As estratégias de seleção mudam com os anos. Algumas décadas atrás, toda empresa tinha uma caixinha para que os interessados deixassem seus currículos impressos, que eram analisados, um a um, pelo departamento de RH. Depois, o procedimento evoluiu para os CVs enviados por e-mail. Até que chegamos aos sites e plataformas de recrutamento de hoje, alguns deles tão tecnológicos que usam inteligência artificial para filtrar os candidatos. Mas existe algo que não muda — e não importa se o processo é feito na papelada ou no mais moderno aplicativo. Muitas empresas ainda sofrem para ser desejadas pelos profissionais que elas gostariam de contratar.
Para resolver essa questão, uma estratégia está tomando conta das organizações: o inbound recruiting. O termo foi criado em alusão ao inbound marketing, estratégia que consiste em criar diferentes tipos de conteúdo para uma marca (como artigos, vídeos, e-books e podcasts) para atrair clientes e construir um relacionamento com quem pode se tornar um consumidor no futuro.
E é exatamente no relacionamento que essa técnica se baseia. A ideia é se aproximar dos talentos em potencial muito antes de recrutá-los. Para isso, as empresas utilizam as redes sociais e seus sites de carreira para divulgar informações relevantes para o público de interesse — e fogem do tradicional anúncio “venha trabalhar conosco”. O pulo do gato é conectar propósitos. “O profissional que se identifica com os valores comunicados vai consumindo aquele conteúdo e passa a admirar a marca. Com isso, a chance de ele se candidatar a uma vaga é muito maior”, diz Vanessa Cepellos, professora de gestão de pessoas na FGV Eaesp.
Hora de encantar
Mais do que informar, o objetivo do inbound recruiting é encantar os futuros funcionários. Uma das maneiras de fazer isso é transformar em protagonista quem conhece muito bem a companhia: os atuais funcionários. Essa estratégia é interessante quando a empresa dá voz a quem trabalha na operação e não apenas aos executivos. Os profissionais podem, por exemplo, gravar vídeos contando sua trajetória de carreira, dar depoimentos explicando como a companhia foi importante para sua família ou se posicionar nas redes sociais como especialistas naquela área de atuação.
Quando a iniciativa dá certo, a companhia atrai naturalmente quem é alinhado a seus valores, propósitos e jeito de ser — e pode criar um banco de talentos de primeira. Foi exatamente isso que aconteceu com a empresa de tecnologia e engenharia Radix, que, em 2018, começou a utilizar as ferramentas de inbound recruiting de forma intensa. Segundo a diretora de gente e gestão, Daniella Gallo, o assunto surgiu em eventos e grupos de RH e chamou a atenção da equipe de recursos humanos. A partir de então, a empresa passou a cuidar com mais atenção da página de carreira de seu site e a publicar mais ativamente em suas redes sociais, principalmente no Instagram e no LinkedIn. “Decidimos criar uma série de vídeos com relatos de nossos funcionários e divulgá-los”, afirma Daniella.
Para cativar seu candidato ideal, que é um jovem curioso, autodidata e apaixonado por tecnologia, a Radix divulga conteúdo técnico e artigos e outros materiais escritos pelos funcionários. Além disso, promove reuniões mensais para falar sobre temas de tecnologia e engenharia com o público externo — assuntos relacionados à transformação digital são recorrentes nesses eventos. Com a pandemia da covid-19, os encontros presenciais tiveram que dar espaço para eventos online.
Uma iniciativa importante foi a realização de um Hackathon com três dias de duração, no ano passado. A iniciativa reuniu 60 pessoas entre programadores, designers e outras pessoas ligadas a desenvolvimento de software. “Vários profissionais foram contratados depois”, afirma Daniella. A agilidade no recrutamento, aliás, aumentou: o tempo médio diminuiu drasticamente nos cargos mais difíceis de encontrar, como cientistas de dados e arquitetos de software. “A gente chegava a levar mais de 40 dias para contratar um especialista, mas esse prazo caiu para cerca de 20 dias”, diz a executiva. Mesmo os inscritos que não são contratados imediatamente, mas que têm alinhamento cultural e técnico, continuam observados pela Radix. “A pessoa fica no meu radar e, quando surge a vaga, eu posso acioná-la”, diz Daniella.
Parte da estratégia
Encontrar profissionais capacitados e que gostem dos valores organizacionais é um desafio estratégico para as companhias — afinal, recrutar errado é caro. Uma pesquisa global feita pela consultoria PwC revelou que contratações equivocadas podem elevar os custos das companhias em 19,8 bilhões de dólares ao ano.
Por isso, na ThoughtWorks, consultoria global de software, o assunto é tratado com muito cuidado e existem duas pessoas dedicadas ao marketing de recrutamento. Como a companhia demanda competências técnicas específicas, a estratégia de inbound recruiting está calcada em conteúdos produzidos pelos funcionários da empresa em temas como tecnologia e gestão e em eventos próprios ou conduzidos com parceiros nos quais ficam claros pilares importantes para a companhia, como o de inclusão.
“Quanto mais as pessoas tiverem contato com a marca, melhor. Principalmente as que a gente gostaria de ter em nossa empresa: profissionais especializados e diversos”, afirma Taís Silva, head de recrutamento. “Sempre trazemos a questão da representatividade em nossos conteúdos, porque isso atrai e fala muito sobre a marca.”
O grande benefício de manter o contato próximo com os potenciais candidatos é aumentar a quantidade e a qualidade dos postulantes às novas vagas. Em 2019, por exemplo, o número de jovens candidatos ao programa de contratação de recém-formados e universitários da ThoughtWorks aumentou 2,5 vezes. O impacto também foi expressivo nas três carreiras em que a companhia têm dificuldade de atração. Entre desenvolvedores de software junior em São Paulo, o número de aplicações subiu 400% de 2018 para 2019. Para desenvolvedores mobile em todo o Brasil, o avanço foi de 90%. Já para gerentes de projeto de desenvolvimento de software em todo o país, o crescimento foi de 300%. Com esses índices, o número de contratações previsto para 2019, que era de 180 pessoas, subiu para 250. “Além de atrair mais, notamos que o público que se candidata é mais aderente ao perfil desejado”, explica Taís.
Do coração
Embora os benefícios no recrutamento sejam visíveis, os especialistas destacam que os bons resultados de longo prazo só ocorrem se a jornada do profissional dentro da empresa confirmar todos os valores que foram usados para atraí-lo. “Caso a promessa não seja verdadeira, ocorre uma frustração que causa ruptura”, destaca a executiva da ThoughtWorks.
Para não cair nessa armadilha, as empresas devem tomar alguns cuidados na hora de planejar o marketing de recrutamento. O mais importante é que toda a comunicação reflita o que realmente acontece no dia a dia da organização. “É a cultura que gera a propaganda, e não uma imagem preestabelecida na cabeça de um gestor”, diz Carolina Cabral, gerente sênior de recrutamento da consultoria Robert Half. Em outras palavras, o inbound recruiting só dá certo quando é genuíno.