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Precisamos falar sobre estresse

Apenas 18% das empresas mantêm um programa para cuidar da saúde mental do time

Por Tatiana Sendin
Atualizado em 5 dez 2020, 19h14 - Publicado em 13 Maio 2016, 11h09
estresse (Foto/Thinkstock)
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Nove em cada dez brasileiros no mercado de trabalho apresentam sintomas de ansiedade, do grau mais leve ao incapacitante. Metade (47%) sofre de algum nível de depressão, recorrente em 14% dos casos. Os dados são da última pesquisa da Isma-BR, representante local da International Stress Management Association, organização sem fins lucrativos dedicada ao tema.

Os transtornos mentais e emocionais são a segunda causa de afastamento do serviço. Nos últimos dez anos, a concessão de auxílio-doença acidentário devido a tais males aumentou em quase em 20 vezes, segundo o Ministério da Previdência Social. Com frequência, os doentes ficam mais de 100 dias longe de suas funções. Em todo o mundo, os gastos relacionados a transtornos emocionais e psicológicos podem chegar a 6 trilhões de dólares até 2030, mais do que a soma dos custos com diabetes, doenças respiratórias e câncer, apontam estimativas do Fórum Econômico Mundial. A previsão pode ser subestimada, já que dois terços dos indivíduos não procuram auxílio médico especializado.

A Organização Mundial da Saúde alerta que uma em cada quatro pessoas sofrerá com um transtorno da mente ao longo da vida. Apesar dos números, são raras as empresas que mantêm um programa de saúde psicológica e emocional para seus empregados.

A maioria dos casos ainda é tratada como tabu. Chegou a hora de falarmos abertamente sobre o tema.

A mente adoece

Pesquisas ligam os transtornos mentais a diversas fontes. O excesso de estímulos é uma delas. Na era da hiperconectividade, as pessoas são atingidas por uma avalanche de informações na forma de mensagens instantâneas, e-mails, alertas de compromisso, notícias em tempo real e aplicativos de todos os tipos e gêneros. “A informática fez com que tivéssemos mais controle de nossa vida, mas isso implica maior carga cerebral”, diz a neurocientista Carla Tieppo, professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Estamos o tempo todo sendo lembrados do que não fizemos, das tarefas que não cumprimos, das ligações que não atendemos e dos e-mails não respondidos. E a falta de habilidade em lidar com isso pode levar ao estresse e a distúrbios de ansiedade e humor.

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Embora especialistas indiquem a vida pessoal, não só a profissional, como fator de risco, em todo o mundo, apenas um de cada cinco indivíduos aponta a família e os vizinhos como fonte de preocupação, segundo uma pesquisa realizada com 16 000 pessoas pela Regus, especializada em escritórios flexíveis.

Para mais da metade (60%), o trabalho é a causa de se sentirem nervosos, irritados, cansados, tristes ou sem energia. Em tempos de recessão econômica, a cobrança por resultados, o medo de demissão e o enxugamento dos quadros de funcionários tornam as empresas locais ainda mais estressantes.

Não à toa, a procura por atendimento no consultório de Porto Alegre da psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da Isma-BR, cresceu 30% nos últimos seis meses. Quase dois terços dos pacientes são executivos. Entre os novos está uma gestora que descobriu, ao voltar de férias, que havia sido demitida. “Essa situação está se tornando cada vez mais comum e causa um grande impacto tanto em quem sai quanto nos que permanecem na organização”, afirma Ana Maria. Os que ficam, diz, convivem com o medo de sair de férias ou de perder o colega que se arrisque a tanto — tendo de arcar com mais trabalho. “É como se as corporações colocassem os trabalhadores em um barco e mandassem jogar os coletes salva-vidas no mar, para reduzir o peso, deixando todo mundo por sua própria sorte”, diz

Um ambiente de trabalho com pouco apoio, excesso de demanda, baixo controle sobre as tarefas, recompensas inadequadas e comprometimento individual excessivo são fatores que aumentam a chance de afastamento. O sentimento de nunca cumprir as tarefas e a dificuldade de se desligar do serviço leva ao burnout — quando o corpo, sobrecarregado, simplesmente desliga.

