O Brasil é o segundo país com mais influenciadores no mundo. Perdemos só para os Estados Unidos. Por lá, 13,5 milhões de pessoas ocupam seus dias criando conteúdo na internet. Por aqui, eles formam um contingente mais modesto, de 500 mil pessoas (contando aqueles que têm mais do que 10k seguidores).
É seguro dizer que, num mercado desse tamanho, você encontrará de tudo um pouco. Há comunidades das mais diversas, ora abordando assuntos mais tradicionais – bem-estar, moda, finanças & cia. –, ora tópicos mais excêntricos, vide quiropatas de pets e sommeliers de privada. Quem nunca se perdeu em um nicho maluco da internet que atire a primeira pedra…
Claro, o mundo corporativo não poderia ficar de fora da brincadeira. Mas não é sua presença institucional que tem chamado atenção e angariado milhões de seguidores redes afora. Os CLTfluencers de sucesso ganharam visibilidade, bom… satirizando o ambiente empresarial. Por meio de personagens caricatos e esquetes hilárias, esses criadores de conteúdo ilustram situações absurdas vividas por eles ou relatadas por seguidores durante seu tempo de escritório.
Um CLT e um influenciador entram num bar…
É o caso de Karina Minoda (@karinaminoda). Formada em moda, o sonho dela nunca tinha sido criar conteúdo, e sim encontrar um trabalho em sua área de formação.
Sabe o filme O Diabo Veste Prada, de 2006? Andrea Sachs (interpretada por Anne Hathaway) precisa se desdobrar em oito para atender aos caprichos de sua cruel editora (Miranda Priestly, vivida por Meryl Streep), e sofre todo tipo de abuso moral e psicológico.
A história, os personagens e a revista são fictícios. Mas, segundo Karina, a realidade do mundo da moda não destoa muito do clássico das telinhas.
Depois de uma década trabalhando em escritórios à la Miranda, Karina se viu com um quadro severo de burnout, que a impedia até de dirigir. “Percebi que todas as empresas eram iguais, só mudava o endereço. Desenvolvi ansiedade e depressão, chorava muito quando tinha que trabalhar, foi um período complicado”, desabafa a influenciadora.
Mas, tal qual a protagonista do filme, a história dela também tem final feliz: Karina decidiu largar de vez a CLT e começou a postar vídeos humorísticos ironizando algumas vivências que teve durante esses dez anos. Dos limões, uma limonada: ela acumula 159 mil seguidores no Instagram e 103 mil no Tiktok.
Jessica Diniz (@jedinizm) seguiu um caminho similar. Sua carreira toda se deu no mundo de eventos, trabalhando como autônoma, em que seus contratos duravam de um a dois dias. Apesar de nunca ter tido exposição prolongada a um escritório (“Tentei trabalhar como CLT duas vezes e vi que, para mim, seria horrível!”), a natureza de seu emprego permitiu que ela entrasse em contato com todo tipo de profissional.
Isso a levou a criar a personagem “Ameinda” (paulistanês para “Amanda”), uma workaholic cabecinha de vento que serviu de receptáculo para satirizar episódios que ela, amigos e, posteriormente, seguidores viveram. Ela tem 2,2 milhões de seguidores no Instagram e 2,8 mi no Tiktok.
Mas não pense que é preciso largar a CLT para se tornar CLTfluencer. É o caso de Fernanda Mattos (@homeofficesemfiltro), que ficou conhecida pelos seus vídeos decifrando o “corporativês” – dando dicas para seus seguidores de como educadamente lidar com colegas de trabalho sem noção.
“Quero deixar muito claro que eu não estou exemplificando o meu local de trabalho!”, reitera Fernanda, rindo. Ela teve a ideia da página durante a pandemia, quando trabalhava 100% home office. O canal foi ganhando visibilidade – hoje, com 173 mil seguidores no Instagram e 131 mil no TikTok –, mas ela decidiu não deixar a empresa, onde trabalha até hoje. Segundo Fernanda, eles não viram problemas de ela seguir postando esse tipo de conteúdo (que tem uma pegada um pouco mais light do que de seus congêneres, vale dizer).
Em um primeiro momento, pode parecer que o propósito do conteúdo das meninas seja apenas alívio cômico. Mas esse nicho tem algumas funções adicionais importantíssimas – e, de quebra, nos ajuda a ilustrar a importância de ter senso de humor das 9h às 18h.
Para entender do que estamos falando, precisamos voltar um pouco na evolução humana, e entender a função biológica da risadinha. Vamos lá.
Quantos cientistas são necessários para explicar o riso?
Ao que tudo indica, muitos: não há consenso de por que essa ferramenta foi mantida na evolução humana. Uma das teses mais novas, contudo, vem de um livro de 2011, escrito por Matthew M. Hurley e mais dois colegas e publicado pelo MIT Press. Hurley é pesquisador da Universidade de Bloomington, localizada no estado americano de Indiana.
O interesse dele era, primordialmente, na ligação entre o humor e o erro. Pense que o Faustão fez carreira com base nisso: durante 33 anos, as Videocassetadas do Domingão consistiam única e exclusivamente de pessoas tropeçando, caindo, fazendo algum tipo de confusão. Cometendo erros. E mais: essas pessoas não eram entes queridos dos telespectadores, e sim coitadinhos aleatórios. O prazer em rir da desgraça alheia sedimentou o quadro como um sucesso de audiência durante décadas.
“Cada trocadilho, piada ou incidente cômico parece conter algum tipo de bobagem – o ‘alvo’ da piada”, explica o livro. E esse alvo – preferencialmente um inimigo, concorrente ou estranho seu – precisa cometer algum erro para que aquilo te traga prazer.
