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Robô sapiens: ChatGPT promete revolucionar o RH, mas há riscos

Modelos de linguagem que respondem questionamentos complexos em segundos facilitam o trabalho — desde que o usuário saiba fazer as perguntas certas

Por Ricardo Ivanov
Atualizado em 19 abr 2023, 15h13 - Publicado em 7 abr 2023, 08h41
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    ão. Não foi o ChatGPT que escreveu este parágrafo. Mas poderia ter sido. A revolucionária ferramenta online de conversação e inteligência artificial (IA) desenvolvida pela empresa de São Francisco OpenAI ganhou uma versão gratuita aberta ao público no final de novembro de 2022 — e queixos bateram na mesa. A rapidez, o volume e o grau de assertividade das respostas a inquéritos redigidos em uma simples tela de chat criaram a impressão de que a máquina finalmente estaria “falando” com a gente. E com um baita conhecimento, como um ajudante ideal.

    O uso desse modelo de linguagem (nome mais correto para essa ferramenta) se espalhou de forma viral, e empresas já analisam como esse efeito “uau!” pode se reverter em mais eficiência e lucro. Mas, apesar da curiosidade geral com o tema, encontramos mais entusiastas na área de TI do que na de recursos humanos enxergando maneiras de usar a novidade na gestão de pessoas.

    Uma pesquisa informal realizada pela psicóloga Cleia Elaine Soares, CEO da consultoria Grupo Diferencial, em uma rede social indicou que 48% dos 126 profissionais de RH participantes não usam o ChatGPT nas atividades diárias. Outros 46% utilizam, e os 6% restantes já tentaram, mas não conseguiram. Das 54 pessoas que adotaram a ferramenta, 45 são de TI e engenharia, e apenas nove atuam em recursos humanos. E, dos participantes que não foram bem-sucedidos na experimentação, todos são de RH — dos que nunca utilizaram a novidade, 48% são de RH.

    Mas a falta de familiaridade pode deixar de ser um problema em pouco tempo. “A expectativa é que, entre um e três anos, soluções como o ChatGPT estejam embedadas [incorporadas] em provedores de tecnologias para recursos humanos”, afirma Eser Rizaoglu, diretor e analista na consultoria Gartner’s HR Research & Advisory Practice, em Londres.

    O recrutador inglês Hung Lee, que edita a badalada newsletter Recruiting Brainfood, é um entusiasta do recurso. “Estamos acostumados a digitar um questionamento no Google e ver uma lista de links azuis de outros lugares, que podem ou não conter a informação que estamos procurando. No meio, poluindo os resultados, aparecem links com o melhor SEO [conjunto de macetes textuais que ajudam o buscador a destacá-los primeiro], anúncios pagos, conteúdos enganosos, e por aí vai”, afirma em entrevista a VOCÊ RH. “O ChatGPT nos dá o que pedimos e em formato de texto pronto.” Mas é preciso saber pedir.

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    A pergunta certa

    “Saibas o que perguntar e terás a resposta”, dirão os deuses dos algoritmos. O modelo de linguagem pode oferecer resultados em segundos e opera em vários idiomas, inclusive em português. Dá para preparar desde descritivos de vagas de emprego até trilhas de treinamento personalizadas para os funcionários, de acordo com o perfil, a experiência, as expectativas de carreira e as afinidades de cada um. A máquina entrega um primeiro esboço, e cada ponto pode ser melhorado. Cabe ao usuário checar o resultado, em busca de possíveis erros, e solicitar a correção. “Por exemplo, eu escrevo na tela do chat ‘crie uma tabela para o setor de recursos humanos para datas comemorativas de abril, maio e junho de 2023. Na coluna 1, coloque o nome da data comemorativa; na coluna 2, a atividade comemorativa em forma de dinâmica de grupo, e na coluna 3, os materiais necessários’”, diz Cleia. “E na minha tela o chat retorna o que pedi e ainda cria variantes de nomes, como a mudança de Dia das Mulheres para Dia do Empoderamento Feminino.”