O custo do estresse

No Brasil, os transtornos mentais são a terceira causa de longos afastamentos do trabalho por doença. Em 2011, eles foram responsáveis pelo pagamento de mais de 211 milhões de reais a novos beneficiários, de acordo com um levantamento do médico do trabalho João Silvestre da Silva-Junior, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

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O último Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho, do Dieese, departamento público de estudos socioeconômicos, revela que o número de pessoas afastadas do emprego e que receberam auxílio do INSS chegou a 16 381, em junho de 2015. Episódios depressivos, transtornos ansiosos, reações ao estresse grave e transtornos de adaptação foram os principais diagnósticos.

Nos Estados Unidos, empregados diagnosticados com depressão faltam quase nove dias ao serviço, o dobro da média para trabalhadores saudáveis, segundo o instituto de pesquisa Gallup. O prejuízo com a perda de produtividade supera os 19 bilhões de dólares por ano.

Além do estrago financeiro, há o impacto nos colegas que seguram as pontas quando alguém não aparece. Um estudo da sociedade americana de recursos humanos, a SHRM, revela que os supervisores gastam em média mais de quatro horas por semana lidando com as faltas não programadas, o que inclui fazer recolocações, ajustar o fluxo de tarefas e dar treinamento a quem irá assumir a função por aquele dia. Quando cobrem alguém, os superiores ficam 15% menos produtivos e os colegas, 30%. Quase metade das ausências reflete-se em horas extras dos que ficam.

Há ainda o custo do presenteísmo — quando o funcionário vai trabalhar, mas está com a cabeça em outro lugar. Segundo Ana Maria Rossi, da Isma-BR, 96% das pessoas que têm burnout se sentem incapacitadas para trabalhar. Mesmo assim, 92% continuam indo para a empresa, com medo de serem demitidas ou de se afastarem e não conseguirem voltar. “Elas vão ao trabalho, as luzes estão acesas, mas não há ninguém em casa”, diz. Esse hábito desencadeia erros, baixo desempenho, aumento dos problemas de saúde e piora na qualidade de vida, afetando mais a produtividade que o próprio absenteísmo.

Tabu corporativo

Os problemas mentais ainda são um assunto velado na sociedade. Um estudo do Dieese, de maio de 2015, mostra que, em 2012, foram realizadas 260 greves com o tema de saúde do trabalhador — três vezes mais do que em 2010. Contudo, nenhuma abordou doenças emocionais e psicológicas. Questões como ritmo de trabalho, lazer, estresse, compromisso com a qualidade de vida e trabalho decente estão fora das pautas de sindicatos e patrões.

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Das 267 companhias de médio e grande porte avaliadas pela consultoria Mercer, 46% não planejam investir em um programa de saúde mental nos próximos anos. Apenas 18% mantêm algo nesse sentido, sendo que 54% oferecem exclusivamente palestras sobre o tema. Somente 5% contam com um psicólogo nas suas dependências.

Para Milene Rosenthal, fundadora da Psicolink, empresa que oferece orientação psicológica online, as corporações não estão preparadas para lidar com os transtornos mentais. “A área de RH possui indicadores e números de mercado, mas faltam profissionais capazes de acompanhar esses dados de forma correta”, diz a executiva. Quando os casos chegam ao departamento de recursos humanos já é tarde demais. “O trabalhador já gritou com alguém ou agrediu outro colega, ou diz que vai se matar”, afirma Milene.

Uma vez, ela atendeu um rapaz que ficou 48 horas trabalhando direto para finalizar um projeto. “Ele teve um derrame ocular, o olho começou a sangrar. Ele não só não terminou a tarefa como foi afastado e deixou o time sem uma pessoa estratégica”, diz.

O próprio indivíduo pode não perceber seu limite. Fatima Macedo, diretora da Mental Clean, consultoria de bem-estar emocional, explica que os sintomas começam “dissociados e discretos”. A pessoa dorme mal uma noite, mas não chega a ter uma insônia; sente dor ou fica com o estômago inchado; noutro dia, tem uma pequena coceira na pele; depois sente uma angústia ou uma tristeza sem motivos. “O funcionário sente vergonha de estar doente e minimiza os sinais”, diz Fátima. Há casos em que o diagnóstico correto demorou oito anos.

A melhor forma de acompanhar o bem-estar psíquico e emocional é preparar a companhia para tratar depressão, estresse e outros transtornos mentais como qualquer outra doença do corpo.

