicada: precisam se posicionar e tomar frente em assuntos relevantes para a sociedade, mas devem fazer isso com cuidando da preservação da imagem. Para dar conta de acompanhar as conversas em sites, redes sociais e imprensa, as empresas são obrigadas a monitorar, de forma constante, sua presença online. Esse cuidado, aliás, é o que permite reagir a tempo.

Prontas para reagir

Para Ana Paula, da HW Human Capital, uma das primeiras ações na manutenção da reputação é a criaçao de um comitê de crise, formado por diretores (entre eles o de RH) e o presidente. “Mapeie os problemas e, uma vez identificados, veja se são causados por falta de alinhamento com os valores”, diz. É só a partir daí que um plano de ação pode ser desenhado. “Quando acontece um erro, o melhor é falar – e, em primeiro lugar, para os próprios funcionários.” Isso é importante porque são eles os embaixadores da marca. Ter esses valores alinhados também ajuda a nortear as auditorias internas e externas, a escolha de fornecedores e até mesmo o recrutamento.
Outro desafio são as questões de publicidade online. Muitos anúncios são feitos de forma automatizada por algoritmos, o que pode significar que não se sabe onde exatamente sua marca vai parar – e o risco de cair num site completamente desalinhado com a ética e os valores da companhia é grande. “Mesmo em se tratando da publicidade automatizada, o ideal seria que as empresas alertassem seus departamentos de marketing para criar uma blocklist com sites suspeitos e/ou identificados como disseminadores de conteúdo falso ou de ódio”, orienta o porta-voz do Sleeping Giants.

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Discurso e atitudes alinhadas

“Crises de imagem nunca nascem da noite para o dia”, diz Emerson Couto, consultor de imagem e reputação da Curado & Associados, consultoria que presta serviços de monitoramento de reputação. Os problemas sempre têm origem na falta de alinhamento entre o discurso e as atitudes da empresa – o famoso “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Segundo Emerson, identificar os pequenos focos de fogo e eliminá-los rapidamente é o que salva as companhias de incêndios de grandes proporções. Para isso, a consultoria criou o Índice de Valor, Gestão e Relacionamento (IVGR), uma ferramenta que monitora a reputação de empresas com base em dados coletados automaticamente na internet. Ela faz uma varredura de tudo o que é publicado sobre a organização e checa a coerência entre os valores da empresa e sua imagem.
A convergência entre fala e ações é o que faz a diferença e dá tranquilidade para que as companhias adotem, inclusive, atitudes corajosas e que podem parecer arriscadas à primeira vista. O Burger King, gigante de fast food, é um desses que não têm medo de encarar posicionamentos complexos. “Entendemos que funcionamos como antena da sociedade, com um papel maior como marca, e buscamos entrar em assuntos que fazem parte do dia a dia”, diz Thais Nicolau, diretora de comunicação e inovação do BK Brasil. Um dos exemplos mais recentes é a campanha Quem Lacra não Lucra. A frase vem de uma hashtag usada por pessoas contrárias a manifestações em defesa de grupos minoritários e utilizada contra o Burger King quando a marca se posicionava em questões LGBT+.
Com isso em mente, a companhia resolveu não lucrar em 28 de junho, o Dia do Orgulho LGBT+, revertendo o lucro líquido das vendas de sanduíches para ONGs da comunidade LGBT+. “Pegamos o discurso de ódio e o transformamos numa mensagem de amor”, explica Thais. A ação foi bem recebida e teve mais de 15 milhões de comentários (81% positivos ou neutros) e mais de 5.000 menções espontâneas nas redes sociais.
O Burger King acompanha suas métricas em um painel online que registra diariamente as reações, as visualizações e os comentários negativos e positivos. Além disso, a empresa segue discussões nas redes para ver como sua participação pode ser relevante ou não. Para Thais, além do propósito claro, o fato de ter autonomia e um processo pouco burocrático ajuda a dar velocidade às respostas. Além de engajar os consumidores, a estratégia tem impacto internamente. Várias das campanhas contam com a participação dos próprios funcionários, que são convidados a dar depoimentos. “Em processos seletivos, nosso público-alvo menciona que tem vontade de trabalhar conosco por causa do posicionamento da marca”, explica a executiva.

