Vale-turismo: empresas ajudam a custear viagem de férias dos funcionários
Melhorar o bem-estar dos profissionais e aumentar a atratividade são alguns dos motivos que têm levado empregadores a aderir à prática
ra dezembro de 2020 quando a Olist, startup que atua no segmento de e-commerce e tem 1.400 funcionários, começou a oferecer um benefício diferente: o auxílio-viagem. A ideia surgiu como forma de incentivar os profissionais a descansar nos momentos de folga, contribuindo para o bem-estar e a saúde mental deles depois de meses de pandemia. Inicialmente, a adesão foi tímida, de 8% do quadro de empregados, diz Danilo Penteado, gerente de relações trabalhistas, remuneração e benefícios da Olist. “Depois cresceu para 10%, e atualmente está em cerca de 20%”, afirma.
Funciona assim: a empresa destina uma quantia fixa mensal de 30 reais a cada funcionário que adere ao benefício. São 360 reais todo ano que ficam de crédito para utilização em viagens. Além disso, os interessados podem optar por um dos 20 planos disponíveis — que começam em mil e vão até 18 mil reais — na plataforma de turismo parceira, a Férias & Co., e pagar uma porcentagem do valor durante 12 meses, descontada em folha de pagamento.
Os créditos, tanto os dos empregados como os cedidos pela Olist, vão acumulando e podem ser utilizados a qualquer momento a partir do primeiro mês de adesão, inclusive como forma de presentear outras pessoas. Não há prazo para a realização da viagem. E, caso o funcionário deseje acumular um valor maior do que o oferecido no plano, pode contribuir por fora, pagando com cartão de crédito. Há quem utilize o benefício até em folgas mais curtas do que as férias, como feriados prolongados.
Dinheiro protegido
A Stefanini, multinacional brasileira de soluções para informática, também oferece a possibilidade de contratar planos de viagem a seus 16 mil funcionários. A iniciativa surgiu em janeiro de 2019, mas foi reformulada em fevereiro de 2022, com a troca do fornecedor. No modelo definido pela empresa, o empregado escolhe um dos quatro planos da traveltech PinX — com 12 parcelas de 99, 199, 499 ou 999 reais — e o valor é descontado em folha. A diferença desse modelo para o adotado na Olist é que a Stefanini não faz aportes para engordar o saldo, mas direciona as quantias para uma aplicação financeira, para proteger o saldo de ser corroído pela inflação. “Ao efetuar o pagamento de pelo menos três meses, o funcionário pode programar uma viagem, mesmo sem ter o saldo total. Então ele fica com o compromisso de pagar o restante do valor, mas consegue antecipar a viagem”, afirma Lucilaine Zaratini, coordenadora de remuneração e parcerias da Stefanini. Os profissionais também podem fazer aportes extras, via cartão de crédito — mas a companhia não tem acesso a esses valores, que ficam sem correção da aplicação.
Como a reformulação do programa é recente, ainda não há dados robustos sobre a adesão: dois funcionários já viajaram por meio do benefício, dos 29 que aderiram, e mais 80 preencheram o cadastro. “Percebemos que as pessoas estão no aguardo da repercussão com a experiência dos demais”, diz Lucilaine. Para aumentar a procura, o RH tem investido em comunicação interna. “Fazemos a divulgação em todos os nossos canais pelo menos uma vez por mês.”
Apesar de ser acessível até para quem tem renda mais baixa, o benefício é mais procurado pelos funcionários com salários mais altos. “A iniciativa atraiu mais o público com uma renda de 5 mil reais para cima”, afirma Lucilaine.
Incentivo ao bem-estar
A vantagem para os funcionários que aderem a esse benefício vai além do aporte das empresas ou da aplicação financeira que protege o saldo, já que as plataformas de turismo parceiras negociam descontos em passagens e hospedagens nacionais e internacionais e os repassam aos beneficiários.
Mas os ganhos vão além. “É um benefício que estimula a qualidade de vida, o balanço entre vida pessoal e profissional, o lazer e um cuidado com a saúde mental dos funcionários”, afirma Isis Borge, diretora da Talenses, empresa especializada em recrutamento e seleção.
Mas, para que a iniciativa seja atrativa, o auxílio deve ser completo. “Empresas que oferecem apenas desconto para que o funcionário compre seu próprio pacote não passam a real sensação de estarem oferecendo um benefício diferenciado. E, para oferecer um benefício completo, o investimento é alto”, diz Isis.
A executiva lembra também que a ação precisa vir acompanhada de um alinhamento cultural. “É um benefício que traz intrinsecamente a mensagem de que a empresa estimula a qualidade de vida e que as pessoas viajem. Infelizmente, nem todas as empresas já têm essa mentalidade”, afirma Isis.
Direito do trabalhador
Além de incentivar o descanso e contribuir para o bem-estar dos funcionários, as empresas têm considerado o auxílio-viagem como forma de atração e engajamento de talentos. A iniciativa pode, inclusive, virar lei.
O Projeto de Lei nº 4.537/2021, que está em tramitação na Câmara dos Deputados, propõe a criação do vale-turismo, que permitiria ao empregador contribuir para a viagem de férias dos funcionários. Em troca, receberia incentivos tributários, diz o advogado trabalhista Leonardo Carvalho, da Barreto Veiga Advogados.
Caso o projeto vire lei, o funcionário poderá destinar até 15% de seu salário para o plano de viagem, e a empresa entrará com 25% desse valor. Ou seja, se um empregado colabora com 100 reais mensais, o empregador complementa com 25.
Segundo especialistas, sem o regramento legal, as empresas que já oferecem o benefício correm o risco de que os valores depositados sejam interpretados como salário. “A quantia poderá ser interpretada pelo Fisco e pela Justiça do Trabalho como salário indireto, devendo-se incidir as contribuições previdenciárias e fiscais, além de haver reflexos nas demais verbas do contrato de trabalho, como férias, FGTS, 13º salário, aviso prévio”, afirma Danilo Uler, advogado trabalhista e professor da FGV Direito e da Universidade São Judas.
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Esta reportagem faz parte da edição 81 (agosto/setembro) de VOCÊ RH. Clique aqui para se tornar nosso assinante