Até 2020, quase 90% das corporações devem oferecer aos funcionários alguma modalidade de trabalho a distância. Essa é uma projeção global feita pela empresa de tecnologia Citrix a partir de uma pesquisa com 1.900 executivos em 19 países, incluindo o Brasil. Se nos Estados Unidos o home office já é uma realidade abrangente (com 88% dos empregadores tendo políticas estruturadas, segundo um estudo da associação americana WorldatWork), por aqui os números ainda são conservadores — mas crescentes. De acordo com dados da SAP Consultoria, coletados de 200 companhias que atuam no país, 36% delas permitem o trabalho remoto e, desse grupo, 42% já formalizaram a prática, sendo que a maioria o fez há menos de cinco anos.
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Quatro em cada dez respondentes da pesquisa da SAP afirmam que o principal entrave para permitir que o funcionário realize suas tarefas de casa é o conservadorismo empresarial. “Em sociedades com alta desigualdade social, o foco em resultado tende a ser substituído pelo relacionamento intensivo”, diz Marco Tulio Zanini, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, da Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro. “Como existe uma grande distância de hierarquia, o cargo tem muito poder e os profissionais passam a trabalhar para o chefe ali ao lado, e não para a qualidade do produto ou do serviço final”, diz. Nesse cenário, o gestor se habitua a comandar pela força de sua função e a medir a quantidade de horas que o subordinado fica à disposição.
Quebre as barreiras
Antes de formalizar um programa assim é preciso criar condições para a mudança cultural. Foi isso o que fez a Bosch, multinacional alemã de tecnologia industrial e componentes automotivos.
Globalmente, a corporação mantém um modelo de trabalho remoto para os executivos no qual eles próprios definem quantos dias por semana vão ficar em casa. Cada subsidiária tem liberdade para adaptar a prática localmente e até para incluir opções. Desde 2013, a operação brasileira adotou mais dois outros jeitos de flexibilizar o expediente: as pessoas escolhem o turno em que desejam trabalhar ou optam pelo contrato de meio período, além da modalidade de trabalho a distância. Nesta última, o funcionário, de qualquer nível, com exceção de quem trabalha na produção, passa 100% do tempo em casa. “Antes da implantação do formato integral, alguns gestores perguntavam como poderiam garantir que os empregados cumpririam os deveres a distância”, afirma Fernando Tourinho, diretor de recursos humanos da Bosch América Latina. “Eu dizia: ‘Como você tem certeza de que seu funcionário da mesa à frente está mesmo trabalhando ou só ouvindo música?’. Não tem, nem é esse o foco. Tanto no modelo presencial como a distância, deve-se estabelecer uma relação de confiança e a medição do desempenho pelos resultados”, diz.
Semanas depois do início do programa, começaram a surgir os depoimentos revelando experiências bem-sucedidas de líderes e liderados. E o RH tratou de replicá-los nos veículos de comunicação interna, nos treinamentos e nas reuniões. Os exemplos quebraram as resistências.
Outra ação que tem ajudado a disseminar o home office é o incentivo para que os chefes participem do programa. Desde que começou a trabalhar de casa uma vez por semana, Manfred Neuhaus, de 55 anos, gerente de controladoria da Robert Bosch América Latina, notou não só a melhora no próprio desempenho como também reforçou competências importantes para um líder. “Delego mais e faço coaching contínuo para dar autonomia aos funcionários”, diz ele, que mora em Valinhos e atua na unidade da companhia em Campinas, ambas em São Paulo.
Mostre os resultados
Para derrubar o mito do baixo rendimento do pessoal que fica em casa, o Banco do Brasil começou, em abril deste ano, um projeto piloto de home office envolvendo 100 pessoas da área de tecnologia da informação. Estipulou para o grupo uma meta de produtividade 15% acima do que a daqueles que ficam na empresa. “Dá para atingir esse aumento com facilidade, já que a falta de interrupções e o silêncio permitem uma maior concentração”, afirma Paulo Castanhera, de 35 anos, analista de TI do BB, que mora em Limeira, no interior de São Paulo, e atua no escritório na capital, a 150 quilômetros de distância. Ele gastava cinco horas e meia todos os dias para ir e voltar do banco. Com o home office, faz esse percurso apenas um ou dois dias por semana, no máximo. O analista consegue até levar e buscar o filho de 6 anos na escola, onde estuda em período integral, e tem planos de fazer uma pós-graduação.
Em poucos meses, o Banco do Brasil percebeu que quem faz home office rende acima do esperado. “Observamos um aumento de 38% no desempenho do grupo que participa do piloto”, diz Carlos Alberto Araújo Netto, diretor de gestão de pessoas do BB.
Analise o perfil
Pessoas com atividades ligadas a desenvolvimento, pesquisa e informática costumam realizar as tarefas a distância com mais facilidade. Já quem trabalha com criação, inovação ou em núcleos decisórios, que precisa de constante interação pessoal, pode ter mais dificuldade para ficar em casa. Ainda assim, não há regras. Por isso, mais do que a natureza da função, as companhias preferem priorizar o perfil do funcionário. A Atento, empresa de call center e terceirização de processos, é um exemplo.
No início de 2014, quando a política de home office começou a valer, a equipe de RH da Atento orientou os gestores a identificar funcionários de todos os departamentos que demonstrassem certos comportamentos, como facilidade para trabalhar sozinho, comprometimento e capacidade de concentração. “Quem apresenta alto grau de relacionamento e extroversão tem menos facilidade para se adaptar”, diz Majô Martinez Campos, diretora de RH. Foi dessa forma que a operadora do serviço de atendimento ao cliente Vanessa Ferreira Ribeiro, de 28 anos, passou a trabalhar a distância em tempo integral. Ela levava uma hora e meia para chegar até a unidade da Atento, em Belo Horizonte, e mais o mesmo tempo para voltar para casa, em Sabará, na região metropolitana. “Além de eliminar o estresse do trânsito, agora consigo fazer caminhadas e tenho mais qualidade de vida”, diz a funcionária.
Para André Brik, sócio fundador do Instituto Trabalho Portátil, se os empregados elegíveis ao home office devem ter disciplina e capacidade de organização de tempo, os gestores precisam saber delegar, planejar e demonstrar boa comunicação e objetividade nas demandas. “Quem não reúne essas competências não precisa ser deixado de lado, pois as aptidões podem ser desenvolvidas com treinamentos”, afirma.
Cuide da rotina
A legislação brasileira é outro obstáculo ao home office apontado pelos empregadores. Mas, na visão de quem aderiu à prática, os benefícios são maiores do que os riscos que funcionários mal-intencionados ou brechas na lei podem trazer. Para se proteger, as empresas definiram critérios claros, garantindo as mesmas condições de trabalho para quem fica no escritório ou em casa.
O ambiente na residência dos empregados — dos móveis ergonomicamente corretos à iluminação adequada — deve ser avaliado por especialistas da empresa. Os notebooks podem ser equipados com software para acesso remoto, sistema de segurança e armazenagem de dados, ramal telefônico e aplicativos de bate-papo, áudio e videoconferência. No Banco do Brasil e na Atento, o sistema de trabalho é iniciado no começo da jornada e cai assim que o expediente termina — a menos que o gestor acione o pedido de hora extra. “Até as pausas previstas na rotina de determinadas funções são inseridas no sistema”, diz Regis Noronha, diretor de estratégia e marketing da Atento.
O home office é um caminho sem volta. Quem se antecipar nesse novo modelo de relações trabalhistas, no qual a presença no escritório não é mais sinônimo de produtividade, certamente ganhará vantagem competitiva — e conquistará a satisfação dos funcionários.