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O tratamento

Primeiro, a equipe de recursos humanos deve estudar o tema e levantar indicadores internos. Feito isso, é hora de buscar apoio. Para Milene, da Psicolink, o RH vai jogar dinheiro fora se ficar apenas nos grupos de corrida ou nas palestras de consultorias especializadas.

“É preciso desenvolver uma cultura corporativa que englobe a saúde emocional — e isso significa comprometimento da alta liderança”, diz. Depois, é hora de usar as ferramentas de comunicação disponíveis para alertar sobre o problema.

Foi isso o que fez a Abyara Brokers, uma das maiores imobiliárias do país. Em 2013, o time de recursos humanos recebia por mês até cinco funcionários, principalmente corretores de imóveis terceirizados, com sinais de estresse, alcoolismo e abuso de drogas. Na época, eram 1 000 corretores. Fossem CLT ou autônomos, a ausência dessas pessoas afetava a produtividade e o resultado dos negócios. O aumento de casos chamou a atenção da diretoria, que autorizou a criação de um programa de saúde mental.

Em 2014, Vanessa Melo, analista de treinamento, mapeou a saúde de 32% do quadro de funcionários. Dos 221, quase 70% responderam que se sentiam estressados “esporadicamente” ou “frequentemente”; 53% estavam acima do peso; e quase metade não praticava exercícios. “Tínhamos pessoas constantemente estressadas, com sobrepeso e sedentárias”, diz Cristiane Zanoelo, gerente de treinamento e desenvolvimento da Abyara.

Depois do mapeamento, a companhia ofereceu ajuda para 56 pessoas. Apenas 23 aceitaram — três estavam em nível de “quase exaustão” ou “exaustão”, a um triz de receber afastamento médico. Paralelamente, a Abyara treinou os líderes, a fim de ter um ambiente menos estressante e de abordar corretamente quem apresentasse os sintomas de estresse.

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Fez palestras e oficinas sobre burnout, desenhadas com o intuito de instruir e vencer o preconceito. Realizou dois plantões de atendimento psicológico, com duração de 40 minutos cada sessão, em um andar específi co. Criou um time de “terapia em grupo” e um comitê multidisciplinar de saúde e qualidade de vida. “A ideia era mostrar que a empresa entende que qualquer um pode ter esse problema”, diz Vanessa.

As ações foram estendidas aos corretores terceirizados. Em 2015, por causa da crise, dos 215 empregados, restaram 95. Ficou difícil seguir com o mapeamento de estresse, mas, como muitas pessoas procuravam o RH com medo de ser demitidas, a companhia manteve os plantões de atendimento psicológico. “Nesse período, a produtividade caiu e o nível de ansiedade subiu, mas acredito que conseguimos reduzir os afastamentos médicos”, diz Cristiane.

A empresa de cartões de benefícios Sodexo passou a mapear a saúde mental dos trabalhadores há dois anos e descobriu três, dos cerca de 600, com problema — sendo que dois se afastaram do serviço. A base de baixo número, acredita Rogerio Bragherolli, diretor de RH, está nos valores corporativos, que vão desde interação social, facilidade e efi ciência até reconhecimento e saúde. “Estamos saindo do conceito de ‘work life balance’, de equilíbrio entre vida pessoal e profissional, para o de ‘life integration’, pois a vida é uma só”, afirma Bragherolli.

Reformada recentemente, a sede da Sodexo, em Barueri, Grande São Paulo, é uma manifestação física dessa ideologia: móveis coloridos, espaços abertos, nada de baias, e rotatividade nas mesas de trabalho. Um andar inteiro se destina às práticas de bem-estar, onde os empregados têm à disposição quiropata, cadeiras de massagem, manicures, churrasqueira e até uma horta. Bragherolli garante que o resultado nos negócios e no engajamento dos profissionais foi tão bom que os escritórios da Sodexo na Bélgica e na França planejam copiar as práticas.

Ainda cabe um esforço da sociedade (e dos indivíduos) para melhorar o autoconhecimento. As comunidades modernas tendem a abandonar as análises mais profundas e tratar os transtornos  mentais com medicação. Mas, do ponto de vista neurológico, o que faz a diferença é o nosso cérebro. Já dizia o filósofo: “Conhece-te a ti mesmo”.

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