Formada em Administração com ênfase em negócios internacionais, Gabriela Rosa tem uma trajetória profissional toda ligada ao setor securitário. Começou na Unibanco AIG e, em 2015, foi convidada por um antigo chefe para ser analista sênior na Allianz Seguros. Lá, foi crescendo até se tornar gerente técnica. Mas com uma diferença para a maioria dos gestores: ela não tinha equipe para administrar. Virou gerente porque era o jeito que a empresa tinha de promovê-la.
O objetivo, naquele momento, não era que liderasse pessoas. Era continuar com seu bom trabalho, então ganhando mais e sendo valorizada. “Agora sou responsável por resultados, geração de relatórios e checagem sobre se estamos dentro das metas”, diz a executiva.
Rosa conta que se destacou como colaboradora individual graças ao que aprendeu com seus gestores na empresa, e mesmo assim não teve de ser líder para se sentir reconhecida. Não precisou seguir os passos deles – só os ensinamentos. “Meu último gestor fazia questão de que participássemos de iniciativas globais e mostrássemos a cara na empresa. Cada um com sua expertise.”
Talvez hoje Gabriela Rosa não precisasse ser uma “gerente sem equipe” na companhia por causa de sua promoção. Isso graças a uma tendência que vem crescendo entre as organizações: o plano de carreira em Y.
Essa bifurcação no desenho da letra é o que inspira uma nova possibilidade de trajetória nas empresas mais inovadoras em gestão de pessoas.
Pela tradição, ao iniciar a carreira, a maioria dos profissionais só enxerga um caminho para ter salário mais atraente e sucesso no negócio: ocupar cargos de liderança no futuro. Ok, essa opção faz mais sentido para muita gente. Mas o que acontece com quem é um top gun no que faz, mas não tem habilidades para liderar equipes.
A carreira em Y é a resposta para quando surge esse dilema. Colaboradores extraordinários vão se destacando, e aí chega a hora em que, por justiça, precisam ser promovidos. Nas empresas que já têm esse planejamento para a ascensão de seus profissionais, eles podem escolher: ou assumem posições de liderança, ou crescem mantendo-se em suas funções especializadas.
Virar chefe continua sendo uma das portas (ou um dos “bracinhos” do Y), mas os funcionários que estão sempre se aprimorando na área, sempre inovando, desempenhando com excelência e fornecendo soluções para as principais demandas também podem conquistar melhores remunerações, benefícios e condições de trabalho. Serem promovidos, enfim. Mesmo sem desenvolver competências de gestão.
Essa possibilidade também é uma boa resposta para a onda da quiet ambition, em ascensão principalmente entre os colaboradores mais jovens: o desinteresse em virar chefe.
Profissionais que não veem sentido em assumir responsabilidades (e pressões) maiores por um pouco mais de dinheiro, sem sentir alguma realização pessoal. São pessoas que priorizam a saúde mental, o tempo livre e a convivência com a família e amigos, rejeitando o possível estresse das atividades inerentes a um cargo de liderança. Em empresas com bons planos de carreira em Y, elas podem escolher.
O modelo ainda é raro no Brasil
Segundo Sandra Souza, consultora para orientação e transição de carreira na Lee Hecht Harrison – multinacional especializada em soluções de recursos humanos –, grandes farmacêuticas, empresas de engenharia, tecnologia e saúde são exemplos de negócios em que a demanda constante por talentos inovadores tende a abrir mais caminhos para a carreira em Y.
Segundo Souza, porém, poucas empresas no Brasil têm um programa dedicado à carreira em Y que realmente faça jus ao conceito. Para isso, o RH precisa, por exemplo, desenvolver uma estrutura de cargos e salários em que o especialista possa ter crescimento de ganhos equiparado aos de um gestor. E também analisar se essa possibilidade faz sentido, de fato, para a organização. “Afinal, sempre que pensarmos em plano de carreira, precisamos ter como perspectiva o negócio”, diz.
Uma empresa que já oferece essa possibilidade é a Natura. Segundo Mariana Talarico, diretora de Pessoas e Cultura da companhia, o plano de carreira em Y na organização tem permitido que especialistas ganhem salários que se equiparam até aos de diretores. Por outro lado, a empresa também pode testar na chefia um excelente especialista que esteja de olho no topo. Foi o caso de Tiago Cordeiro, que hoje é gerente global de P&D de Maquiagem para os Olhos na Avon, marca que faz parte do grupo.
