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Como avanços médicos e científicos aumentaram a expectativa de vida

Livro conta histórias de transformações científicas que influenciaram diretamente na longevidade da espécie humana

Por Redação
Atualizado em 26 dez 2021, 11h17 - Publicado em 15 dez 2021, 07h00
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  • Esse texto faz parte da edição 77 (dezembro/janeiro) de VOCÊ RH

    Como os avanços médicos, científicos e sociais influenciaram no aumento da expectativa de vida das espécies? Essa é a principal pergunta respondida no livro Longevidade: Uma Breve História de Como e Por Que Vivemos Mais. O autor é Steven Johnson, escritor americano especializado em ciência e com obras de repercussão mundial, como De Onde Vêm as Boas Ideias (Zahar, 59,90 reais) e O Mapa Fantasma (Zahar, 59,90 reais). Em seu trabalho mais recente, Steven traz à tona histórias que tornaram possível que grandes transformações na área da saúde e da segurança ocorressem — como o desenvolvimento de vacinas, a regulamentação dos remédios e a criação de equipamentos de proteção. Para o autor, as mudanças ocorreram não pela influência das grandes corporações, mas porque pensadores receberam apoio das comunidades, dos poderes públicos e da academia. No trecho a seguir, Steven conta como o cinto de segurança venceu o lobby das montadoras.

    Trecho do livro

    Capítulo 7
    Ovos quebrados e trenós a jato: segurança automotiva e industrial

    Em meados dos anos 1950, a Volvo contratou um engenheiro aeronáutico chamado Nils Bohlin, que trabalhava com assentos ejetáveis de emergência na divisão aeroespacial da Saab. Bohlin começou a mexer com um equipamento até então desconsiderado na maioria dos automóveis: o cinto de segurança. Muitos carros eram vendidos sem cintos de segurança; nos modelos que os incluíam, eles eram mal projetados, resultando numa proteção mínima em caso de colisão. E raramente eles eram usados, mesmo pelas crianças.

    Inspirando-se no conceito de segurança utilizado por pilotos militares, Bohlin logo desenvolveu o que chamou de modelo de três pontos. O cinto tinha de absorver as forças G no peito e na pélvis, minimizando o estresse do impacto sobre os tecidos delicados, mas ao mesmo tempo ser simples de usar, fácil o suficiente para que qualquer criança conseguisse manipular. O design de Bohlin juntou um cinto a tiracolo e um cinto abdominal que se fechavam numa formação em V ao lado do passageiro, para que a própria fivela não causasse ferimentos em uma colisão. Era um design elegante, base para os cintos de segurança que agora são padrão em todos os carros fabricados em qualquer lugar do mundo. Um dos primeiros protótipos com a alça de ombro decapitou alguns bonecos de prova, o que levou ao boato de que o próprio cinto poderia matar num acidente. Para combater esses rumores, a Volvo contratou um piloto de corridas para realizar acrobacias que desafiavam a morte — dirigindo o automóvel em alta velocidade —, sempre usando o cinto de três pontos de Nils Bohlin para se manter seguro.

    Em 1959, a Volvo vendia carros com cinto de segurança de três pontos como padrão. Os primeiros dados sugeriam que esse simples componente estava reduzindo as fatalidades automobilísticas em 75%. Três anos depois, Bohlin recebeu a patente de número us3043625a do Gabinete de Patentes e Marcas dos Estados Unidos para “Sistemas de cintos de segurança de três pontos compreendendo dois dispositivos de ancoragem laterais inferiores e um lateral superior”. Reconhecendo os benefícios humanitários da tecnologia, a Volvo optou por não fazer valer a patente — tornando o design de Bohlin disponível gratuitamente para todos os fabricantes de automóveis do mundo. O efeito de longo prazo do design de Bohlin foi impressionante. Mais de 1 milhão de vidas — muitas delas de jovens — foram salvas pelo cinto de segurança de três pontos. Poucas décadas após ser concedida, a patente de Bohlin foi reconhecida como uma das oito patentes de “maior significado para a humanidade” no século 20.

    Mesmo com um claro histórico de redução de fatalidades e a patente liberada, durante a primeira metade dos anos 1960 as três maiores montadoras americanas continuaram resistindo a priorizar a segurança no projeto de seus veículos. Acabaram sendo compelidas a mudar seus hábitos não por causa de experimentos com ovos cadentes ou trenós a jato, e sim pelo jornalista e advogado Ralph Nader. Antes de se tornar a grande zebra da eleição presidencial de 2000 nos Estados Unidos, Nader era mais conhecido pelo best-seller Unsafe at Any Speed: The Designed-In Dangers of the American Automobile [“Inseguro a qualquer velocidade: Os perigos embutidos nos projetos do automóvel americano”], de 1965. Logo na abertura do livro há uma grave avaliação dos efeitos do automóvel sobre a sociedade: “Por mais de meio século, o automóvel tem causado mortes, ferimentos e as mais inestimáveis tristezas e privações para milhões de pessoas”. (…) No primeiro capítulo, ele voltava a atenção para o Chevrolet Corvair, da GM, ridicularizando-o por sua propensão a “acidentes envolvendo um carro só”. (Um sistema de suspensão mal projetado que podia fazer o motorista perder o controle do automóvel e, em várias ocasiões, capotar, ainda que sem qualquer contato com outro veículo.)