A conclusão do pesquisador foi que as pessoas não gostam de cometer erros, e sim de identificá-los. O humor teria evoluído desse processo cognitivo: identificar essa quebra de expectativa, entendê-la e, consequentemente, haha! Rir.
Isso culmina, sobretudo, em uma questão de status. O riso é um sinal (bem) público da nossa capacidade de reconhecer esses erros. Isso mostra uma bagagem de conhecimento, reforça laços (com quem também achou graça, claro), reafirma a sensação de pertencimento e, de brinde, nos torna mais atraentes para parceiros reprodutivos. Matthew explica em uma entrevista de 2013: “Não é só identificar o que faz as pessoas rirem. É também explicar o valor cognitivo e o papel do humor na sobrevivência”.
Nenhuma experiência humana é individual (ainda bem)
Ok. E como essa história toda se conecta com seu trampo – e com o trampo dos influenciadores?
Digamos que você está scrollando pelo seu feed do Instagram. Depara-se com um vídeo da Jessica, da Karina ou da Fernanda interpretando uma situação que você já viveu. Um chefe de voz mansa pedindo hora extra não remunerada, uma mensagem passivo-agressiva do TI perguntando se você “já tentou reiniciar a máquina”, um colega de trabalho cujo modus operandi é passar a perna nos membros da equipe. Você identifica o erro, vê o absurdo da situação, e você ri. Como bem posto por Matthew Hurley.
“Se você viu e você riu, então você entendeu”, resume bem Henrique Vasconcellos (@ocoala01). Henrique, que acumulou 445 mil seguidores no TikTok e 1,2 milhão no Instagram, tem vários quadros de humor nas suas plataformas – mas os de mundo corporativo, segundo ele, são os que fazem mais sucesso.
“O entretenimento passa a ter a função de denúncia: tanto porque você já passou por uma situação parecida e pode reafirmar que aquilo é absurdo, ou porque você mesmo teve esse comportamento em alguma ocasião. Não é só causar por causar: eu faço esses vídeos para causar com propósito”, diz ele.
A maior prova disso é que, ressalvando a Fernanda (que, ainda sim, tem um ambiente de trabalho saudável), todos os criadores já largaram a CLT faz tempo. Mas eles continuam alimentando as páginas por meio de relatos de seguidores – que aproveitam a falta de vínculo empregatício dos entrevistados para dividir, por meio deles, suas histórias de horror. Mais ainda, para buscar amparo com outros que passaram pelo mesmo. Mais um ponto para a teoria de Hurley: a criação de laços é inegável.
O resultado disso é mais do que um número faraônico de seguidores. Os CLTfluencers construíram comunidades positivas, de pessoas que estiveram ou estão no ambiente empresarial, e que compartilham anedotas trágicas e encontram conforto em seus pares.
“Eu gostei muito de fazer esse humor corporativo porque consegui expressar algumas coisas que pensava durante meu tempo de trabalho e não tinha coragem de falar para ninguém”, complementa Jessica.
Muito riso, muito juízo
Mas, afinal, por que nesse formato? Há inúmeras maneiras de criar comunidades e denunciar comportamentos abusivos. Uma palestra, um podcast, um texto informativo no LinkedIn… Por que a risada entra no jogo?
“Quando eu faço esse trabalho de forma bem-humorada, eu chego em mais gente, sem dúvida”, argumenta Fernanda. “As pessoas estão cansadas de receber dicas e guias o tempo todo, permeados de produtividade tóxica.”
O aspecto evolutivo pode ainda estar para debate, mas os benefícios do humor com certeza não. Inúmeros estudos mostram a capacidade do riso de aliviar estresse e tédio, estimular a criatividade e a produtividade, melhorar a memória e permitir que fixemos conceitos com maior facilidade. Uma pesquisa da Robert Half de 2017, inclusive, descobriu que 91% dos executivos acreditam que o senso de humor é importante para o avanço na carreira.
Isso mostra que, na internet ou fora dela, influenciador ou influenciado: todos nós podemos nos beneficiar de uma abordagem mais bem-humorada aos nossos ambientes de trabalho.
E não pense que só há espaço para isso na informalidade das redes sociais. A empreendedora e humorista Abbadhia Vieira tem uma companhia de teatro empresarial que trabalha justamente nessa interseção, trazendo informações aos colaboradores de uma forma descontraída, por meio de peças, dinâmicas interativas, jogos e conteúdos audiovisuais.
Em um dos (muitos) causos compartilhados pela profissional, ela conta a história de uma empresa que estava tendo muita rotatividade em sua área de TI. Em suas pesquisas, Abbadhia descobriu que o problema era a quantidade grande de jargões – não só da área de tecnologia, mas da empresa em si. A solução foi um vídeo humorístico em que um personagem dividia as frustrações com a webcam sobre esses termos complicados e, de quebra, já ajudava a explicá-los para quem estava entrando na empresa.
“Ninguém mais aguenta tomar lição de moral, ninguém quer sentar duas horas e ouvir uma palestra de boas práticas. Os colaboradores querem se informar, mas eles também querem se divertir!”, explica a especialista.
“Não há nada que indique que você ser mal-humorado te levará mais longe profissionalmente”, brinca Abbadhia. E como muito bem complementado por Karina no finalzinho da nossa entrevista, “de pesado já tem a vida, né?”.
Este texto faz parte da edição 92 (junho/julho) da Você RH. Clique aqui e confira os outros conteúdos da revista impressa.