De setembro a novembro de 2016, alunos de todo o país tomaram 961 escolas e universidades em protesto à reforma do ensino médio e à PEC 241, na qual o governo estipulava um teto para os gastos públicos com a educação. Em decorrência das ocupações, o Ministério da Educação foi obrigado a adiar por um mês o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 271 000 inscritos.
Esse é um exemplo das mudanças que as novas gerações estão impondo à sociedade. No mundo corporativo, também há relatos de funcionários “ocupando” a empresa para lutar contra alterações na política de benefícios e de pagamento de horas extras – e de executivos de RH voltando atrás nas decisões.
Por desconhecer os valores das gerações atuais, os mais velhos julgam que os millennials (de 18 a 34 anos) são contestadores, quando, na verdade, estão mostrando que valorizam a expressão pessoal e querem fazer parte da decisão. “Esse comportamento é visto como insatisfação ou birra, mas, na verdade, mostra que o jovem quer ser ouvido. Quando ele não questiona é porque não se importa”, diz Chip Espinoza, professor na Universidade Concordia, da Califórnia, nos Estados Unidos, e autor dos livros Managing the millennials (“Gerenciando os millennials”, numa tradução livre) e Millennials @ work (“Millennials no trabalho”, numa tradução livre), ambos sem versão para o português.
A rede de hotéis Hyatt não esperou os protestos para perceber que era hora de mudar. Com uma mão de obra na faixa dos 25 anos de idade, a empresa notou, por meio das pesquisas de empatia, o desejo dos funcionários de compartilhar das decisões. Passou a fazer enquetes para definir o cardápio do restaurante, com três opções de refeição. Parece pouco, mas a organização conseguiu elevar em 40% a satisfação dos empregados com a alimentação. “Nossa tendência, como recursos humanos, de decidir pelos outros, pode prejudicar na retenção dos jovens, porque eles querem participar da escolha”, diz Miguel Bermejo, diretor de RH para a América do Sul do Hyatt.
Há um ano e meio, a companhia trouxe professores da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, para fazer um trabalho de design thinking e reinventar a relação da organização com seus públicos interno e externo. “Pedimos sugestões e acatamos”, afirma Bermejo. O código de vestimenta, até então muito formal, foi flexibilizado para os que não estão em contato direto com o público. “Banimos a gravata e o medo de mostrar algum aspecto da personalidade, como cabelos coloridos, tatuagens e piercings”, diz o executivo. A integração também mudou: antes de começar o serviço para valer, o recém-contratado passa 4 horas observando sua futura área, conversando com os colegas e com o chefe, não só sobre o dia a dia mas também sobre a vida fora do trabalho. Os demais treinamentos e cursos agora são feitos em sua maior parte por jogos eletrônicos ou de tabuleiro. No fim, o ganho é de todos. “Os profissionais de outras gerações gostaram das novidades”, diz Bermejo.
Praticidade e colaboração
Segundo um estudo da consultoria de pesquisa americana Pew Research Center, pessoas de 18 a 24 anos trocam 109 mensagens de WhatsApp e Facebook por dia. Para elas, receber algumas palavras eletronicamente é menos invasivo – e mais rápido – do que atender a uma ligação ou encontrar alguém pessoalmente para tirar uma dúvida. Esse comportamento está transformando a forma de trabalhar dos profissionais.
Um dos maiores escritórios de advocacia de Nova York, o Skadden, Arps, Slate, Meagher & Flom, que tem cerca de 1 700 advogados e 2 bilhões de dólares em honorários, sentiu na pele essa tendência. Em 2012, a administração notou que um grupo de associados juniores não fazia tantas horas-extras, apesar de ser superprodutivo. O motivo: eles criaram uma rede social na qual compartilhavam dúvidas jurídicas e, apesar de saber que seriam avaliados individualmente, faziam questão de ajudar um ao outro – simplesmente porque gostam de colaborar. Resultado: faziam mais em menos tempo e, de sobra, auxiliavam os colegas.
