relação entre pensamentos e sentimentos tem mão dupla, diz a psicóloga Julie Smith no livro Por que Ninguém me Disse Isso Antes (Sextante). “Os pensamentos com que gastamos nosso tempo afetam aquilo que sentimos, mas aquilo que sentimos também surte efeito nos padrões de pensamento que surgem. A seguir, listo algumas das tendências de pensamento que comumente experimentamos quando nos sentimos para baixo. É possível que elas soem familiares, e isto se deve ao fato de que as ideias tendenciosas são normais, acontecem com todo mundo, em graus variáveis. Mas é mais provável que aconteçam quando experimentamos oscilações de humor e de estados emocionais. Entender o que elas são e começar a observá-las quando aparecem são um grande passo para minar parte do seu poder.” Leia um trecho da obra:
1. Adivinhar pensamentos
Captar o que as pessoas que nos cercam estão pensando e sentindo é crucial para os seres humanos. Vivemos em grupo e dependemos uns dos outros, de modo que todos passamos grande parte da vida tentando adivinhar o que as outras pessoas pensam e sentem. Entretanto, quando estamos abatidos, é mais provável supormos que nossos palpites correspondem à verdade. “Quando minha amiga me lançou aquele olhar esquisito, eu simplesmente soube que ela estava com ódio de mim.”
Em um dia diferente, entretanto, quando não estivéssemos lutando com o baixo-astral, talvez ficássemos mais inclinados a investigar o que estava acontecendo, inclusive perguntando à nossa amiga. Talvez você note que sente necessidade de mais apoio dos outros quando seu estado de ânimo está em baixa. Quando não recebe esse apoio extra, talvez suponha, automaticamente, que eles têm ideias negativas a seu respeito. Mas isso é imaginação sua, e é bem possível que você seja o seu pior crítico.
2. Supergeneralização
Quando estamos abatidos, basta uma coisa dar errado para estragar nosso dia. Você derrama leite de manhã. Ele se espalha por toda parte. Você sente tensão e frustração porque não quer se atrasar. A generalização exagerada é quando vemos esse evento pontual como um indício de que teremos um dia “daqueles”. Nada funcionará como você quer, nunca funciona. Você começa a pedir ao Universo que lhe dê uma folga, porque, com toda a certeza, hoje ele parece estar contra você. Quando isso acontece, começamos a esperar mais más notícias, e essa é uma ladeira escorregadia em direção à desesperança.
A supergeneralização gosta de aparecer, em particular, junto com a dor de um rompimento. Um relacionamento termina e nossos pensamentos começam a sugerir que jamais faremos uma relação funcionar e que nunca poderemos ser felizes com nenhuma outra pessoa. É natural ter essas ideias, mas, se não forem controladas, elas só aumentarão o sofrimento e o desânimo.
3. Pensamento egocêntrico
Quando a fase é difícil e você não está bem, isso tende a estreitar o foco. Fica mais difícil considerar as opiniões e perspectivas de outras pessoas, ou perceber que elas podem ter valores diferentes. Essa preconcepção pode prejudicar nossos relacionamentos, pois é capaz de perturbar nosso vínculo com outras pessoas. Por exemplo, estabelecemos para nós mesmos uma regra de vida, algo como “Devo ser sempre pontual em tudo”. Depois, aplicamos essa regra aos outros e nos sentimos ofendidos ou magoados quando eles não a cumprem. Isso pode nos tornar menos tolerantes para com os outros, perturbar ainda mais o nosso humor e acrescentar a esta mistura mais tensão nos relacionamentos. É como tentar controlar o incontrolável. Inevitavelmente, isso faz com que nosso estado de espírito entre em uma espiral descendente ainda pior.
4. Raciocínio emocional
Assim como os pensamentos não são realidades, os sentimentos também não são. As emoções são informações, mas, quando essas informações são potentes, intensas e eloquentes, ficamos mais vulneráveis a acreditar nelas como um reflexo verdadeiro do que está acontecendo: Estou sentindo isso, então deve ser verdade. O raciocínio emocional é uma tendência do pensamento que nos leva a usar aquilo que sentimos como prova de que algo é verdadeiro, mesmo quando há muitas evidências sugerindo o contrário. Por exemplo, você sai de uma prova sentindo-se desanimado, abatido e sem confiança. O raciocínio emocional lhe diz que você deve ter se saído mal. É possível que tenha tido um bom aproveitamento no exame, mas seu cérebro tira informações de como você se sente e, nesse momento, você não está se sentindo um vencedor. O desânimo pode ter sido criado pela tensão, seguida de esgotamento, mas esse sentimento influencia sua maneira de interpretar a situação.