Quando entrar em uma conversa

Com a pressão intensa para que as marcas se posicionem, o risco é participar de discussões de forma atropelada. “Muitas querem tomar um atalho e gerar percepção positiva, sem ver se aquilo faz sentido”, diz Fábio, da iN. Por isso, um dos pontos cruciais para a boa gestão de reputação da empresa é entender por que ela quer ou não se pronunciar sobre um assunto que está sendo comentado. “É preciso olhar para dentro e ver de que causa você vai participar”, diz. Nesse raciocínio, vale avaliar se existem ações internas para dar conta daquele problema, se o diálogo já foi aberto com os funcionários e quanto a empresa já avançou na questão. As palavras-chave para isso são consistência e transparência. “Não adianta fazer um post de ‘vidas negras importam’ e não ter as políticas necessárias nem assumir o que precisa ser feito”, diz Victor, da Mandalah.
Na Pfizer, farmacêutica de origem americana, uma das principais bandeiras é o combate às fake news que falem sobre vacinas ou doenças. “Uma de nossas estratégias alinhadas ao propósito é liderar o diálogo: queremos estar à frente das discussões sobre saúde e cuidado ao paciente”, diz Cristiane Santos, diretora de comunicação e assuntos corporativos da Pfizer Brasil. “Também queremos ter os melhores profissionais, e para isso é importante termos essa imagem positiva e confiável.”
A Pfizer mantém um processo rígido para aprovar qualquer informação divulgada em seus canais. “São aprovações periódicas de todo conteúdo que postamos, inclusive do que já publicamos no passado, para revisar se necessário”, diz.
Para Cristiane, esse cuidado ajuda a manter a reputação e reforça a responsabilidade com as informações. Além disso, são avaliadas as reações do público para entender quais temas ele espera que a Pfizer aborde. “Esse trabalho nos guia no ambiente digital.” Foi por isso que, além do combate às desinformações sobre vacinação, a empresa decidiu falar sobre assuntos como suicídio e câncer. “Vimos a importância de trabalhar tabus e certos preconceitos”, diz.
Com a covid-19, a Pfizer tomou a frente ao tirar dúvidas do público, fazer lives com médicos e discutir questões de saúde mental. O desafio é conseguir reagir rapidamente e zelar para que a comunicação seja adaptada para cada canal – como Instagram, LinkedIn ou Facebook – sem perder a coerência. “Apesar das linguagens diferentes, é preciso que seja a mesma persona, com os mesmos valores”, diz Cristiane.

Construção de imagem

Esse cuidado não vale só para empresas que já estão na mira do público. Um trabalho de posicionamento bem-feito pode ajudar a atrair o olhar para as novatas, como é o caso da BRK Ambiental, que presta serviços de saneamento básico. Com três anos de mercado, ela atende cerca de 15 milhões de habitantes em 13 cidades, e tem como desafio atrair mão de obra qualificada, como engenheiros e administradores. “Temos feito um trabalho intenso para reforçar a relevância dos nossos serviços e também entrar nas pautas relacionadas ao cuidado com a água”, diz Juliana Calsa, responsável pela comunicação da BRK Ambiental. A ideia é reforçar o propósito da companhia (transformar a vida das pessoas por meio da água) ao mesmo tempo em que conscientiza em relação ao tema.
Na pandemia, Juliana foi surpreendida por dúvidas sobre o uso da máscara de pano e os cuidados para a prevenção ao coronavírus. “Nesse momento, entendemos que precisávamos ter um olhar mais empático com as pessoas e com os clientes.” Isso a levou a criar novos canais de atendimento para facilitar o acesso no isolamento, além de não cortar água por inadimplência nos últimos três meses. “Não faria sentido falar coisas que não se conectam com o que fazemos. As pessoas percebem quando estamos forçando a barra”, diz Juliana.
Desde janeiro do ano passado, a BRK monitora o IVGR e notou uma melhora de 34% de março a junho deste ano. E nos últimos três meses, a empresa aumentou em 25% o número de seguidores no LinkedIn. Para Juliana, isso é um reflexo do posicionamento ativo nesse período. “Como estamos em um mercado em expansão, ter talentos olhando para nós é fundamental”, diz. Outro índice que teve melhora no mesmo período foi o de atributo de empresa responsável – que subiu 162% no último ano. O índice avalia quanto as pessoas entendem que a empresa assume sua responsabilidade para além daquilo que entrega como serviço essencial. “Sairemos da crise com as pessoas confiando mais em nós.”

5 passos para cuidar da imagem

1. Ter transparência
Ser claro sobre a condução dos negócios é importante para fortalecer a reputação. Para isso, é preciso conversar sobre os pontos de melhoria. Nenhuma empresa é perfeita, e é sempre melhor falar sobre o que ainda pode ser desenvolvido do que tentar passar uma imagem irretocável.
2. Ser coerente
Uma pessoa que se comporta de maneiras diferentes dependendo da situação gera desconfiança. E o mesmo vale para as companhias. Embora exista a necessidade de adaptar o discurso para diferentes públicos, os posicionamentos adotados devem ser sempre os mesmos e convergir para os mesmos objetivos e valores. Isso envolve não cair no oportunismo: a escolha das pautas discutidas tem que ter a ver com o que já é feito pela companhia.
3. Ouvir o público
Os ajustes finos na forma de se expressar e se posicionar envolvem saber escutar o que o público – tanto interno quanto externo – está dizendo a respeito dos temas. Isso ajuda, inclusive, a entender o que precisa ser trabalhado ainda dentro de casa. Avaliar os assuntos nas pesquisas de clima é uma ótima oportunidade para ter um feedback real e concreto.
4. Cuidar do engajamento
No processo de construção de marca, o primeiro público é sempre o interno. Se a empresa não tiver, por exemplo, uma boa política de diversidade e inclusão e abordar o assunto nas redes sociais, correrá o risco de que a dissonância entre o que fala e o que faz apareça. Funcionários ou ex-funcionários poderão argumentar que a companhia só está pregando aquilo da boca para fora.
5. Conduzir processos de auditoria
A preocupação ética deve estar presente em todos os processos de uma empresa – desde a divulgação de conteúdo até a contratação de fornecedores e parceiros. Esse, aliás, é um ponto importante, pois em muitos casos os problemas de reputação acontecem devido ao mau comportamento de terceiros.

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