    Titanic Neural
    (VOCÊ RH/VOCÊ RH)

    E aí está o que diferencia o uso do ChatGPT de uma pessoa para outra: quanto melhor, mais bem-feita e detalhada a pergunta (ou prompt, na linguagem de computador), melhor a entrega. É que o modelo funciona com base em pesquisas simultâneas de textos na internet. E textos da internet, sabemos, têm erros e vieses — como os cometidos pelos humanos que os escrevem. E não é só isso.

    Ajuste de expectativas

    Em um teste de elaboração do currículo deste repórter, o chat adicionou um prêmio que nunca foi recebido e uma faculdade nunca cursada. De onde ele tirou essas qualificações? Essa é uma das respostas que não se consegue do modelo — o ChatGPT faz algumas conexões espúrias, criativas e fantasiosas demais. Mas com olhar crítico, desconfiado, o humano limpa essas incorreções.

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    Gráfico No Páreo
    (VOCÊ RH/VOCÊ RH)

    Parece uma bola de neve de criação de textos e informações, e é. Porque o ChatGPT é uma machine learning dentro de uma rede neural: você entra com seu login e senha na ferramenta da OpenAI e toda a “conversa” é guardada, fazendo com que o modelo leve o histórico em conta em suas respostas. Some-se a essa customização tudo o que foi publicado na internet até 2021 sobre o tema — a ferramenta só está atualizada até essa data —, e você terá uma bela ajuda, principalmente para tarefas repetitivas. “Eu anteciparia que a inteligência artificial vai tomar para si a função de indicar quais pessoas devem ser promovidas na empresa, quais funções precisam de equiparação de salários, quais cargos são redundantes”, afirma Hung. “E então ela vai fazer recomendações que podem se transformar em decisões, porque nosso atual processo centrado em humanos é inevitavelmente sujeito a viés na escolha. Nesse ponto, vai ficar clara a vantagem da IA sobre nós.”

    Para Fernando Arbache, da empresa de treinamentos de RH Arbache Inovations, se o uso for apenas imediato, ao sabor da moda, sem que se pense, desenvolva ou configure o modelo, a tendência é que ele seja deixado de lado, como qualquer novidade. “Só vai haver uma significativa mudança com o uso se houver a compreensão do que essa ferramenta significa”, diz Fernando.

    Os erros e vieses replicados na internet são alguns dos atuais problemas do modelo. Outro é a privacidade de dados: a ferramenta é alimentada com bilhões de palavras extraídas de conteúdos online, muitos deles sem consentimento dos autores, tirados do contexto original ou protegidos por direitos autorais. Também não está claro como a OpenAI usa os dados fornecidos no chat, o que traz dúvidas sobre a possibilidade de informações confidenciais caírem em domínio público ou permanecerem armazenadas.

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    Desumanização

    Mas uma das questões mais sensíveis do uso da inteligência artificial na gestão de pessoas é a desumanização. “O recrutamento está cada vez mais complexo. Recentemente, recebi mais de 300 currículos para uma vaga de analista de RH, o que torna impossível uma visualização humana adequada”, diz Cleia. “Essa é uma tarefa para ser administrada por um futuro ChatGPT, sem subjetivismo. Mas concordo que, se a utilização avançar para as etapas seguintes da seleção, pode-se perder uma conversa presencial importante com um candidato, por exemplo.”

    É difícil pensar em um futuro em que a máquina vai realizar tarefas que os humanos fazem bem, diz Junior Borneli, fundador da escola de negócios StartSe. “Não conseguimos imaginar um algoritmo tendo empatia, percepção de valores, olho no olho, conversa e entendimento do outro”, afirma. “As funções que os seres humanos executam de maneira robotizada, essas, sim, poderão ser substituídas.”

    Para Hung, reagimos em relação a outras pessoas de forma diferente das inteligências artificiais. “Como a relação entre nós é contextual, dinâmica e negociável, sempre haverá espaço para o humano no RH — isso enquanto houver trabalho a ser feito por humanos.”

    Piloto automático
    (VOCÊ RH/VOCÊ RH)
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    Esta reportagem faz parte da edição 85 (abril/maio) de VOCÊ RH. Clique aqui para se tornar nosso assinante

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