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Qual é o risco dos boatos não triviais?

De minhoca no hambúrguer a cancerígenos no refrigerante, as corporações têm de lidar com pelo menos uma história falsa por semana

Por Márcio Simões
Atualizado em 5 dez 2020, 19h13 - Publicado em 26 dez 2017, 04h00
O fofoqueiro (Thinkstock/sharpshutter/)
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Em 1969, circulou a notícia de que Paul McCartney ha­via sido decapitado num acidente de carro e que os administradores da banda The Beatles muito depressa arranjaram um sósia para ocupar seu lugar. Houve quem acreditasse sinceramente nessa história. McCartney deu uma entrevista à revista Life afirmando que estava vivo, mas a iniciativa fez surgir outra teoria entre os fãs: a de que os administradores haviam montado uma conspiração, que os membros da banda tentavam denunciar por meio de mensagens sutis de socorro.

Uma dessas mensagens está na blusa que McCartney vestiu para a foto da contracapa do disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, na qual havia um brasão costurado no ombro esquerdo onde se lia a sigla OPD. OPD é o jargão da polícia britânica para officially pronounced dead, isto é, “oficialmente dado como morto” (na verdade, a sigla no brasão é OPP, mas, do modo como a foto saiu, parece OPD). Nos porões da internet, tem gente que acredita que o Paul McCartney que veio dar um show em São Paulo em outubro de 2017 é, na verdade, o sósia contratado para substituir aquele que morreu decapitado.

Teorias assim, bizarras, engraçadas, absurdas, surgem de quando em quando. Minhocas no hambúrguer, cancerígenos no refrigerante, baratas no enxaguante bucal. É fácil rir de quem acredita nelas. Apesar disso, as organizações perdem dinheiro com os rumores menos bizarros e mais lógicos, mas ainda assim não triviais. “Nas empresas grandes”, escreve Nick DiFonzo, o mais importante especialista em comunicações falsas e autor do livro Rumor Psychology (pu­blicado pela American Psychological Association), “os funcionários têm de lidar com pelo menos um boato sério por semana”.

Rumores circulam aos montes porque pouquíssima gente resiste a uma boa história — quase todos gostam de ouvir e de passar adiante. É o que afirma o psicólogo americano Ralph L. Rosnow no livro Behaving Badly (também da American Psychological Association): “Os seres humanos, na condição de animais sociais capazes de raciocínio complexo, tendem a distribuir coisas de alto valor social a outros membros do grupo do qual fazem parte: comida, roupas, ferramentas, matéria-prima — e informação”. Segundo ele, nós, humanos, “temos um desejo muito forte de conhecer as circunstâncias em que vivemos, e os boatos surgem durante as buscas por explicações”. Quando uma situação confunde a pessoa, ou lhe mete medo, ela busca uma justificativa para o que está acontecendo; e, se não acha nenhuma, inventa. Assim nasce o boato.

Aline Cintra, gerente de aquisição de talentos para a América do Sul da produtora de sementes Monsanto, confirma: as narrativas falsas surgem mais frequentemente quando as pessoas precisam de explicações. “Quando uma empresa cresce e contrata ou quando diminui e demite. Quase toda situa­ção importante na vida de uma companhia faz surgir histórias entre os funcionários.” Aline sabe do que está falando: a Monsanto e a farmacêutica Bayer conduzem um processo de fusão. “Isso sempre gera ondas de boatos.”

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Como lidar com eles?

Os dois melhores conselhos, segundo os especialistas, são: incentive o pessoal a fazer perguntas e forneça todas as informações possíveis. No primeiro caso, é importante manter canais nos quais as pessoas possam se expressar e tirar suas dúvidas. No laboratório Fleury, os 11 000 empregados têm acesso a uma espécie de Facebook corporativo.

Desde que respeitem um código de cortesia, podem publicar qualquer coisa — elogios, críticas, perguntas. “Usamos esse ambiente para verificar quando os fatos e as interpretações dos fatos divergem”, afirma William Malfatti, diretor de comunicação, relações institucionais e relacionamento com o cliente. “Desde que o profissional respeite o código de cortesia, nunca apagamos uma postagem. Se for necessário, alguém vai conversar com ele, dar explicações, mas fica a critério dele modificar a mensagem. É importante para nós que o funcionário confie nesse canal.” Na Monsanto existe algo parecido. “Temos uma regra que todos devem respeitar: nenhum funcionário pode ser prejudicado por fazer uma pergunta”, diz Aline.