Apaixonado por química, ele teve uma trajetória profissional marcada pelo apreço ao trabalho técnico. “Gostava de criar um produto novo, uma nova textura para outro já existente ou propor algo do zero”, lembra o executivo.
Porém, na hora da bifurcação do Y, quando a empresa quis promovê-lo, ele optou pela gestão de pessoas. Quis experimentar um novo caminho, mas a escolha foi feita sabendo que, na Avon, poderia manter-se especialista com ganhos de um gerente.
Mariana Talarico considera que a trajetória deste executivo é um excelente exemplo das vantagens do programa. “Experimentar diferentes papéis faz parte de uma carreira em Y, inclusive para reafirmar muitas vezes a escolha que fazemos”, ela afirma. “O importante, além do escopo atual, é aproveitar as habilidades utilizadas ao longo da vida profissional.”
Para cada caminho, um conjunto de habilidades
É importante também que o RH analise de perto o perfil de cada colaborador. Só assim saberá que lado dessa encruzilhada ele deve seguir na carreira para ter melhor desempenho e um grau de contribuição maior para o negócio.
Para progredir por meio de um cargo de gestão, é fundamental que o indivíduo tenha uma série de soft skills, principalmente saber lidar com outras pessoas trabalhando juntas. Mas vale lembrar: nem sempre relacionar-se bem com o time torna alguém um líder de sucesso. Ele ainda precisa saber interagir com a alta gestão, organizar a equipe visando aos resultados esperados de sua área, delegar funções, motivar a todos e assumir um tanto de funções burocráticas que não faziam parte de sua vida como colaborador individual.
Já o especialista que quer avançar na carreira mantendo seu cargo não pode se acomodar. Precisa sempre buscar atualização para se manter competitivo e na vanguarda de sua função. Seu conhecimento técnico deve ser tanto que chame a atenção das lideranças para a necessidade de lhe dar melhores condições – isso, aliás, é um desafio de quem prefere não virar chefe: mostrar que, mesmo sem mudar de trabalho, merece um reconhecimento diferente.
Mais produtividade e satisfação
Ao oferecer promoções em Y, as organizações tendem a conseguir benefícios no médio e longo prazo. E o principal ganho é de produtividade.
Quando um profissional desempenha uma função com a qual se identifica e tem facilidade na execução de tarefas, a tendência é que sua jornada de trabalho renda mais. Ele leva menos tempo para terminar as tarefas e as conclui com uma qualidade que talvez nunca tivesse na cadeira de líder.
Outro benefício diz respeito ao ambiente corporativo. Respeitando os interesses individuais de cada um, a empresa demonstra sua valorização pelos profissionais, que se sentem mais motivados. Ao ser reconhecido ocupando um cargo compatível com as suas características, seja como gestor, seja como especialista técnico, o funcionário, claro, fica mais feliz. A carreira em Y é, portanto, também uma ferramenta de retenção de talentos.
A carreira em W
E se o profissional tem interesse e vocação para a liderança, mas a empresa necessite de suas habilidades técnicas? É para esses casos que já existem planos de carreira em W.
Essa possibilidade, que demanda multidisciplinariedade do profissional, permite que ele continue exercendo suas funções técnicas ao mesmo tempo em que administra uma equipe na empresa. Algo que vem a calhar num mercado como o brasileiro, em que falta mão de obra especializada ao mesmo tempo em que desenvolver habilidades gerenciais demanda tempo e dinheiro.
Para a empresa, pode ser uma vantagem e tanto. É a possibilidade de contar com um gestor que conhece profundamente os aspectos técnicos do trabalho de sua equipe – sendo ele mesmo um craque na execução dessas tarefas. A organização ganha dois profissionais ao preço de um. Mas é essencial que essa duplicidade de funções não signifique sobrecarga.
Não importa a letra com a qual a carreira do profissional se identifique, é importante que o mercado de trabalho esteja se adaptando às novas relações de trabalho. Afinal, ser ou não chefe deveria ser o que menos importa.
Os resultados conquistados mais a percepção (e a alegria) de estar no lugar certo é o que faz a diferença. E mudar de emprego deixa de ser um imperativo – seja por um salário melhor, seja por uma vida mais feliz.
Este texto faz parte da edição 90 (fevereiro/março) da VOCÊ RH. Clique aqui para conferir os outros conteúdos da revista impressa.