Filtro mental
Quando se trata de seres humanos, a questão é que, quando acreditamos em algo, nosso cérebro vasculha o ambiente à procura de sinais de que essa crença é verdadeira. As informações que questionam nossas crenças a respeito de nós mesmos e do mundo são psicologicamente ameaçadoras. De repente, tudo se torna imprevisível e a pessoa não se sente segura. Assim, o cérebro tende a minimizar esse conflito e a se agarrar ao que quer que combine com a experiência anterior, mesmo que essa crença cause aflição. Por isso, nos momentos difíceis, quando você talvez se sinta para baixo e acredite que é um fracasso, sua mente age como uma peneira, deixando vazar todas as informações que sugerem algo diferente e se apegando a qualquer indicação de que você não ficou à altura das expectativas. Digamos que você poste uma fotografia em uma rede social e que muitos de seus seguidores deixem comentários positivos. Mas não são eles que você procura. Você sai em busca de comentários negativos. Quando encontra algum, é possível que passe uma parte significativa do seu dia pensando nele, sentindo-se magoado e duvidando de si mesmo. Em termos evolutivos, é sensato que, ao se sentir vulnerável, a pessoa mantenha uma vigilância extra, em busca de sinais de ameaça. Mas, quando estamos tentando combater a tristeza, o filtro mental merece nossa especial atenção.
5. “Preciso” e “devo”
Cuidado com esses “preciso” e “devo”! Não me refiro ao sentido normal e saudável de dever que temos para com nossa comunidade. Refiro-me às expectativas implacáveis que nos fazem cair em uma espiral de infelicidade. Preciso ser mais isto ou aquilo, e devo sentir tal coisa. “Preciso” e “devo” estão estreitamente ligados ao perfeccionismo. Por exemplo, se você acha que nunca pode falhar, fica sujeito a uma montanha-russa de emoções e oscilações de humor quando comete um erro ou se depara com um revés. Podemos lutar pelo sucesso e aceitar alguns fracassos no caminho. Mas, quando estabelecemos para nós mesmos expectativas irrealistas, ficamos presos na armadilha que elas trazem. Sofremos toda vez que surge um sinal de que talvez não estejamos à altura dos nossos planos. Portanto, tome cuidado com “preciso” e “devo”. Quando você já está abatido, esperar que tudo aconteça como se você estivesse em ótimas condições não é realista nem proveitoso.
6. Pensamento tudo ou nada
Este é outro pensamento tendencioso capaz de piorar nosso humor se o deixarmos sem controle. Isso ocorre quando pensamos em termos absolutos ou extremos. Ou sou um sucesso, ou sou um completo fracasso. Se não tenho uma aparência perfeita, é porque sou feio. Se eu cometer um erro, é porque nem deveria ter tentado. Esse estilo polarizado de pensamento não deixa espaço para as áreas cinzentas que, com frequência, aproximam-se mais da realidade. A razão pela qual esse padrão de pensamento deixa tudo mais difícil é que ele nos torna vulneráveis a reações emocionais mais intensas. Quando a reprovação em uma prova significa que você é um fracasso como pessoa, será muito mais difícil recuperar-se das consequências emocionais desse pensamento extremo. Ao sentir-se para baixo, você tem mais probabilidade de pensar dessa maneira polarizada. Mas é importante lembrar que isso não significa que o seu cérebro esteja entendendo tudo errado, ou funcionando mal em algum sentido. Quando estamos sob tensão, o pensamento tudo ou nada cria um sentimento de certeza ou previsibilidade a respeito do mundo. O que deixamos escapar, nessas circunstâncias, é a oportunidade de pensar nas coisas de maneira mais lógica, ponderando os lados diferentes e chegando a um julgamento mais racional.