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No segundo conselho, a companhia deve repassar “informação baseada em fatos e com o mínimo de atraso”. É o que diz Daniel Leonard Bernardi, professor na Universi­dade Estadual de São Francisco, nos Estados Unidos, que estuda histórias falsas em situações de conflito. “Muito dificilmente um boato se espalha quando as pessoas têm acesso a fontes de informação que elas percebem como confiáveis”, afirma Bernardi, principal autor do livro Narrative Landmines: Rumors, Islamist Extremism, and the Struggle for Strategic Influence (editora Rutgers University Press). “Mas, quando há um problema de credibilidade, esses rumores se espalham como fogo em mato seco.”

Fornecer informação baseada em fatos não significa fornecer todas as informações, como explica Maximiliano Tozzini Bavaresco, dono da Sonne Consulting. “Há certas coisas que uma organização obviamente tem de manter em segredo.” Se os funcionários percebem que há certas movimentações diferentes, mas a liderança não pode se manifestar, o que fazer?

Na Monsanto, Aline descobriu a melhor resposta: “Eu entendo suas preocupações, estou com vocês, mas ainda não posso falar sobre isso”. “Da primeira vez que eu falei dessa forma, achei que as pessoas reagiriam mal. Não foi o que aconteceu. É incrível, mas elas com­preen­dem a posição em que você está e apreciam a franqueza”, diz.

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Quanto à parte do “atraso mínimo”, os executivos devem se planejar. Bavaresco já trabalhou em mais de 100 projetos e afirma que toda corporação pode prever 99% das situações mais propícias a boatos. “Toda mudança importante envolve contratações, demissões, abertura de unidades, fechamento de unidades. A empresa deve se organizar para, no momento adequado, o mais cedo possível, explicar o que está acontecendo”, afirma. O canal das explicações importa, assim como o tom. “O RH pode dar certas explicações com um e-mail bem-humorado. Outros esclarecimentos, contudo, devem ser passados pelo presidente da companhia em pessoa, e com seriedade.”

Pesquisas acadêmicas recentes, conduzidas principalmente por Rosnow e DiFonzo, revelam que, ao negar certos rumores (por exemplo, “Não é verdade que Paul McCartney morreu no acidente”) ou ao classificá-los como boatos (“Isso não é verdade! É mero boato!”), eles ganham força. Ocorre que é impossível saber se determinada história se comportará assim ou não. Como poucas organizações conhecem a teoria, recorrem a boas práticas de comunicação para lidar com as mentiras, mas cedo ou tarde perdem dinheiro com aqueles poucos rumores de comportamento extravagante. “Você não pode negar certos boatos nem classificá-los de boatos”, diz Bernardi. “Negá-los ou considerá-los boatos os deixam mais fortes, o que é fascinante.”

Então, o melhor remédio é presumir que todo rumor seguirá esse caminho e fornecer a informação verdadeira em frases afirmativas. Suponha, por exemplo, que “Fulano e Sicrana vão se casar; acho que Sicrana está grávida!” seja um boato. O que Fulano e Sicrana devem fazer — se for verdade que vão se casar, mas não que ela está grávida — é dizer: “Sim, vamos nos casar, pois nos apaixonamos, e morar na mesma casa faz todo o sentido. Quanto a filhos, pensaremos nisso depois de uns dois anos.” 

Na definição acadêmica, “boato” é uma informação extraoficial acompanhada de uma explicação sobre como o mundo realmente funciona. Para a definição, não importa se a informação ou a explicação é verdadeira ou falsa. Assim, “Fulano e Sicrana estão namorando há três meses e vão se casar” é apenas fofoca (se não foi o casal que divulgou a informação); mas “Fulano e Sicrana estão namorando há três meses, e vão se casar, pois Sicrana está grávida” é boato, visto que junta à informação uma explicação de como o mundo funciona — casamento depois de um breve namoro significa gravidez.

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