Camila Antunes, cofundadora da consultoria Filhos no Currículo, estava em um voo de Brasília para São Paulo, na última semana, quando entrou em uma crise existencial. “Na fileira ao meu lado, estava uma mulher sozinha com sua bebê. Então eu me desesperei.” Camila sentiu culpa, medo, e começou a duvidar da escolha que fizera: deixar seus três filhos na capital do país, incluindo um bebê de quatro meses, para participar do summit que sua empresa estava prestes a realizar em um espaço do Nubank, a mais de 800 quilômetros de lá.
Uma hora e 45 minutos depois, o caos do desembarque se inicia. A mãe anônima encara atrapalhadamente suas tarefas: vestir um sling, resgatar a mala do bagageiro e cuidar de seus outros pertences – o que incluía, claro, um ser humano com habilidades de sobrevivências quase nulas. “Eu me ofereci para ajudar. E, depois de me encarar de cima a baixo, a mulher entregou a própria filha para eu segurar”, disse Camila, abrindo o evento na Vila Leopoldina (SP), bairro da zona oeste paulistana. “Ela não sabe, mas esse gesto me ajudou também.”
No summit da Filhos no Currículo, que aconteceu na última sexta (7) e teve a Você RH como parceira exclusiva de mídia, Camila já não estava sentindo medo ou culpa. Estava feliz por superar tais sentimentos comuns às mães e, principalmente, orgulhosa – assim como Michelle Levy Terni, outra fundadora da consultoria – por organizar o primeiro evento dedicado ao incentivo de boas práticas em parentalidade no Brasil. O objetivo? Provocar discussões que aumentem a consciência, no mercado de trabalho, sobre a necessidade de conciliar filhos e carreira.
“Existimos para provar que filhos não são um empecilho”, afirmou Michelle. “São potência.” Por isso, desde 2015, a Filhos no Currículo desenvolve capacitações, trilhas de conteúdos e projetos de consultoria para ajudar companhias que desejam acolher e reconhecer profissionais que se esforçam para combinar parentalidade e trabalho.
O evento de São Paulo reuniu, então, lideranças de RH de algumas dessas empresas – B3, Boticário, Cielo, Comgás, Diageo, Gerdau, Hospital Albert Einstein, Mustela, Takeda, Talenses e o anfitrião Nubank – para discutir, principalmente, sobre como criar uma cultura que fomente o bem-estar parental e como convencer a alta liderança sobre a implementação de uma licença remunerada igualitária (uma das principais políticas que os especialistas no assunto defendem).
Também estavam lá Margareth Goldenberg, CEO na Goldenberg Diversidade e gestora executiva do Movimento Mulher 360, e Neila Lopes, head de Diversidade e Cultura na Sanofi Brasil – a primeira filial da farmacêutica francesa a adotar a licença estendida para colaboradores em qualquer modelo de família. As convidadas protagonizaram um painel sobre gestão da parentalidade, que contou também com a participação de Suzana Kubrik, CHRO do Nubank, e mediação de Vinicius Bretz, head de Pessoas e Projetos da consultoria.
Eis alguns dados interessantes: segundo o Instituto Pomodoro, instituições que adotam políticas que promovem a cultura parental têm profissionais mais produtivos e maior equidade de gênero em seu organograma. Por quê? Especialistas que estiveram no summit argumentam que a licença estendida, por exemplo, favorece a contratação de mulheres à medida que prevê o afastamento dos homens diante de uma gestação, e não só delas.
Já segundo uma pesquisa realizada com 500 funcionárias da Microsoft, as mulheres aprimoram seu desempenho profissional após a chegada dos filhos. Elas percebem que se tornam mais capazes de executar várias tarefas ao mesmo tempo – e de organizá-lo melhor. Os empregadores, por sua vez, indicam que elas se destacam pela sua aptidão para o trabalho em equipe. Daí a frustração diante do fato de que quase metade (48%) das mulheres sai do mercado de trabalho após a chegada de um bebê.
Especialistas defenderam, durante o evento, que as empresas podem virar o jogo ao apoiar a parentalidade – seja com a licença estendida, com creches nas instalações da empresa ou com letramentos sobre estereótipos de gênero. É que, adotando essas e outras medidas, as companhias poderiam promover uma distribuição mais igualitária das responsabilidades parentais – e um mercado de trabalho mais inclusivo.
“Uma pergunta transformadora que todos deveríamos incluir nas entrevistas demissionais de mulheres”, afirma Margareth, “é: o que a empresa poderia fazer, em termos de políticas e benefícios, que faria você repensar sua decisão?” A flexibilidade é o principal ponto, segundo a executiva. Mas isso não significa que o modelo híbrido é a única resposta. É possível recorrer a modelos diferentes de jornada: um profissional que tem ou terá um filho pode trabalhar on demand, por exemplo, empenhando-se durante o tempo necessário para entregar o que precisa, nos horários que mais o favorecerem.
Nessa toada, Camila destaca: “A parentalidade é plural, assim como as soluções para conciliá-la com a carreira. Não temos todas as respostas e não fazemos nada sozinhos. O quão antes percebermos isso, melhor. Porque não são as empresas que se transformam, são as pessoas”.