    Antes mesmo da publicação do livro a GM contratou um investigador particular para desenterrar sujeiras na vida de Nader. Ele começou a receber telefonemas estranhos durante a noite; mulheres tentavam seduzi-lo nos balcões dos cafés; sob o pretexto de que Nader estava sendo avaliado para um novo emprego, amigos e colegas eram questionados sobre sua vida sexual e seu envolvimento com grupos políticos de esquerda. Por fim, o presidente da GM, James Roche, foi convocado por um comitê do Senado e obrigado a se desculpar publicamente pela campanha de assédio contra o jovem ativista, impulsionando ainda mais as vendas do livro de Nader.

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    O impacto na opinião pública — tanto nas ruas como nos círculos do poder — repetiu a mudança repentina que se seguira à crise da talidomida alguns anos antes. O senador Abraham Ribicoff, que conduziu os interrogatórios no caso da campanha de assédio da GM, declarou que os acidentes de trânsito eram um “novo tipo de problema social que surge da afluência e da abundância, e não da crise e da agitação”. Em setembro de 1966, com o apoio do presidente Lyndon Johnson, o Congresso promulgou a Lei Nacional de Trânsito e Segurança de Veículos Motorizados, com o objetivo de apresentar “um programa nacional e coordenado de segurança e o estabelecimento de padrões de segurança para veículos motorizados no comércio interestadual a fim de reduzir acidentes de trânsito, mortes, ferimentos e danos materiais que ocorrem em tais acidentes”. A lei ampliou radicalmente a supervisão regulatória do governo sobre a indústria automotiva e teve implicações abrangentes e complexas. Isso acabaria levando à formação do Departamento de Transporte dos Estados Unidos. O mais importante, contudo, foi fácil de entender: pela primeira vez, todos os carros novos vendidos nos Estados Unidos precisavam ser equipados com cintos de segurança. Apenas uma década antes, os cintos eram considerados uma loucura, uma inconveniência — ou, pior, uma potencial ameaça. Agora eles se tornavam obrigatórios por lei.

    Pouco depois da aprovação da lei de 1966, o presidente da Câmara dos Deputados, John McCormack, creditou o sucesso da legislação ao “espírito de cruzada de um indivíduo que acreditou que poderia fazer algo […], Ralph Nader”. De certa forma, Nader seguia uma cartilha que remontava aos primeiros jornalistas ativistas — como Jacob Riis e Upton Sinclair, ou até mesmo Charles Dickens —, usando o poder do jornalismo para mudar a atitude do grande público em relação a um problema social crucial e obrigar os legisladores a promulgar leis para resolver o problema. A verdadeira inovação de Nader foi mudar o foco, dos trabalhadores para os consumidores. Sinclair e sua estirpe tinham como alvo os ambientes de trabalho de fábricas, matadouros e outros locais de produção industrial. Se tinham embates com Detroit, era sobre os operários da linha de montagem: seus salários, as horas de trabalho, os riscos. Já o livro de Nader destinou-se a proteger as pessoas que compravam os carros, não as que os construíam. A principal contribuição de Nader foi inventar um tipo totalmente novo de figura política, um Frank Leslie da era da televisão: o defensor do consumidor, usando a mídia e os tribunais para obrigar o setor privado a criar produtos mais seguros.

    Contudo, por mais importante que Nader tenha sido para a lei de 1966, o movimento pelo uso do cinto envolveu uma gama muito mais ampla de participantes. Como de costume, as principais figuras vinham de frentes bem variadas: um inventor independente, um piloto audacioso, um engenheiro de aviação, um advogado agitador e o Congresso dos Estados Unidos. Eles lançaram mão de uma mistura de ferramentas para argumentar que a segurança do automóvel poderia ser melhorada: ovos e trenós a jato, pilotos de prova e livros best-sellers. Nisso, seguiram o padrão que vimos repetidamente nos capítulos anteriores. A verdadeira mudança em geral requer um primeiro passo para convencer as pessoas de que o problema existente não é inevitável; e conceber uma solução requer uma rede diversificada de talentos, apoiando-se uns nos trabalhos dos outros.

    O que mais chama a atenção na história da segurança automotiva, porém, é um grupo quase de todo ausente da lista dos principais proponentes do cinto de segurança: a própria indústria automotiva. Com exceção de Nils Bohlin e da Volvo, nenhum dos eventos-chave que fizeram com que hoje o uso do cinto de segurança seja corriqueiro para nós veio das fábricas de automóveis. O progresso não aconteceu “naturalmente”, levando o setor privado a inovar, a fazer produtos mais seguros porque iriam atrair os consumidores. Ao contrário, o progresso teve de ser conquistado por estranhos, lutando contra forças que se opunham a esse progresso. Algumas dessas forças eram uma questão de física; outras assumiram a forma de investigadores particulares contratados pela General Motors.

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