A colaboração é um traço marcante das novas gerações – e as companhias capazes de perceber essa qualidade têm ficado mais ágeis. Um exemplo é a Johnson & Johnson, que fabrica desde sabonetes até máquinas hospitalares. Depois de ouvir as sugestões dos jovens, o processo de recrutamento passou de três dias para um – poupando o candidato de voltar à empresa várias vezes.
Em 2016, a J&J entregou aos trainees a missão de elaborar um projeto social e surgiu a Semana do Carinho que reuniu 350 funcionários em São Paulo, São José dos Campos, Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre para realizar atividades que variaram de recreação em asilos a orientação vocacional para estudantes. Isso representa um aumento de 25% no número de voluntários de 2013 para 2016.
Vida integrada
Se a geração X (nascidos entre 1960 até o fim dos anos 70) criou o conceito de equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional, a nova geração destruiu essa separação. “Os jovens respondem uma mensagem de trabalho no domingo e, em contrapartida, querem chegar às 11 horas em um dia que não tenham nada importante para fazer”, afirma Sidnei Oliveira, consultor e autor do livro Gerações. Afinal, se ele está disponível fora do horário de trabalho, então também tem o direito de fazer coisas pessoais durante o expediente.
Pensando nessa integração, a 3M, localizada em Sumaré, no interior de São Paulo, flexibilizou o horário do expediente e aderiu ao home office, além de criar uma alameda de serviços: toda sexta-feira é oferecido o serviço de açougue; nas quartas, uma feira de produtos orgânicos; e uma vez por mês, acontece um festival de food truck. O próximo passo é instalar uma lavanderia, um cartório e um supermercado.
Recentemente, a companhia lançou um mural para os empregados escreverem seus sonhos – pelos quais são cobrados pelos gestores a realizar. A iniciativa é mais uma tentativa de se conectar com os jovens. “Queremos que eles venham inteiros para cá”, diz Fernando do Valle, diretor de recursos humanos da 3M no Brasil.
Razão de ser
Para Mariane Guerra, vice-presidente de RH para a América Latina da consultoria ADP, as características mais disruptivas da nova geração são autonomia e busca por um propósito. “Os jovens têm acesso à informação, portanto, não ficam satisfeitos em receber ordens. Precisam saber por que estão fazendo determinada tarefa e aonde ela levará”, diz.
A concessionária de energia elétrica AES Eletropaulo, em busca de um propósito, adotou um discurso bonito. “Pretendemos mostrar que não somos commodity, que nosso objetivo é fazer energia sustentável e acessível”, afirma o diretor de recursos humanos, Marcelo Pereira. Para se reposicionar, a empresa liberou o uso de roupas informais, adotou o home office e ampliou o contato dos jovens com os demais diretores. A mudança surtiu efeito: as inscrições para o programa de trainee saltaram de 8 000, no ano passado, para 24 000, em 2016. Pereira nota que, nos cafés da manhã com a liderança, esses profissionais não se interessam por qual faculdade devem fazer para “chegar lá”. “Eles preferem saber o que aquele líder precisou sacrificar na vida pessoal, quem o ajudou e como ele encontrou um mentor”, diz.
De acordo com uma pesquisa da consultoria EY, sentir-se valorizado pela companhia é o mais importante fator de engajamento para os jovens. As razões seguintes são ter confiança no chefe, gostar do trabalho, sentir que está progredindo e ser tratado como uma pessoa – não como um número. Sem isso, sim, eles mudam de emprego: seis em cada dez estão abertos a novas oportunidades. “Ouvimos que os jovens são descompromissados. Mas as organizações são mais leais a seus funcionários do que eram 30 anos atrás?”, questiona Chip Espinoza, da Universidade Concordia. O vínculo de trabalho é um relacionamento como todos os outros. “Quando uma das partes se sente insegura, ela vai embora”, afirma.
Para manter os millennials comprometidos com a organização, os líderes de RH terão de investir em ações mais complexas do que encher o escritório com sofás coloridos, mesa de sinuca e videogame. Atrair e reter esse pessoal continua sendo um desafio constante – pelo menos, essa relação está mais madura.